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publicado dia 1 de novembro de 2012

Mostratec pode ser uma das maiores “salas de aula” da América Latina, afirma diretor do evento

Em sua 27ª edição, a Mostratec, feira internacional de ciências com foco em projetos desenvolvidos no ensino médio, lida com os desafios da disseminação de espaços educativos para além dos muros da escola. De acordo com o diretor geral do evento, André Luís Viegas, “a própria Mostratec talvez seja uma das maiores salas de aula da América Latina”.

O evento reúne estudantes de todos os estados do Brasil, além de delegações de outros vinte países. Nele o aluno tem a oportunidade de apresentar o resultado de um processo de investigação e pesquisa científica proveniente muitas vezes de um árduo processo. “O caminho da produção científica é um caminho de pedras”, diz Viegas, ele próprio professor de química no respectivo curso técnico da Fundação Liberato, instituição por trás da mostra.

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Na entrevista a seguir, ele comenta a importância de um aprendizado de mão dupla, que proporcione desenvolvimento tanto ao aluno quanto ao professor. Fala também da importância pedagógica da iniciação científica na educação básica, ao contribuir tanto para a formação crítica do sujeito quanto para sua emancipação como agente ativo do próprio saber. “Mostramos que eles não estão indo na escola para ‘aprender a ser gente grande’, mas estão indo porque eles são jovens, e o jovem tem valor”, defende.

Aprendiz – Qual a contribuição das feiras de ciência para o aprendizado dos jovens?

André Luís Viegas – Muito mais do que qualquer prêmio ou competição, o principal é ver a quantidade de possibilidades que a pesquisa, a ciência e a tecnologia oferecem em termos de conhecimento, aprendizado, diversão e formas de enxergar a vida. Quando se fala em ciência jovem não se espera que eles saiam com soluções que grandes centros de pesquisa investem milhões para tentar conseguir. O que se espera é que o jovem consiga entender como o conhecimento é gerado, qual o caminho que leva à construção do conhecimento, como aquilo que foi parar no livro didático foi construído.

Num processo educativo, a feira possibilita a transformação do modelo tradicional de transmissão de conhecimento, para outro, no qual o estudante pesquisa a partir de perguntas, da curiosidade, do querer entender como as coisas se dão. Sai-se de uma atitude passiva para uma altamente ativa de produção e movimento gerada pela inquietação, mobilizada para o desenvolvimento científico e tecnológico. A feira em si celebra uma etapa atingida. Significa que o projeto teve êxito, e isso é feito com dureza. O caminho da produção científica é um caminho de pedras.

Aprendiz – Por quê?

Viegas – Quando se fala em educação no se fala em baixo salário do professor, em escolas sem condições. Sabe-se que Brasil afora tem lugar que não tem sequer giz. Está se discutindo isso no século 21! Não se discute a concepção de escola. O professor de hoje recebeu o modelo de transmissão e agora ele é provocado a trabalhar num outro modelo, de produção científica e não de reprodução. Professor e aluno tem que aprender a fazer isso, e em condições que não são as mais fáceis, o próprio processo tem também as suas dificuldades. Ainda não temos uma cultura científica no país. Feiras de ciência e novos investimentos dão impulso renovado à formação. Havia uma resistência cultural para se enxergar essa importância. Ainda falta à sociedade como um todo trabalhar por seu direito à ciência. É um direito de cada cidadão ter uma mínima ideia de como o mundo, a natureza funciona.

Aprendiz – Como proporcionar a iniciação científica entre estudantes do ensino fundamental?

Viegas – A Mostratec foi pioneira ao trazer a iniciação científica da graduação para o ensino médio. Hoje esse movimento no país está se consolidando, com outras feiras de ciências. De novo estamos sendo precursores, o que exigirá um novo olhar. Não podemos esperar que a mesma forma metodológica aplicada a adolescentes funcionem com uma criança. Por isso que essa segunda edição [da Mostra Júnior, com estudantes do ensino fundamental] ainda é embrionária.

"Papel do professor é muito maior do que transmitir conhecimento."

Aprendiz – Quais mudanças aconteceram da primeira para a segunda edição da Mostra Júnior?

Viegas – Mudou a representatividade. A primeira edição foi só com alunos das séries finais, mais próximas do ensino médio. Nessa segunda edição já temos projetos das séries iniciais também e uma abrangência maior. Da primeira edição participou apenas a prefeitura de Novo Hamburgo, e agora temos também São Leopoldo e Bom Princípio. Além disso, passamos de 12 para 20 projetos. Só não aumentamos mais porque não queremos deixar crescer sem entender melhor o que ela significa, e isso é um processo que a gente precisa construir pouco a pouco.

Aprendiz – A iniciação científica no ensino médio contribui para diminuir a evasão escolar? Como?

Viegas – A questão inicial é: por que tem tanta evasão no ensino médio? Porque o jovem não quer estar na escola. Talvez porque a escola não tenha acompanhado outras alternativas [de aprendizagem] que se apresentam no mundo hoje. As coisas mudaram muito rápido nos últimos anos. A escola pro si só demoraria um pouco mais. Mas não foi só a escola que conduziu as mudanças, ela ficou pra trás. Não é o instrumento que faz o resultado final, mas o que ele representa. Pode ser digital, pode ser analógico; informação, por si só, não é conhecimento. A escola, que deve promover e estimular o conhecimento parece que não encontrou seu jeito de continuar sendo tão atrativa quanto o que tem fora da escola. Isso tem que ser modificado. E quando a gente tem desenvolvimento de pesquisa, feira de ciências e protagonismo dos alunos, mostramos que eles não estão indo na escola para “aprender a ser gente grande”, mas estão indo porque eles são jovens, e o jovem tem valor. A feira de ciências traz isso: ele é o protagonista. E aí muda tudo, começa a ter um espaço que ele quer ocupar, inclusive pelos exemplos de quem veio antes. Começa a admirar o colega como ele, que participou de uma feira,  foi reconhecido, ganhou prêmio, abriu uma possibilidade, se divertiu. Começa a ter um caráter emancipador e não só de reprodução. O aluno que participa da investigação científica passa a ter um outro entendimento do mundo. As questões começam a mudar, porque muda a forma de enxergar o mundo. E aí chegamos mais próximo do que a escola pode ser e está sendo desperdiçado nesse momento.

