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publicado dia 27 de maio de 2014

Dos campos da Colômbia para o mundo

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“Imagine uma situação hipotética. Se eu levar um médico que viveu há 100 anos em um hospital, ele ficará perdido porque tudo mudou. Não entenderá nada do que acontece dentro de um hospital. Agora, se eu levo um professor que viveu há um século em uma sala de aula, ele não vai ficar tão perdido. Isso nos diz muito: tudo muda, menos a maneira de aprender.”

É dessa maneira que a vencedora do Prêmio WISE de Educação em 2013, a colombiana Vicky Colbert, anuncia as inovações que ajudou a introduzir na década de 70, no interior de seu país. Conhecida como Escuela Nueva, a metodologia consolidou uma transformação no aprendizado em escolas públicas rurais da Colômbia ao propor uma educação centrada no estudante e um novo papel para o professor.

Além da Colômbia, a Escuela Nueva está presente em 16 países: Brasil, Chile, Paraguai, Peru, Nicarágua, Guiana, Panamá, Republica Dominicana, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Filipinas, Timor Leste, Vietnã e Uganda.

“Começamos mudando a maneira de aprender. A experiência se transformou em um modelo de ponta para a educação do século 21”, orgulha-se Vicky, ao lembrar que mais de 15 países já replicaram o método. No mundo, cerca de cinco milhões de crianças são formadas pelas Escuelas Nuevas.

Vicky Colbert já foi ministra da Educação na Colômbia e está no Brasil para participar do Fórum de Mulheres. “A nossa pedagogia empodera e promove participação. Considero muito importante levar esse conhecimento ao Fórum.”

Em entrevista ao Portal Aprendiz, Vicky narra a trajetória do programa, descreve os desafios enfrentados na relação com o poder público e revela como o educador brasileiro Paulo Freire serviu de fonte de inspiração para o modelo. “O valioso da Escuela Nueva é transformar algo tão complexo em algo tão manejável e sensível, para que qualquer pessoa  possa fazer”, afirma Vicky.

vicky1Uma nova realidade para o campo

Como tudo na América Latina, as inovações nascem das necessidades. A história da Escuela Nueva começa na década de 60, período em que os conflitos políticos e a violência crescia nos campos da Colômbia. E começamos exatamente nas zonas rurais, nas escolas ‘invisíveis’ aos planejadores da educação: as multisseriadas [escolas onde alunos de diferentes idades e níveis de aprendizagem dividem a mesma sala e os mesmos professores].

Os problemas eram muitos. Havia crianças em vários cursos simultâneos, professores desmotivados, ausência de material apropriado, pouca relação entre a escola e a comunidade, métodos de aprendizagem baseados apenas na memória. Se presumia que todo mundo aprende o mesmo conteúdo ao mesmo tempo, quando sabemos que existe diversidade na aprendizagem.

Todos esses problemas nos levaram a repensar tudo, porque nada funcionava. Pensamos em uma intervenção que fosse sistêmica e, de alguma maneira, pudesse ser facilmente replicada por um professor que não tenha PhD no meio da selva colombiana.

A Escuela Nueva não se trata de uma nova teoria da educação, mas sim de uma aprendizagem centrada no estudante, que participa ativamente da sua própria formação. Passamos de um paradigma pedagógico de um professor que transmite informação para uma aprendizagem onde os estudantes constroem conhecimento em grupo, uma escola cooperativa e construtivista, onde se aprende através do diálogo e da interação.

Na Escuela Nueva, o professor exerce um papel mais apropriado para o século 21 – não um docente que transmite informação, mas sim um docente que tem mais tempo para conhecer seus alunos e motivá-los, facilitando a aprendizagem.

foto41Em diálogo com as famílias

Temos que pensar de uma maneira inteligente como fazer essa ponte entre alunos, comunidade e pais. Desenvolvemos instrumentos muito sensíveis para que o estudante possa repassar tudo o que aprende a sua família, e que também leve a cultura e o conhecimento de sua família para o processo de aprendizagem.

