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publicado dia 22 de abril de 2014

Pesquisador analisa relações entre infância e trabalho em comunidades indígenas

por

De Juliana Sada, do Promenino

No sábado (19), comemorou-se o Dia do Índio em vários países americanos. No Brasil, a data é um momento para refletir sobre a condição dos quase 900 mil indígenas que moram no país. Espalhados por todos os estados, os povos indígenas trazem diferentes visões de mundo e são parte fundamental da diversidade brasileira.

Ainda que representem cerca de 0,5% da população total, os indígenas trazem uma grande riqueza cultural. Estima-se que sejam faladas 274 línguas, segundo o Censo de 2010. A população indígena está dividida em cerca de 300 etnias, que possuem visões de mundo e modos de vida próprios.

De acordo com dados do Censo de 2010, a maioria dos indígenas está nas áreas rurais com apenas 36% vivendo nos centros urbanos. Esse distanciamento do restante da população não é apenas geográfico. Há barreiras culturais, preconceitos e dificuldades de compreensão sobre o modo de vida indígena. E isso se reflete na dificuldade do Estado lidar com a questão. Temas como educação e saúde são alvos de debates e constantes reflexões por parte dos acadêmicos e dos agentes públicos.

Um tema extremamente delicado é o do trabalho infantil. Ainda que esteja presente na pauta da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a discussão tem dificuldades em avançar sobre como definir as atividades realizadas pelas crianças nas aldeias. Convenções e tratados internacionais sugerem que toda decisão que impacte o modo de vida dos indígenas deve ouvi-los, sempre respeitando as peculiaridades culturais de cada povo.

Na Convenção 169 da OIT, que é adotada pelo Brasil, define-se que “os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual”. A Convenção preconiza também que os povos indígenas têm direito a “controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”.

Para debater o assunto e mostrar a visão indígena sobre a infância e o trabalho, o Promenino conversou com o pesquisador de criança indígena Rogério Correia da Silva. Com o foco de pesquisa nas etnias Xacriabá e Macakali do estado de Minas Gerais, Silva é também professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE-UFMG) e mantém o blog Homo Ludens.

Confira a seguir trechos da entrevista com Rogério Correia da Silva.

A infância
Na nossa sociedade, o trabalho demanda uma divisão de gerações, uma de adultos e outra de crianças. O trabalho separa dois mundos e a escola serve para colocar as crianças num espaço apropriado. Na sociedade indígena não existe essa separação, adultos e crianças convivem num mesmo espaço. E isso para elas é um processo de aprendizagem.

Pressupõe-se que é importante para elas circular com seu grupo familiar, independente do lugar. Se a família está na roça trabalhando, a criança está lá. Se for uma festa que dura a noite toda, ela está lá. Se tem uma reunião com gente de fora, a criança está lá. Eles acham que isto é importante para a criança ver como tudo é, porque quando elas crescem, há uma separação entre homens e mulheres e então cada um frequenta o espaço que lhe é destinado.

O lugar da criança
O lugar que a criança ocupa na sociedade indígena é maior do que na nossa, em alguns grupos ela tem papel fundamental, como para fazer o elo entre diferentes famílias. Nos Maxakalis [etnia do nordeste de Minas Gerais], quando a esposa não quer mais viver com seu marido em outra aldeia, ela volta para seu local de origem, mas as crianças vão primeiro negociar um espaço, com uma função meio diplomática. As crianças são também o elo entre o mundo dos vivos e dos mortos. Imagine a sociedade sem crianças?! Se perderiam alguns rituais.

Tarefas
Estando a criança presente nas situações cotidianas, ela vai participando de forma atenuada, periférica das atividades. A criança vai assumindo pequenas tarefas, então ela começa a fazer, pode parar no meio e deixar para depois ou pode não acabar, ela tem essa liberdade. A criança vai sendo inserida no grupo e vai assumindo mais responsabilidades. Quando chega a uma determinada idade, ela já está preparada para assumir a responsabilidade porque já viu como se faz.

O trabalho
Entre os indígenas, é outra lógica que opera, o trabalho é parte da vida da comunidade. O trabalho é pensando de forma coletiva, não individual, é feito pensado no grupo. Existe uma divisão social, há uma divisão por sexo, mas são tarefas diferentes que se complementam. Se o homem traz o alimento, a mulher transforma em algo comestível para os parentes, e parente é quem come da mesma comida. Nas sociedades indígenas, se produz o que é necessário, não tem isso da acumulação. A produção é voltada à subsistência, eles produzem o suficiente para o ano e trocam entre si os produtos, dentro da aldeia.

A comunidade
O que impera na nossa sociedade? É o individuo, com suas vontades ao extremo e isso entra em conflito com o coletivo. Na sociedade indígena, essa relação é diferente, a relação entre indivíduo e coletivo é mais integrada, não há uma cisão tão forte. A gente percebe isso, o sujeito tem em consideração o tempo todo a importância que ele tem para o coletivo. Ele sabe a importância da tarefa dele para o grupo, então a responsabilidade é algo que o sujeito incorpora.

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