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publicado dia 30 de dezembro de 2013

Comunicação Não-Violenta pode transformar modelo punitivo das escolas

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Educar e comunicar são dois atos próximos. Construímos nossa percepção, nosso mundo e nossas vidas com palavras. Somos, desde que nascemos, educados pelos gestos e verbos dos que nos cercam, ao mesmo tempo em que educar também é propiciar a sociabilidade, construir o tecido daquilo que transforma um conjunto de indivíduos em sociedade. Mas quanto do mundo que rejeitamos, que nos faz violentos e distantes, não construímos diariamente com o que dizemos e como escutamos?

Uma teoria prática, que se confunde com um processo educativo, tenta questionar as curvas perigosas da linguagem. Trata-se da Comunicação Não-Violenta (CNV), criada pelo americano Marshall Rosenberg, a partir do conceito de Ahimsa, tornado famoso por Mahatma Gandhi para definir o poder liberado quando a intenção de agredir o outro é totalmente superada.

Baseada na ideia de que todos os seres humanos têm a capacidade da compaixão e recorrem à violência quando não percebem outro recurso, ou quando não têm suas necessidades supridas, busca-se criar uma cultura de expressão que resolva os conflitos, ao invés de criá-los. Para isso, a CNV se baseia na escuta empática e na expressão autêntica em três âmbitos: nossa própria experiência interior, nossa relação com os outros e nossa conexão com os sistemas nos quais estamos inseridos.

“Ela emerge de uma concepção humanista, centrada na pessoa. Não é ser bonzinho ou falar baixinho”, explica Yuri Haasz, por Skype, enquanto cursa seu mestrado em Chicago (EUA). “É um processo que permite que aprofundemos a questão, gerar entendimentos menos polarizadores, mas que são profundamente transformadores, inclusive entender quais mudanças estruturais podem ser necessárias e que, às vezes, um band-aid só não resolve. Não é deixar de olhar para as coisas difíceis, mas sair da lógica do culpado, do punir, do certo e do errado.”

Conflitos antigos, novos caminhos

Um palestino vai ao centro da roda com uma sede antiga. Ele habita uma região da Cisjordânia ocupada por colônias ilegais – segundo a Lei Internacional – construídas pelo governo israelense. Cercado por um grupo de cem pessoas, entre estrangeiros e vizinhos, ele traz a memória da falta de água e tenta explicar o que significa sua dor. Seu vilarejo estava sendo impedido de acessar suas fontes de águas, hoje tomadas pelo governo de Israel para abastecer uma das colônias. Junto aos seus, ele caminhava longas distâncias por um balde de água suja. Via as crianças adoecerem ao lado de um lugar com plantações, piscinas e gramados verdes – aos quais não tinha acesso.

Ao fim de sua fala, que trouxe a água que falta no vilarejo aos olhos dos demais, uma judia, habitante de uma dessas colônias pediu a palavra. Explicou que finalmente entendeu. Que sempre esteve entretida com discursos ideológicos, incapaz de olhar para além da cerca. Mas que tudo isso se desfez ao entrar em contato com uma dor tão fundamental e básica. Não importava mais o que sempre ouvira: para aquilo não havia justificativas.

O relato acima ocorreu durante uma vivência de Comunicação Não-Violenta na Cisjordânia, conduzida por Haasz e outros facilitadores. “Tem uma frase que diz bastante respeito a essa situação: ‘O terrorista de um, é o herói da liberdade do outro’. É necessário superar a lógica de haver um inimigo ou alguém errado, pois quando você elege um inimigo, você justifica, pelo discurso, a violência que essa pessoa pode – ou ‘deve’ – sofrer.”

Para a mulher da colônia israelense que teve desfeita as impressões sobre os palestinos, Haasz afirma que “essa imagem foi convertida numa imagem altamente humanizada, que fez com que ela não conseguisse se sentir separada daquele ser humano. A CNV oferece a possibilidade de se estabelecer uma plataforma conectiva viva entre as pessoas”.

Processo educativo

“Talvez ser professor hoje, no Brasil, seja uma das tarefas mais frustrantes de nossa sociedade. Pessoas imbuídas de idealismo se defrontam com a realidade do ensino e têm seu sonho de educar quebrado. É um trabalho que está desumanizado”, afirma Haasz. Para ele, um profissional que enfrenta tais obstáculos pode facilmente ceder aos apelos do autoritarismo, das ferramentas de controle. Uma saída seria construir processos de colaboração e participação, nos quais a CNV pode ser uma ferramenta de auxílio.

“Muitos acabam defendendo essa posição de ‘ter que saber tudo’, se sentem ameaçados. Existem uma série de pressões que contribuem para sua insegurança. É preciso mudar a estrutura, para que ele se sinta humano, estudante, educador”, pondera, ao falar sobre o trabalho que tem realizado em escolas no Brasil, tanto particulares como públicas, junto com sua companheira de vida e trabalho, a psicóloga Sandra Caselato, que continua realizando os projetos do casal no Brasil enquanto Yuri completa seus estudos na Universidade de Chicago.

Os cursos oferecidos para escolas pelo casal são bastante práticos e apresentam conceitos transformadores para serem vivenciados através de janelas que permitam ver os problemas de outra forma.

“Mas mesmo em escolas alternativas, ainda vemos comportamentos que se reportam a um modelo punitivista. Afinal, a escola se transformou, mas as pessoas ainda são formadas pelo mundo”, observa Haasz, que destaca o trabalho diretamente com os estudantes como uma estratégia importante para desconstruir comportamentos pré-estabelecidos. “Com o tempo, podemos perceber mais abertura, mais ternura nas relações. As pessoas se sentem a vontade para se abrir e se vulnerabilizar diante um dos outros, pois vai se criando um ambiente de confiança, segurança e respeito”, finaliza.

Para saber mais:

Site de Sandra Caselato, com informações sobre CNV e contato
Centro Internacional de Comunicação Não-Violenta (em inglês)
Livro “Comunicção Não-Violenta” de Marshall Rosenberg
Comunicação Não-Violenta: o que é, como praticar
Beyond Good and Evil / Marshall Rosenberg (em Inglês)

Conheça os princípios da CNV por Rosenberg no documentário (legendado) abaixo:

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