De acordo com o guia de aprendizagem das Escuelas Nuevas, tudo o que o estudante aprende ele tem que aplicar em sua família. Há diálogo permanente entre as crianças, professores e pais. É uma maneira muito sensível de trazer os pais para o processo de aprendizagem.

Educação para a democracia

A Escuela Nueva é um filho de Paulo Freire, com estratégias concretas que demonstram resultados científicos e empíricos, não somente de melhoramento acadêmico, mas também de comportamentos democráticos.

Criamos uma metodologia que se pode aplicar em qualquer contexto de aprendizagem, formal ou não formal. Uma pedagogia que promove compreensão, diálogo e participação, e deveria estar nas mãos de muitos setores.

foto22Círculos de Aprendizagem

Adaptamos a Escuela Nueva a famílias desalojadas e criamos os Círculos de Aprendizagem, precisamente para as crianças que estão fora do sistema. Assim, estabelecemos nas comunidades vulneráveis círculos com jovens que já passaram pela Escuela Nueva. Em um espaço comunitário, eles aplicam uma metodologia mais personalizada, e as interações sociais são fortalecidas para que diminuam os índices de violência.

A transformação é total. Em menos de um ano, esse programa demonstrou resultados. Entregamos ao governo um modelo para as crianças em situação de rua. Foram resultados maravilhosos e é importante que se implementem por muitos operadores.

Esses Círculos são parte de um projeto maior, pois são o momento de transição desse jovem a uma escola grande. Se colocarmos essa criança em uma escola grande sem essa experiência anterior, ela não dura 15 dias lá. O modelo convencional não se adapta às características de muitas dessas crianças – eles requerem estratégias mais personalizadas, mais amor, mais afeto, mais atenção.

Método foi replicado também no Vietnã.
Método foi replicado também no Vietnã.

Referência internacional

Ao proporcionar o ensino fundamental nas áreas rurais da Colômbia, a Escuela Nueva virou referência e causou impacto em políticas públicas. Ao entender que era uma boa solução para os gargalos educacionais do país, o governo colombiano adotou o método e criou 20 mil Escuelas Nuevas nas zonas rurais.

Conforme um estudo da UNESCO, quando a Colômbia implementou a Escuela Nueva no campo, foi o único país depois de Cuba onde as escolas rurais conseguiram melhores resultados do que as urbanas, com exceção das megacidades.

E, uma vez que fizemos isso, o Banco Mundial escolheu essa experiência como uma das três inovações que impactaram positivamente a política pública, e muitos países se inspiraram nela – porque há resultados.

A Escuela Nueva já chegou a 16 países. O modelo tem se replicado através dos governos. Há quatro anos eu levei professores colombianos ao Vietnã; em um mês começaremos uma experiência em Zâmbia; chegamos em muitos países da América Latina. Em cada país se tornou política pública, como aconteceu no Brasil.

Uma aproximação com o Brasil

Em 1997, inciamos um programa rural no nordeste do Brasil com 10 mil escolas multisseriadas, as Escolas Ativas. Foi financiado pelo Banco Mundial, apoiado pela FUNDESCOLA (Fundo de Fortalecimento da Escola) e teve resultados. O problema está em como se sustentam as políticas.

Também pude aprender, depois de tantos anos, que é preciso trabalhar com os governos para se ter alto impacto – mas temos que fazer alianças público-privadas para dar sustentação e qualidade a essas experiências. Gostaria que esta metodologia estivesse em mãos de muitas organizações brasileiras.

E como as inovações não se sustentam no poder público, criamos a ONG Fundación Escuela Nueva Volvamos a la Gente para não deixar a ideia morrer e segui-la adaptando a novos contextos.

Veja um vídeo sobre a Escuela Nueva (em espanhol):

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