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publicado dia 27 de abril de 2012

Rio +20 pode ter poucos resultados práticos, segundo especialista

De 13 a 22 de junho, acontece no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20). O encontro tem como objetivo construir um compromisso político dos países com o desenvolvimento sustentável, definindo uma agenda para as próximas décadas. O evento, que marca os 20 anos da Rio+92, quando estabeleceu-se pela primeira vez metas – muitas das quais não foram atingidas –, na tentativa de conciliar crescimento econômico e preocupação ambiental.

A conferência aborda a temática apoiando-se no conceito da economia verde, estabelecendo sete questões críticas: emprego, energia, cidades, alimentação, água, oceano e desastres. Em entrevista ao Portal Aprendiz, a jornalista especializada em questões ambientais, hoje diretora de redação da Revista Com Ciência Ambiental, Cilene Victor, contextualiza a Rio + 20 e explica por que acredita que o discurso do marketing verde pode ser perigoso para o crescimento sustentável dos países.

Cilene Victor acredita que a Cúpula dos Povos, organizada pela sociedades civil e que ocorre paralelamente ao evento, é a "razão de ser da Rio+20".

Portal Aprendiz – Qual a importância de uma conferência como a Rio +20? Você acredita que ela tem sido levada a sério pelos países participantes e atingido suas metas?

Cilene Victor – Não, ela não está sendo levada a sério pelos países participantes, basta lembrar o que aconteceu com o Protocolo de Quioto e isso já é o suficiente para se chegar a esta conclusão. Vejo a Rio+20 como algo mais simbólico, uma tentativa de responder às pressões da opinião pública, de dizer que sustentabilidade está na agenda governamental. Não acredito que as metas serão atingidas e gostaria muito, de verdade, de está equivocada, pois precisamos do comprometimento dos nossos governos.

Portal Aprendiz – A crise econômica do bloco dos países mais ricos influencia, de certa forma, a abordagem das principais diretrizes da conferência?

Cilene VictorSim, e essa influência está associada à ordem de prioridade dos governos desses países. Até que ponto as nações mais ricas, ameaçadas por uma grande crise econômica, estão realmente dispostas a discutir sustentabilidade e a inserir nas suas agendas políticas a preocupação com mudanças climáticas, por exemplo? O Relatório Stern completou cinco anos e o seu efeito parece pífio. Ainda que tenha alguns pontos frágeis, esse documento de mais de 700 páginas discorre sobre os impactos que as mudanças climáticas poderão acarretar sobre a economia, a partir de uma projeção para os próximos 50 anos. E a questão parece ser esta, ninguém quer discutir o amanhã, mas o hoje, cuja importância parece limitar-se à questão econômica. Alguns especialistas veem uma luz no fim do túnel ao acreditarem que essa crise possa ser freada com o fortalecimento da chamada economia verde. Aí há um abismo significativo entre o real e o imaginado, mas já é um começo.

Portal Aprendiz – A Rio +20 aborda sete questões críticas: emprego, energia, cidades, alimentação, água, oceanos e desastres. Qual a sua opinião a respeito do posicionamento da conferência em relação a esses temas?

Cilene Victor – A escolha das sete questões críticas reflete exatamente o desafio que a conferência terá de enfrentar. Esses temas pedem uma abordagem transdisciplinar e isso sempre é desafiador, porque na prática, raras exceções, as abordagens são simplistas e isoladas. É impossível discutir a gestão de riscos de desastres e a construção de comunidades mais resistentes, por exemplo, sem rever o modelo de desenvolvimento e crescimento das cidades, o uso e ocupação do solo, as áreas ambientalmente vulneráveis etc. Um problema está desencadeando o outro e as soluções precisam ser integradas. Essa abordagem transdiciplinar demanda a criação de comitês interdisciplinares, preferencialmente locais, pois todos os problemas, ainda que afetem todo o mundo, se dão em uma dada localidade e aí gosto de resgatar um aforismo muito comum à época da Rio+92: “pensar globalmente e agir localmente”. Se conseguirmos isso, cujas fórmulas ainda não existem, mas estão sendo pensadas, daremos um grande passo para reverter o quadro global. O que mais me preocupa, no entanto, é vontade política e conhecimento técnico dos administradores municipais.

Portal Aprendiz – Os dois temas centrais da Rio +20 são “a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” e “a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”. Qual a sua opinião a respeito da escolha desses temas e de como eles serão abordados?

