Alguns alunos podem até exagerar a sala de aula como uma prisão. Mas, para uma turma paraibana, a relação será literalmente essa.
A UEPB (Universidade Estadual da Paraíba) vai inaugurar uma extensão de seu campus universitário no Presídio Regional do Serrotão, em Campina Grande, segunda maior cidade do Estado.
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Será o primeiro caso de um campus dentro de uma penitenciária brasileira.
A ideia é que ali se implante, num primeiro momento, os cursos de letras, história e matemática.
Opções de mais careiras e de estrutura complexa, como engenharia e medicina, “seriam de difícil execução”, diz o secretário estadual de Educação, Harrison Targino, que tocou o projeto quando atuava na pasta da Administração Penitenciária (trocou de cargo neste mês).
O presídio comporta, hoje, cerca de 1.600 detentos, entre homens (96%) e mulheres (4%). Um complexo foi construído para abrigar salas de aula onde o preso poderá ser desde alfabetizado até diplomado no terceiro grau.
De acordo com Targino, cerca de 20% da população carcerária está apta a prestar um “vestibular interno”. “Um sonho é que o apenado seja professor. Por que não?”
Em 2011, a presidente Dilma sancionou uma lei que reduz a pena de detentos que estudem e trabalhem. A cada três dias dedicados às atividades, um dia é subtraído do tempo a ser cumprido.
Os detentos soltos antes de se formar poderão continuar seus estudos na universidade. A secretaria já detectou reclamações de setores da sociedade insatisfeitos com essa ideia.
Targino aponta “certo preconceito social” e diz que a inclusão educacional freia a reincidência de ex-presidiários. A reitora da UEPB, Marlene Alves, acrescenta que “temos na sociedade, em qualquer lugar, gente boa e gente ruim. Até padre e professor pode ser ruim, né?”
A função da instituição pública, continua, não é só “formar profissionais”, mas batalhar por reinserção social. “Se dizem ‘ali não tem mais luz’, é mostrar que tem, sim.”
‘MOTEL’
As obras estão atrasadas: previsto inicialmente para fevereiro, a unidade deve agora estender o prazo para maio. O arquiteto Luiz Marçal, que trabalhou com Oscar Niemeyer na construção de Brasília, assina o projeto.
A universidade entrou com R$ 1,3 milhão. A Secretaria de Administração Penitenciária diz que investirá o mesmo valor, embora a reitora Marlene Alves afirme que, até agora, “o Estado não colocou R$ 1”.
A parceria entre UEPB e Administração Penitenciária também envolve um pioneiro Escritório Modelo dentro da prisão, com professores e alunos do curso de direito dando assistência a detentos.
Outra novidade: espaços reservados à visita íntima, que a reitora já definiu como “motel” em conversa com a Folha. Serão quatro celas, com banheiro e cama de casal (feitas de cimento).
Alves explica que a ideia surgiu numa ida ao Serrotão. Ela percebeu que outros presos deixavam a cela coletiva para que um deles fizesse sexo com sua visita, “o que é um pouco constrangedor”.