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publicado dia 10 de outubro de 2013

Brasil precisa aprimorar método de alfabetização, afirma educadora

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Divulgada no final de setembro, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelou que o analfabetismo voltou a crescer no Brasil – de 12,8 para 13,1 milhões de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever, número equivalente a 8,7% da população nessa faixa etária.

A chegada de quase 300 mil pessoas neste índice mostra que o sistema educacional brasileiro ainda não encontrou a melhor maneira de alfabetizar seus estudantes. A professora de Conteúdos, Metodologias e Práticas de Alfabetização e Linguística da Unesp Presidente Prudente,  Onaide Schwartz Mendonça, acredita que o principal fator para que o número de analfabetos tenha voltado a crescer é a falta de uma metodologia que seja adotada em todas as escolas do país.

Com experiência em alfabetizar crianças na rede pública de Presidente Prudente por 20 anos, Onaide desenvolveu o método sociolinguístico de alfabetização (apresentação do livro disponível aqui), inspirado no legado de Paulo Freire, e tem colhido resultados positivos.

O método foi adotado nas escolas públicas da cidade do interior de São Paulo e, entre os anos de 2011 e 2012, foi praticado com 3.400 alunos. Segundo Onaide, após a aplicação do método, 73% dos estudantes do 1º ano do ensino fundamental estavam alfabetizados, número que atingiu 83% dos alunos na 2ª série.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, a professora e chefe do Departamento de Educação analisa os resultados da PNAD 2012 e aponta falhas na forma como o Brasil vem alfabetizando suas crianças. Para Onaide, a tarefa de alfabetizar não é simples, “mas também não é um bicho de sete cabeças, desde que você saiba o que está fazendo”.

Onaide Schwartz Mendonça.

Portal Aprendiz – A quais fatores a senhora credita o crescimento do analfabetismo no Brasil?

Onaide Mendonça – Há pelo menos 20 anos eu venho insistindo que é necessário termos uma metodologia para alfabetização. É lógico que método nenhum faz milagre, mas os cursos de formação docente estão deixando muito a desejar – também não dá pra falar em melhoria de alfabetização sem melhoria de salários. Mas um dos problemas mais sérios que eu vejo é a questão da metodologia.

Como eu tenho experiência em sala de aula – alfabetizei crianças da rede estadual de São Paulo por 10 anos –, consegui estabelecer a ponte entre a teoria da psicogênese e a prática, e pude transformar a ciência pura em ciência aplicada.

Antes de mostrar a parte linguística da escrita, eu ensino a criança a dialogar. Estabeleço mecanismos para que ela fale o que pensa sobre o tema trabalhado, e num segundo momento peço para ela fazer questionamentos, de forma que seja levada a pensar criticamente sobre o tema. Esse diálogo – que precede todo o processo de alfabetização – faz com que a criança se envolva e fique motivada para a aprendizagem.

Aprendiz – Então para a senhora a falta de metodologia é a principal causa do analfabetismo?

Onaide – Eu acredito que sim. Na alfabetização, o professor precisa saber de onde partir e também aonde quer chegar. O que ele pretende fazer?

Muitos materiais propõem atividades apenas para o que chamamos de letramento, que ensinam as crianças a usar a leitura e escrita. Como vou fazer isso com crianças que sequer conhecem as letras do alfabeto? Claro que dá pra fazer simultaneamente, mas o professor tem que ter competência técnica.

Você analisa o material do PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa) e encontra falhas gigantescas. Quem está na frente de tudo isso não tem experiência nenhuma na sala de aula e está querendo ensinar quem está na sala de aula a alfabetizar. É uma incoerência completa.

Pra que qualquer pessoa queira aprender a escrever, é preciso você ensinar a chave da decifração. A língua é um código sofisticadíssimo. Temos que saber combinar as letras pra escrever palavras, frases e produzir textos. Tudo isso somado é o que nós utilizamos para se expressar dentro de um sistema de escrita alfabética.

Esse resultado pra mim não é novidade, porque à medida que a escola não ensina e não cumpre os seus objetivos, ela produz analfabetos. Vemos alunos concluindo o ensino fundamental e médio analfabetos; infelizmente, a progressão continuada não foi bem implantada e estabelecida.

