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publicado dia 14 de novembro de 2014

Direito à cidade representa desafio global a ser conquistado, afirmam ativistas

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O acesso aos recursos oferecidos pelo espaço urbano tem sido uma questão em todo o mundo. Seja no Brasil, no México, na Índia ou no Quênia, o direito à cidade é debatido em diversos aspectos, incluindo nesse leque a mobilidade urbana, a moradia e a posse de terra, passando por sustentabilidade e resiliência e terminando em um ponto comum: a urgente criação de mecanismo de participação para que os cidadãos possam definir o futuro de onde vivem.

Uma prova de que esse debate não possui fronteiras foi vista no primeiro dia do Encontro Internacional sobre o Direito à Cidade, que reuniu especialistas engajados na busca por transformações políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais nas zonas urbanas. O evento lançou uma plataforma global do direito à cidade e propôs uma mobilização e articulação internacional para incorporá-la à Agenda Urbana Internacional.

Representando as demandas das populações do Quênia e da África do Sul, os africanos que participaram do encontro foram enfáticos ao citar que o acesso à cidade e o cumprimento dos serviços públicos está devidamente previsto na constituição de seus países, mas na prática esses direitos não têm sido exercidos.

Totalidade do espaço urbano

O queniano Alfred Omenya, membro da Eco-Build Africa – organização que trabalha com o desenvolvimento sustentável de comunidades –, admite que é muito pouco aceitar que as pessoas se tornem cidadãs recebendo apenas água e saneamento básico. “Para nós, o direito à cidade significa o direito à totalidade do espaço urbano, e não só a serviços. Queremos acesso à vida urbana, cultura, celebração, arte, graffiti, e isso ainda está faltando no Quênia”, avaliou.

Segundo Alfred, a lei queniana exige que a governança local crie dispositivos que contemplem a participação social nas decisões. Baseado nessa legislação, os habitantes de Kibera – considerada a maior favela do mundo, com 2,5 milhões de pessoas ou um quarto da população de Nairóbi – já conseguiram barrar despejos e conquistar demandas antigas da comunidade, como iluminação e esgoto tratado. “Com o despejo brutal e sem alternativa a uma moradia, os residentes tinham seu direito à vida violado.”

Garota transporta galão de água na comunidade de Kibera (Quênia).
Garota transporta galão de água na comunidade de Kibera (Quênia).

Grito de apelo

Da mesma forma, na África do Sul, nem o passado de resistência e nem a constituição progressista são capazes de garantir a existência de ambientes mais inclusivos. “Precisamos exigir responsabilidade do governo e criar mecanismos que revigorem e canalizem as nossas energias para moldar os direitos das populações mais vulneráveis”, observou a sul-africana Adoné Kitching, representante do Instituto Isandla, cuja missão é promover espaços urbanos democráticos.

“O direito à cidade é um grito de apelo para as nossas lutas locais e deve servir para trazer à tona os problemas do país.” Na África do Sul, 28% da população economicamente ativa está desempregada e milhares de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. “A desigualdade é um problema evidente. Aqui os pobres são marginalizados e a periferia só cresce.”

Adoné considera que o poder público precisa criar ferramentas inovadoras e coerentes, “estruturas que permitam a mediação de conflitos e o emprego de serviços públicos mais bem canalizados”. Ela vê o direito à cidade como uma bandeira também contra a discriminação e defende a garantia de reconhecimento da diversidade. “Precisamos colocar as pessoas mais vulneráveis no cerne dessa discussão”, opina.

Liberdade

Uma delas é S’bu Zikode, fundador do Abahlali baseMjondolo, movimento de moradores de favelas da África do Sul que surgiu em 2005. “Nossa intenção é promover o interesse das pessoas pobres do país. Para nós, direito à cidade significa liberdade – com responsabilidade para construir uma comunidade que tenha paz, justiça e prosperidade. Reformatar a cidade de baixo para cima e que ela seja uma casa para todos”, acrescenta.

Zikode se exaspera ao citar a pressão que o movimento sofre do governo, das elites e das polícias. “São muitas surras, torturas e ameaças de morte, tudo isso ao mesmo tempo em que enfrentamos fome e falta de moradia. Definitivamente não é fácil.” Uma das táticas mais usadas pelo Abahlali baseMjondolo para atingir seus objetivos é o bloqueio de ruas e estradas.

“Estamos em um momento de criar identificação e união entre nós, moradores da periferia, para ter uma avaliação clara do que é ser pobre e não ter o direito à cidade garantido”, aponta Zikode. “Enquanto as pessoas pobres forem ignoradas no planejamento e nas decisões municipais, não haverá direito à cidade.”

Cidade do Cabo, África do Sul. “Enquanto as pessoas pobres forem ignoradas no planejamento e nas decisões municipais, não haverá direito à cidade.”
Cidade do Cabo, África do Sul. “Enquanto as pessoas pobres forem ignoradas no planejamento e nas decisões municipais, não haverá direito à cidade.”

Resiliência

Mudança de mentalidade. Essa é a aposta da coordenadora do Shack Slum Dwelles International (SDI), Rose Molokoane, para que as pessoas excluídas do planejamento local possam criar resiliência e depender menos dos governos. “Uma cidade é uma cidade não por seus prédios lindos e altos, mas pelas pessoas que fazem parte dela. Somos nós que deixamos as cidades bonitas”, declara.

A sul-africana analisa que o governo de seu país deveria priorizar as políticas públicas que incluam os pobres na dinâmica das cidades – gerando emprego e garantindo segurança da posse. “As comunidades começaram a se organizar e mudaram a sua atitude, isso agrega valor ao direito à cidade. Eu tenho direito de ter uma casa, ter filhos, me alimentar, ter segurança, mas quem vai me dar esse direito? São as políticas que o governo tenta organizar.”

Rose não se esquece que o povo também deve ter responsabilidades, e que o desenvolvimento sustentável só vai acontecer se quem é pobre for incluído nesse movimento. Ela revela, porém, que está cansada de tanta teoria e pouca prática. “Queremos ver o trabalho ser feito de fato, não apenas participando de conferências. Estamos cansados de diálogos e reuniões, queremos fazer o trabalho que precisa ser feito, pois estamos prontos para isso.”

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