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publicado dia 26 de abril de 2013

Repressão não corrige ausência de políticas públicas, diz pesquisadora

Por Camila Caringe

Segundo Karyna Sposato, doutora em Direito Penal pela Universidade Federal da Bahia, a ausência do debate social sobre a validação do Estatuto da Juventude, em uma época que se discute redução da maioridade penal, aponta a falta de integração entre a sociedade civil brasileira e o poder público. “É uma  irresponsabilidade política”.

Para Karyna Sposato, justiça especializada é fundamental para a garantia de direitos

Consultora nacional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Karyna também leciona na Universidade Tiradentes. Em entrevista ao Portal Aprendiz, a advogada explica como o direito em interface com políticas públicas pode promover a emancipação social e o fortalecimento da democracia, em especial ao se tratar dos direitos da criança e do adolescente.

Portal Aprendiz – A maioridade penal ao redor do mundo, segundo estudo do Unicef (2009), varia entre 12 e 21 anos. Quais são as consequências de sustentar políticas públicas que não preveem justiça especializada para a infância e a adolescência?

Karyna Sposato – A grande maioria dos países, assim como o Brasil, adota os 18 anos como idade de inicio da responsabilidade criminal plena, em observância inclusive às próprias regras da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que define criança, em termos gerais e universais, como toda pessoa até 18 anos de idade. Por outro lado, também consta da Convenção a adoção de um sistema de justiça especializado para tratar casos de infração. A existência de uma lei e de um sistema especial também é uma constante na maioria dos países. Assim, considero que a inexistência de uma justiça especializada não só implica em descumprimento de compromissos internacionalmente assumidos pelos Estados signatários da Convenção, como simboliza um tremendo anacronismo do Direito e de suas instituições, quando não consideram as diferenças entre crianças, adolescentes adultos e idosos. Ser criança não é o mesmo que ser adolescente, e ser adolescente também não equivale a ser adulto. Como também a velhice introduz novos elementos de atenção e cuidado que não se apresentam para o adulto. Se essas diferenças não são reconhecidas, nega-se a realidade e as singularidades de cada momento da vida humana.

Portal Aprendiz – A internação de crianças e adolescentes em conflito com a lei, no Brasil, tem dado resultados positivos, no sentido de recuperar e ressocializar os internos?

Karyna – Apesar da ressocialização e da educação em contexto de privação de liberdade ainda representarem um enorme desafio, há experiências no Brasil que apresentam avanços. Dificilmente temos uma experiência perfeita na sua integralidade, mas eu poderia citar o Centro Socioeducativo Homero de Souza Cruz Filho, em Roraima, como exemplo de participação da sociedade no interior das unidades de internação. Já o Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorscheider, no Ceará, tem inovado na permissão às visitas íntimas e no exercício dos direitos reprodutivos dos adolescentes, assim como o Centro Educacional do Adolescente – Fundação de Desenvolvimento do Adolescente e da Criança, na Paraíba. Penso que a questão central e o principal desafio é que a internação, e seu programa de execução, consiga oferecer um contraponto na trajetória infracional dos adolescentes a partir de aspectos relacionados ao exercício da cidadania.

Portal Aprendiz – O Senado acaba de aprovar o Estatuto da Juventude, que deverá passar pela Câmara dos Deputados. Qual a importância desse documento?

Karyna – É de importância vital. Vivemos um processo de invisibilização dos sujeitos juvenis e de suas reais demandas. Muitos acreditam que seria apenas mais uma lei e que inclusive haveria sobreposição de direitos, mas considero que, assim como adolescentes e jovens são categorias sociais complementares, o Estatuto da Juventude vem justamente complementar aspectos que não foram aprofundados no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente].

Portal Aprendiz – De que maneira o Estatuto da Juventude pode ser uma ferramenta que colabore com a proteção dos direitos de crianças e adolescentes?

Karyna – Acredito que a introdução dos jovens como titulares de direitos, juntamente com as crianças e os adolescentes, é extremamente positiva para ampliar não só nossa consciência sobre diferentes sujeitos e necessidades, como também aumenta nossa capacidade para encontrar caminhos de efetivação desses direitos por meio de políticas públicas cada vez mais articuladas entre si, o que significa a adoção de estratégias de proteção e inclusão social. Muitos estudos demonstram que nos territórios onde há superposição de carências, ou seja, onde a renda é baixa, falta saneamento, vaga em escola e as escolas são despreparadas, a vitimização violenta de jovens tende a ser maior. A invisibilidade da adolescência e da juventude nas políticas públicas alimenta a perspectiva da repressão. Se falha a política pública, entra a polícia. Às vezes falha a escola, falha a saúde e a moradia, então entra em cena a polícia, o aparato repressivo. Dessa forma, aquilo que é um problema de política se transforma num problema de polícia.

Portal Aprendiz – Após um crime com repercussão nacional envolvendo um adolescente, a sociedade se colocou no debate a respeito da redução da maioridade penal. Na mesma semana, o Senado aprovou o Estatuto da Juventude sem que a sociedade se manifestasse. Por que, em sua opinião, ambos os debates acontecem de maneira tão dissociada?

Karyna – Esta é uma demonstração clara de como tratamos as coisas separadamente em nosso país. Ocorre justamente que a sociedade brasileira e a opinião pública, quando debatem a prática de crimes por adolescentes e jovens, o fazem de forma completamente descontextualizada, como se eles não tivessem uma trajetória pessoal e social, inclusive de desrespeito aos seus direitos mais elementares. Não discutimos os prováveis fatores que contribuem para que um adolescente tenha em suas mãos uma arma de fogo, para que seja aliciado pelo tráfico de drogas ou por que está fora da escola há muito tempo e não tenha nenhuma experiência significativa de profissionalização. Ou seja, discutimos as coisas de forma completamente fragmentada, o que é, isso sim, uma tremenda irresponsabilidade política.

Portal Aprendiz – As políticas públicas, de maneira geral, tendem a buscar suprir carências, em vez de lidar com potencialidades. Por que a insistência nessa perspectiva?

Karyna – Acredito que este ainda é um legado perverso do menorismo. As crianças, adolescentes e jovens são vistos sempre como objetos de intervenção e não como sujeitos. Esta perspectiva inibe iniciativas de fortalecimento do protagonismo e da participação deste segmento, o que acaba por transmitir equivocadamente para a sociedade que tais sujeitos são “clientes” ou usuários das politicas, e não cidadãos em pé de igualdade com todas as demais pessoas.

Portal Aprendiz – Como fomentar potências? Você conhece iniciativas que valorizem as potencialidades dessa faixa etária?

Karyna – Conheço muitas, aqui no Brasil inclusive. E todas elas têm um denominador comum: a dimensão criativa da vida, onde a arte, a cultura e o esporte contribuem decisivamente para o desenvolvimento do lado crítico, sensível e imaginativo de crianças, adolescentes e jovens. Posso citar dois exemplos: a experiência do Instituto Esporte & Educação (IEE), presidido pela ex-jogadora de vôlei Ana Moser e o Instituto Formação – Centro de Apoio à Educação Básica, no Maranhão, que estimula a Rede de Jovens Comunicadores da Baixada Maranhense.

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