publicado dia 14 de junho de 2012
Wanda Engel, superintendente executiva do Instituto Unibanco – órgão dedicado a projetos que visam melhorar o desempenho dos alunos da última etapa da educação básica –, não acredita que o ensino profissionalizante seja a melhor forma de combater a evasão no ensino médio.
Segundo ela, a solução para esse problema que atinge cerca de 2 milhões de jovens brasileiros, seria contratá-los como monitores ou aprendizes. “Existem estratégias para que esse jovem não precise sair da escola para ganhar dinheiro. Uma alternativa é a monitoria. Implantemos a monitoria no ensino médio. E não para o melhor aluno, mas para aquele que está com o pé fora da escola”, defende.
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Formada em Geografia, com doutorado em Educação e pós em Pedagogia e Civilização, Wanda Engel foi professora primária, do ensino médio e de universidade, sempre na rede pública do Rio de Janeiro. Responsável pela instalação dos primeiros conselhos tutelares do Brasil, participou também da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Única brasileira a integrar o Conselho Internacional de Liderança Feminina, acredita na educação como forma de romper o ciclo da pobreza.
Em entrevista ao Portal Aprendiz – realizada no final de abril, após a conferência com o nobel Amartya Sen, em evento do Instituto Unibanco no Rio de Janeiro –, Wanda Engel tratou das cotas para ações afirmativas, o uso da tecnologia em sala de aula e a evasão no Ensino Médio, entre outros temas. Confira a seguir os melhores trechos.
Portal Aprendiz – As cotas racias no ensino superior são necessárias?
Wanda Engel – Sou absolutamente a favor da ideia básica das cotas, ou seja, a de que uma justiça igualitária tem de tratar diferentemente os desiguais. No momento em que a gente tiver uma igualdade de oportunidades educacionais e de desenvolvimento de capacidade para todos, não haverá a necessidade de cotas. Mas, se temos uma enorme diferença entre a educação oferecida para as pessoas melhor posicionadas na vida e os mais pobres, e concretamente os mais pobres são os menos brancos, existe aí uma questão que é racial, econômica em que incide também o fato de se ter cursado uma escola pública.
Aprendiz – Argumenta-se a favor do fim das cotas. Qual a sua opinião?
Engel – Acho que não estamos no momento de acabar com as cotas porque não conseguimos ainda diminuir o “gap” [intervalo] que separa a qualidade da educação entre os mais ricos e os mais pobres. O Brasil se caracteriza por ser um país rico – a sexta economia do mundo –, mas por ser um dos mais injustos também. Acho que vem avançando muito no enfrentamento das suas injustiças sociais. Vem investindo muito em educação, saúde, etc. Hoje a gente tem efetivamente 97% de crianças na escola. O calcanhar de Aquiles é o ensino médio. É necessário um pacto para que se proporcione à juventude as capacidades mínimas de aproveitar as oportunidades desse novo milênio. Do contrário se desperdiça o que há de mais valioso nesse país, que são os recursos humanos. Investe-se nove anos nessa nova geração até ela completar o ensino médio, e depois ela vai pro limbo.
Aprendiz – Como reter o jovem no ensino médio?
Engel – As pessoas sempre dizem que o combate à desistência do ensino médio se dá por meio do ensino profissionalizante, mas eu não acredito que esta seja a solução. Existe o fato de que esse jovem, numa sociedade de consumo, precisa ganhar algum dinheirinho. Ele não consegue ganhar dinheiro estudando, sai da escola e se ferra. Existem estratégias para que esse jovem não precise sair da escola para ganhar dinheiro. Uma alternativa é a monitoria. Quem não foi monitor na universidade para poder se garantir lá? Implantemos a monitoria no ensino médio. E não para o melhor aluno, mas com o que está com o pé para fora da escola. Isso poderia ser uma cola. O programa Jovem de Futuro [do Instituto Unibanco] promove a monitoria, incentivando as escolas a criarem seus próprios programas.
Aprendiz – Quais as principais dificuldades enfrentadas para a implementação dessa proposta?
Engel – Se o jovem fica mais de três meses, já cria vínculo empregatício, por exemplo. Tivéssemos uma lei criando um programa de monitoria para ensino médio, resolveríamos isso. O jovem precisa de dinheiro na mão dele. Você tem várias possibilidades. Monitoria seria uma delas. A outra seria, por exemplo, a situação de jovem aprendiz. Hoje essa forma de trabalho quase não é utilizada. Nela o menino tem uma experiência de trabalho, sai com a carteira assinada, e não pode abandonar a escola. A possibilidade é de mais dois milhões de aprendizes e hoje são apenas 120 mil. Já existem os instrumentos, mas eles não são utilizados. Enquanto isso, os jovens continuam saindo da escola.
Aprendiz – Falta investir na qualificação do professor?
Engel – Claro. As universidades formam tudo hoje, menos professores. É preciso ser mais objetivo nessa formação. Você não vai fazer um aperfeiçoamento para falar novamente em Vygotsky, Gramsci, Piaget, enquanto ninguém ensina ao professor como dar uma aula de problemas complexos e juros simples, por exemplo.
Aprendiz – Existe um descompasso entre o que é ensinado e a demanda cotidiana?
Engel – Sim, entre a formação que é dada e a necessidade diária. O Fernando Haddad fez um levantamento de livros sobre metodologias, sobre didáticas e não encontrou nem cem títulos, contando aí todas as disciplinas. Ou seja, ninguém está preocupado em ensinar como se ensina. Por exemplo, como é que você domina um grupo, como organiza o espaço da sala, o tempo. São habilidades fundamentais para você dar aula! E aí, como é que o professor vai saber isso? No tranco. Falta objetividade em pensar como é que você vai melhorar a escola.
Aprendiz – Qual a importância da dedicação exclusiva do professor a uma única escola?
Engel – É fundamental. Professor parece um beija-flor. Imagine isso nos grandes centros. Tinha que ter dedicação exclusiva numa mesma escola. Isso proporcionaria maior comprometimento, maior conhecimento da realidade da escola e dos seus alunos. Sem falar da noção de pertencimento e de que é naquele grupo, pelo qual ele tem responsabilidade, que ele fará a diferença.