Até alguns anos atrás nem mesmo a Faculdade de Educação da USP tinha uma disciplina de alfabetização em seu currículo. Se os professores não aprendem a alfabetizar, como vão ensinar em salas de aula?

Aprendiz – E quais são os resultados da aplicação deste método?

Onaide – No ano passado, trabalhamos com mais de 3.400 crianças na rede municipal de Presidente Prudente. Ao final do ano, mais de 73% dos alunos matriculados na 1º série do ensino fundamental, com seis anos de idade, já estavam alfabetizados em nível de palavra – inclusive, algumas salas fizeram lançamentos de livros no final do ano. Das crianças de 2º ano, mais de 83% estavam alfabetizadas e produzindo bons textos.

Tem crianças que aprendem com mais facilidade. Essa rapidez na aprendizagem varia muito de indivíduo pra indivíduo, mas mesmo assim há crianças que escrevem com mais fluência inclusive no 1º ano. Mais de 72% já liam e escreviam ao final do primeiro ano.

Agora, a nossa preocupação maior é com as escolas de periferia. Precisamos estimular a aprendizagem às crianças que vivem em um ambiente vulnerável.

Aprendiz – Os gestores da educação se mostram interessados em replicar o método?

Onaide – Até o ano passado, nas escolas da rede pública de Presidente Prudente, havia o material da Secretaria do Estado e, não contente com os resultados, a Secretaria de Educação do município nos procurou, pois o percentual de analfabetos no 5º ano ainda era muito grande. Se com a nossa proposta 72% já concluem o 1º ano alfabetizados, era um absurdo crianças chegarem ao 4º e 5º ano analfabetas.

Alguns professores ficaram com receio de aderir ao método, e eu acredito que foi por conta disso que nosso resultado se manteve em 83% de alfabetizados no 2º ano – se todos tivessem aderido, não tenho dúvida que no mínimo 93% das crianças teriam se alfabetizado nessa etapa.

Contudo, a maioria absoluta aderiu ao método porque viu resultados. Não é um simples método o que nós propomos: de forma prática, conseguimos botar no papel o que tanto a teoria construtivista como a prática psicolinguística defendem – tudo o que as pessoas anseiam que seja feito em sala de aula – por conta do nosso conhecimento teórico e prático.

O nosso material proporciona tanto a alfabetização, que é o domínio do código, quanto o letramento, que são os usos que se faz da leitura e da escrita. Temos enfatizado junto aos professores a importância do diálogo em sala de aula, ele é a mola propulsora tanto da motivação do aluno quanto da importância de mostrar o quanto é importante ler e entender o que se está lendo.

Há escolas de Presidente Venceslau, cidade vizinha, que aderiram ao método. Um município do Paraná também me procurou para pedir ajuda.

Aprendiz – O PNAD também mostrou que quase 35% dos analfabetos têm 49 anos de idade ou mais. Como fazer para a alfabetização atingir essa população?

Onaide – Temos que pensar em como trazer essas pessoas para sala de aula novamente. O que vemos acontecendo? O governo federal investe milhões de reais por ano em material, mas aqueles que são enviados para os cursos de alfabetização de adultos têm o mesmo problema que os das crianças: são de letramento, ou seja, para quem já sabe ler e escrever.

A alfabetização de adultos não é fácil. Para trazer o adulto para a escola precisaria de um mutirão, contando com a mídia, principalmente a televisão. E, antes disso, ter uma metodologia que faça o trabalho que Paulo Freire ensinou e resgate a autoestima dessas pessoas, que acham que são incapazes de aprender. Além disso, é preciso ter professores exclusivos e capacitados para o EJA – esse docente necessita de uma qualificação específica, precisa saber trabalhar com adulto.

Ainda, essa faixa etária é de alunos que foram “vítima” das cartilhas tradicionais da alfabetização. Dados oficiais do governo mostram que quando se utilizava a cartilha oficial, 50% dos alunos eram reprovados. Essa foi uma das razões que fez com que fosse criada a progressão continuada no país.

Ou seja, o grande número de analfabetos nessa faixa etária ainda é herança que temos do material antigo, que tinha erros de fonética, entre outros. Se o professor não tomasse a iniciativa, as crianças não conseguiam aprender com base no material. Aquelas crianças são os adultos analfabetos de hoje.

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