Cilene Victor – Reflete exatamente aquilo que pode acontecer com a conferência: ser um grande evento midiático com poucos resultados práticos. A escolha dos temas pode ajudar a pautar os meios de comunicação, pois às vezes nos esquecemos da população brasileira que vive ainda na extrema pobreza. Não estamos em um concurso de poesia ou de monografias de conclusão de curso, então, buscar interface entre economia verde, sustentabilidade e erradicação da pobreza é uma ousadia e tanto. Basta olharmos para os nossos exemplos. Temos estados brasileiros que têm investido em ações em prol de uma economia verde, em políticas de sustentabilidade, mas não conseguiram ainda dar uma resposta à pobreza extrema que os afetam há mais de um século. O meu questionamento é sobre a prática, como viabilizar, como permitir que essa interface dê a resposta que queremos?

Portal Aprendiz – O que o discurso da Economia Verde representa sobre a postura dos países em relação às questões ambientais?

Cilene Victor – Na maioria dos casos é o marketing verde, o greenwashing, pois muitas nações ainda não conseguiram nem colocar em prática as suas políticas de sustentabilidade, e, tampouco, fazer valer os tratados internacionais dos quais são signatárias. Diante da crise econômica, no entanto, alguns especialistas acreditam que a corrida por uma nova economia, que será verde, possa reverter esta situação, mas tudo ainda é muito novo e experimental, mas como gosto de dizer, já é um começo.

Portal Aprendiz – Há uma separação entre o posicionamento dos países desenvolvidos, emergentes e subdesenvolvidos?

Cilene Victor – Somente a posição dos países pobres, que têm enfrentado problemas de grande envergadura, como as guerras civis, a fome, a epidemia de doenças, entre outros, será diferente. Esses países, com certeza, vão cobrar respostas concretas, que possam, inclusive, reverter o seu cenário político, social e econômico. Já a posição dos países em desenvolvimento, com certeza, se confundirá com a dos países desenvolvidos, pois estão em constantes trocas de acusações e cobranças. Estados Unidos e União Europeia, por exemplo, cobram respostas, responsabilidades e compromissos da China e Índia, e esses dois devolvem a cobrança, em especial, quando discutem o modelo de consumo dos países desenvolvidos. Aqui podemos ter um jogo de empurra-empurra e prejudicar toda e qualquer negociação.

Portal Aprendiz – Qual a sua opinião a respeito do posicionamento do governo brasileiro nas questões ambientais? A bandeira levantada de um país sustentável condiz com a realidade?

Cilene Victor – Não posso dizer que o Brasil não esteja tentando fazer essa bandeira da sustentabilidade ser mais que um marketing verde, mas temos problemas muito pontuais, como a construção de grandes barragens, a demarcação de terras indígenas, a monocultura dominando e impactando biomas, o cerrado e a Amazônia. Se eu for listar os problemas que ainda estão longe de consenso, precisaria de um espaço infinito, mas posso dizer, como jornalista há 21 anos nesta área, que o Brasil avançou bastante e, ao menos, está mais disposto ao debate, ainda que tente o braço-de-ferro em alguns casos, como a construção de Belo Monte.

Portal Aprendiz – Quais são os pontos mais críticos do governo brasileiro no tratamento das questões ambientais? Nesse sentido, você acha que tem ocorrido um retrocesso ou avanço?

Cilene Victor – Houve um avanço, pois como disse antes, o governo brasileiro está mais disposto ao diálogo, mas tem questões que ainda revelam o ponto crítico do governo e duas delas são a demarcação de terras indígenas e a demanda energética, que faz o país acreditar na construção de grandes hidrelétricas. O ponto crítico é que prevalece a posição política, isoladamente, sobrepondo-se às outras abordagens, como a científica, a das comunidades tradicionais etc.

Portal Aprendiz: Organizada pela sociedade civil, a Cúpula dos Povos acontece paralelamente a Rio +20. Qual a importância desse evento e qual o seu principal desafio?

Cilene Victor – Ali estão a essência e a razão de ser da Rio+20, principalmente porque a organização da sociedade civil está a cargo de instituições, de ONGs e pessoas sérias, historicamente envolvidas e comprometidas com a temática. Conseguir reunir as diversas expressões de nossa sociedade em torno do mesmo tema é um grande feito e prova que a sociedade civil consegue se organizar e cobrar os compromissos assumidos na arena política. Os povos indígenas do Mato Grosso, por exemplo, representados pelas grandes lideranças indígenas do Xingu, estão se organizando para ter voz na Cúpula dos Povos e esse será um grande momento, pois várias etnias levarão os ecos de sua luta à imprensa mundial.

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