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publicado dia 24 de julho de 2013

Candelária: “O Estado brasileiro falha na proteção de crianças e adolescentes”

por Juliana Sada, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz

Numa noite fria de 1993, três policiais fora de serviço atiraram contra um grupo de cerca de 50 moradores de rua que dormiam na região central do Rio de Janeiro. Entre os oito mortos, seis crianças e adolescentes. Três dos sobreviventes morreram anos depois em confrontos contra a polícia. Outro, Wagner dos Santos, testemunha chave do caso, foi morar na Suíça após uma tentativa de assassinato e ameaças de morte.

Hoje, 20 anos após a Chacina da Candelária, a população pobre, negra e jovem ainda segue ameaçada. Dados revelados na semana passada pelo “Mapa da Violência do Brasil 2013” mostram que o homicídio contra jovens tem crescido.

“Enquanto os homicídios entre a população branca e adulta têm diminuído, na população jovem e negra houve um aumento. Há um núcleo duro da violência que não se resolve simplesmente com o aumento da renda”, explica o assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, Maurício Santoro.

Em entrevista ao Promenino, Santoro defende uma reformulação na polícia brasileira e vê pouca preocupação da população em relação à infância e juventude: “se houvesse uma pressão maior da sociedade, o Estado seria mais ativo nesse tipo de política”, defende.

Promenino – Quais as mudanças que você vê após a Chacina da Candelária?

Maurício Santoro – Houve algumas mudanças, mas não foram necessariamente para melhor. Primeiro, a Chacina da Candelária não foi um crime isolado, antes já havia acontecido outras chacinas. Depois, ocorreram também. E a maioria permaneceu impune. Tivemos um aumento na taxa de homicídio contra os jovens. Agora, isso acontece a conta gotas. Em vez de morrer oito na mesma noite, morre um hoje, outro daqui a dois dias e isso não causa o mesmo impacto na sociedade. Mas no fim do ano temos um saldo enorme de vítimas de homicídio.

Promenino – Qual a opção que o Estado dá a crianças e adolescentes em situação vulnerável?

Santoro – O que nos temos hoje é uma situação em que o acesso à educação de nível fundamental se ampliou muito, quase se universalizou, mas não é de qualidade. Então para as crianças e adolescentes pobres estar na escola não é algo visto como um passaporte para um futuro melhor. Então, quando o jovem começa a ter dificuldades na escola e há demandas da família para buscar um emprego, a escola vira apenas uma sala de espera.

Houve avanços significativos na proteção das crianças e adolescentes, mas esses avanços, em termos de cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, são muito pouco. Ainda temos uma dívida muito grande com essa população.

Promenino – O perfil das vítimas de assassinato hoje é muito claro: jovem, negro e pobre. Por que isso?

Santoro – Tem havido uma interiorização dessa violência, a maioria dos homicídios estão nas regiões metropolitanas das capitais, principalmente Salvador, Maceió e Recife. O que a gente observa é o seguinte: nos últimos anos, houve uma melhora das condições de vida no Brasil, mas isso não foi capaz de reduzir a violência contra o jovem, enquanto os homicídios na população branca e adulta têm diminuído, na população jovem e negra ela aumentou. Há um núcleo duro da violência que não se resolve simplesmente com o aumento da renda. Envolve uma cultura de violência na sociedade e é mais difícil transformar esses valores do que resolver a questão da renda.

Promenino – E qual é o papel da polícia nessa cultura de violência?

Santoro – A polícia é parte inescapável do problema, há um problema de racismo institucional muito grande, impregnou muito o modo de abordagem e toda a atuação da polícia. Um dos temas que está aparecendo nos protestos é a reforma da polícia, é um dos grandes temas do Brasil e tem que sido sempre colocado de lado. A polícia tem que ter outro tipo de treinamento, outra relação com a sociedade.

Promenino – O Estado brasileiro tem falhado em proteger sua juventude?

Santoro – Sim, de maneira sistemática. O crescente número de homicídios é apenas o indicador mais brutal de uma série de negligências em relação a juventude, e que passam pela educação, pela saúde, outras áreas. Temos falado bastante no Estado. É necessário que a sociedade brasileira tome isso como problema e abrace isso como prioridade. Se olharmos os protestos dos últimos dois meses, não vemos essa pauta aparecendo com força.

Promenino – Um dos sobreviventes da Chacina afirmou que durante o julgamento havia gente que dizia que eles deveriam morrer mesmo. Esse tipo de visão ainda persiste na sociedade?

Santoro – Continua a ser algo que paira na sociedade, que a gente escuta das pessoas. E isso se reflete numa falta de empenho do estado, se houvesse uma pressão maior da sociedade, o Estado seria mais ativo nesse tipo de política de proteção.

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