"Completamos 20 anos afiliados à Intel Isef, maior feira de jovens cientistas do mundo."

Aprendiz – Qual professor uma educação afinada com este tempo requer?

Viegas –  professor precisa estar numa condição na qual possa se dedicar inteiramente à profissão sem estar passando por necessidade. Ter dignidade. O valor desse professor precisa ser restaurado. É necessário resgatar o papel social do professor. Esse processo envolve a família. Não tem como só a escola educar. Tem uma construção difícil aí, porque não tem receita certa.

Agora, de posse das condições mínimas garantidas, o professor precisa entender que o papel dele é muito maior do que transmitir conhecimento. Ele precisa admitir o que não sabe, que ele também precisa aprender, que ele também não está pronto. Permitir que seu aluno talvez o supere, acho que esse é o grande ganho. “Fui professor de alguém que hoje é doutor”, isso é fantástico.

O professor precisa mostrar para o aluno que é importante fazer pesquisa porque a possibilidade [de realizar] existe. E ele [professor] deve fazer parte disso também. Um professor orientador precisa acompanhar o aluno, estar junto, crescendo com o aluno também. É preciso conquistar o aluno para toda maravilha que existe por trás da descoberta de uma fórmula. Isso não pode ter saído só de um livro, a partir de uma coisa pronta.

É importante ter em mente o que me encantou e me fez escolher ser professor, e isso é significativo, ser professor por escolha.  É um papel assumido integralmente ao se entender que tudo pode ser transformado numa sala de aula, se estamos aqui para aprender com o mundo. A própria Mostratec, por exemplo, pode ser uma das maiores salas de aula da América Latina, por exemplo.

Aprendiz – Qual a importância das feiras de ciência para o reconhecimento da produção científica do Brasil no exterior?

Viegas – Existe um ciclo virtuoso. Este ano completamos 20 anos afiliados à Intel Isef, maior feira de jovens cientistas do mundo. Fomos a primeira feira brasileira afiliada. Em 1995 tivemos uma premiação no primeiro lugar, em um projeto vindo da Mostratec, representando o Brasil. Isso nos colocou em outro patamar. Nos permitiu ampliar os horizontes e enxergar o que são as leis internacionais e brasileiras da pesquisa. Desde então somos premiados praticamente todos os anos. Vão para lá projetos de todas as regiões do Brasil. E em 2012 cada uma das regiões brasileiras teve um projeto reconhecido na Intel Isef. Isso que aconteceu conosco, de ir para o exterior e aprender a dinâmica, na década de 90, acontece com muitos que vem para a Mostratec, com tudo o que eles levam de volta consigo.

Aprendiz – Como as regionalidades aparecem nos projetos?

"O que se espera é que o jovem consiga entender como o conhecimento é gerado"

Viegas – No ensino médio o aluno costuma escolher o seu tema e o orientador é que vai junto. Eles partem da indagação, e muitas vezes é o problema que têm na frente de casa, da região do próprio aluno. Por exemplo, o aluno cria um inseticida para uma planta que é lá da região dele, transformando o conhecimento popular, muitas vezes, num método científico. O aluno precisa saber que, daqui a pouco, o que ele está comprando, importando, a matéria-prima está na frente da casa dele. Isso é um processo duro e que requer investimento.

Aprendiz – Como lidar com a questão das patentes e a produção do ensino médio?

Viegas – É uma preocupação nossa. A gente não quer que o projeto que o aluno traz seja absorvido por alguém mais preparado do que ele e o estudante não usufrua disso. Mas também não queremos que o conhecimento, mesmo aquele produzido na universidade, sirva apenas àquele contexto. Como isso vai chegar na sociedade? É uma discussão muito ampla, e agora o ensino médio entra nisso também. Existe uma preocupação de como proteger os projetos que podem, inclusive, virar produtos ou outros inventos oficiais. Precisa ter um trabalho de orientação. Dependendo da situação, nem tudo deve ser revelado no projeto. Além disso, temos uma parceria com uma empresa de marcas e patentes pela qual se tem uma proteção de pelo menos um ano de todos os trabalhos e resumos produzidos na feira, o que garante proteção ao invento. E também um prêmio para aquele que tem mais chances de virar um produto e que aí sim se encaminha para um processo de defesa de propriedade um pouco maior. Outra alternativa, dependendo da área de pesquisa, é garantir a autoria. E aí publicar [em periódicos científicos, o que garante a indexação bibliográfica e citação em outras fontes] pode ser melhor.

Aprendiz – O que mudou da edição do ano passado para esse?
Viegas
– É possível observar a consolidação de áreas ligadas a países. Por exemplo, do Cazaquistão vem ótimos projetos em matemática. Da Turquia vem projetos de química de excelente qualidade. Muitos projetos da região Nordeste do Brasil que trabalham com ciências sociais, comunicação e ensino. A área das engenharias em materiais cresceu bastante. A de Ciências Sociais e Biologia cresceram muito, igualmente. Mas isso são só exemplos. Ás vezes, mesmo um tema já visitado reaparece numa forma diferente. Uma Mostratec sempre é diferente da outra, o ciclo sempre se renova.

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