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Da Agência USP.

Pesquisa realizada na Faculdade de Educação (FE) da USP buscou criar um quadro geral sobre professoras negras na educação infantil pública em uma região de São Paulo, bem como ter uma visão específica por meio de relatos. Segundo a também professora Mighian Danae Ferreira Nunes, autora  da pesquisa, as entrevistas possibilitaram conhecer os modos de vida, os enfrentamentos de obstáculos e as vitórias pessoais das oito mulheres entrevistadas. Dentre os temas tratados, destaca-se a forma como o cargo no ensino público foi algo desejado pelas mulheres e caracteriza a realização pessoal, e também o preconceito sofrido, principalmente na questão racial.

A pesquisadora conta que algo interessante de sua pesquisa foi ver como as professoras mostraram “negociar como podem sua existência”. Por meio dos relatos, foi possível notar que, apesar de a maioria ter sofrido preconceito tanto racial quanto de gênero durante a carreira, a posição de professora tem alto valor para elas. “Elas se sentem à vontade na educação infantil, a relação com as crianças é de afetividade, aproximação. Em relação ao ensino fundamental, há uma maior liberdade com a ministração de conteúdos, visto que a educação infantil trabalha com outros conceitos, como educar e cuidar”, relata Mighian.

A cultura afro-brasileira tem espaço dentro do universo da educação infantil. Durante sua pesquisa, a professora percebeu que o modo de aprendizado tradicionalmente da população negra, que, segundo ela, “não separa saber e fazer, aprender e ensinar, conhecer e praticar”, encontra relação com as atividades realizadas no âmbito da educação infantil. As crianças pequenas, normalmente, têm liberdade para aprender por meio do erro, mexendo nos objetos e criando relações de afeto.

Em mais de uma das entrevistas, apareceu a ideia de que a realização pessoal, para essas professoras, é mais importante que a material. Lecionar na educação infantil às vezes não era a opção mais vantajosa financeiramente, mas foi escolhida por representar algo valorizado por elas.

A pesquisadora ressalta que o estudo não procurou uma visão objetiva sobre o assunto. Por ser uma professora negra da educação infantil, Mighian está inserida nesse universo, e as situações que ela viveu aparecem subjetivamente no trabalho. A dissertação de mestrado Histórias de Ébano: professoras negras de educação infantil da cidade de São Paulo foi orientada pela professora Cynthia Pereira de Sousa.

Quadro geral
Em São Paulo, existem 13 diretorias de educação, que supervisionam as escolas de uma região definida a que pertencem. Para delimitar a pesquisa, Mighian utilizou apenas uma das diretorias, que cuida de 30 escolas municipais de educação infantil em uma zona periférica da cidade. As escolas estão distribuídas em uma área de quase 500 quilômetros quadrados (km²) , onde vivem mais de 750 mil habitantes.

A região estudada corresponde a distritos nos quais muitas de suas casas estão em lotes irregulares, sem saneamento básico e com precariedade em diversos serviços públicos. Diversos bairros são irregulares e algumas comunidades estão instaladas em locais de preservação ambiental, impossibilitando instalações de equipamentos públicos. Dessa maneira, a educação é dada de forma precária à população, que não tem ferramentas para se deslocar para áreas onde há melhores condições.

Foram respondidos questionários por 759 professoras dessa diretoria. Destas, 406 se identificaram como parte do universo negro. Oito delas foram entrevistadas a fundo pela pesquisadora. Além destes dados, o questionário trazia questões como a naturalidade, formação acadêmica, distância entre a casa e o trabalho, entre outras. Assim, foi possível criar um panorama amplo sobre a situação das professoras negras nessa região.

Empregada doméstica
Entre os relatos ouvidos por Mighian, há um exemplo que destaca o grande valor dado ao cargo de professora. Uma das mulheres entrevistadas era empregada doméstica e ficou sabendo do concurso público para vaga na educação infantil. “Ela preferiu ser professora, mesmo dizendo que, como empregada, ganhava mais dinheiro”, relata a pesquisadora.

Um outro relato exemplifica bem a questão do preconceito racial que as professoras negras podem sofrer. Uma delas comandava a sala de aula ao lado de uma outra professora, que era branca. Apesar das duas terem cargos idênticos, as famílias sempre iam conversar sobre qualquer questão que tinham com a professora branca. Mesmo quando a ouvida na pesquisa afirmava que também era professora titular, ainda era tratada como auxiliar pelas pessoas de fora da escola.

Ainda sobre a questão do preconceito racial, uma das entrevistadas procurou, segundo Míghian, “negar a existência do preconceito”. Entretanto, durante a entrevista, ela mesma percebeu que, em algumas situações, ele existiu. “Essa luta interna apareceu na hora da entrevista. Perceber que sofreu racismo em dado momento de sua vida, para esta professora, era lidar com o fato de que, em muitas outras vezes, também já havia passado por isso, o que era bastante doloroso. De algum modo, dizer que o preconceito não existia era uma forma de negociar com uma realidade que se apresentava de maneira bastante perversa e não um desconhecimento sobre o tema”, conta a pesquisadora.

Sobre a questão do gênero, uma das professoras afirmou que neste cargo, por ser de maioria feminina, não existe tanto preconceito. Entretanto, quando ela procurava emprego em outras áreas, sofria pelo fato de ser mulher. A escolha de trabalhar, na pesquisa, com apenas professoras foi intencional. Apesar de serem em maior número na educação infantil, ainda são utilizadas análises a partir do gênero masculino. “Falar de professoras de educação infantil traz para o debates as reais protagonistas desta área educacional “, completa Mighian.

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