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publicado dia 5 de dezembro de 2014

Viaduto, parque ou demolição: o que São Paulo fará com o Minhocão?

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por Danilo Mekari e Pedro Nogueira

Em seu primeiro mandato como prefeito, com 38 anos de idade e sedento para mostrar serviço, Paulo Maluf resolveu levar adiante um plano abandonado pelas gestões antigas: um viaduto que cortava a cidade do centro à zona oeste. Ampliou o plano original até o Largo Padre Péricles e criou o Elevado Costa e Silva, em homenagem ao general e presidente que o nomeou para o cargo.

Rasgando a malha urbana de leste à oeste, o viaduto reforçou o caráter rodoviarista da cidade e destruiu praças, ruas, fachadas e a vida dos moradores dos prédios da região. Elevado à mais de quatro metros de altura, criou uma camada de poluição sonora, estética e visual tanto para quem vive em cima, quanto para quem vive embaixo.

Qualificado como uma “cicatriz” na cidade, o Minhocão vai chegando aos seus 50 anos e pode ser aposentado em breve. Seu fim está previsto no Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade e um projeto de lei que propõe o fim do viaduto e sua transformação em parque na próxima década já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Vereadores de São Paulo – e aguarda ser votado em plenário.

Mas, o que fazer com esse trambolho? Será um parque elevado a melhor solução para a cidade? Polêmico e afetivo, o Elevado não tem respostas, nem saídas fáceis.

Fórum de Diálogo

Para discutir os diversos olhares acerca do futuro do Elevado – desde aqueles que o querem demolido, que o sonham como parque ou que simplesmente não estão decididos sobre as possíveis utilidades da via -, foi realizado na quarta-feira (3/12) o primeiro encontro do Fórum de Diálogo sobre o Futuro do Minhocão. A instância, promovida pelo gabinete do vereador Ricardo Young (um dos proponentes do PL 10/2014) em parceria com movimentos da sociedade civil, pretende qualificar o debate e garantir a participação cidadã na decisão que está porvir.

Futuro do Minhocão: desmonte ou parque?
Futuro do Minhocão: desmonte ou parque?

Young definiu o elevado como “uma das piores soluções viárias e arquitetônicas que essa cidade já construiu”. O vereador Nabil Bonduki, que também participou da formulação do PL e foi figura importante na construção do PDE, afirmou que não há nenhuma intenção de aprovar o projeto sem uma discussão que mostre os prós e contras de qualquer que seja a decisão. “Um dos poucos consensos é que precisamos acabar com o Minhocão como ele é hoje, retirando essa cicatriz para recuperar aquela região.”

Quem defende a criação do Parque Minhocão argumenta que ele já existe aos domingos e feriados, quando o elevado é fechado aos carros. “Fisicamente, o que precisamos são árvores e bancos. De resto, já tem de tudo no Minhocão: lazer, esporte, inclusão social”, aponta Athos Comollati, da Associação Parque Minhocão. Ele cita que o desmonte da via custaria R$ 130 milhões aos cofres públicos e geraria 300 mil m³ de resíduos sólidos, e descarta a possibilidade de criar um parque linear na avenida São João por conta dos inúmeros cruzamentos de rua.

Para o movimento Desmonte do Minhocão, porém, a decisão não é tão simples assim. De acordo com Yara Góes, a comunidade local deve expor sua problemática relação de décadas com o elevado. “Virou uma questão de saúde pública. Temos altos e concentrados índices de poluição sonora, atmosférica e visual. Muita gente ali só dorme a base de calmantes”, revela a moradora da avenida Amaral Gurgel, lembrando que a parte de baixo do viaduto concentra problemas sociais que, sem a demolição, dificilmente serão solucionados.

Fórum debateu as diversas possibilidades de futuro do Minhocão.
Fórum debateu as diversas possibilidades de futuro do Minhocão.

Yara acredita que, por não ter sido projetado para eventos e circulação de pessoas, o Minhocão não pode virar parque. “No tema da segurança pública, hoje temos roubos, assaltos e vandalismo, como pedras que são jogadas nas janelas dos apartamentos e nos carros da avenida sob o elevado. Quanto mais pessoas circularem no Minhocão, mais problemas de segurança teremos.”

Morador da região há 13 anos, Felipe Morozini rebate o argumento de Yara, dizendo que mais pessoas no espaço público garantiriam a segurança do local. Segundo ele, o Parque Minhocão traria uma requalificação imediata da parte de baixo do elevado e, obviamente, teria regras para evitar conflitos com os moradores.

Gentrificação é o processo de expulsão não direta de habitantes de uma determinada região mediante a valorização imobiliária, subida dos preços de aluguel e mudança do perfil dos habitantes. Processos gentrificatórios muitas vezes tem como ponta de lança a mudança de jovens, artistas e profissionais liberais para uma área “degradada” e central, que começa a receber investimentos públicos e empreendimentos comerciais.

Já Tiago Carrapatoso, do movimento São Paulo sem Minhocão, ressalta a gentrificação extrema como uma das consequências mais nefastas do projeto de parque. “Segundo estimativa do Secovi (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo), a valorização dos imóveis e aluguéis poderia variar de 70 a 120%. Levando em conta que aquela região é habitada essencialmente pela classe média baixa – e muitos são inquilinos dos apartamentos – o parque vai expulsar muita gente de lá”, denuncia o ativista.

O chão do Minhocão

Além dos movimentos da sociedade civil, o Fórum de Diálogo abriu espaço para arquitetos exporem suas visões sobre o que deve ser feito com o Elevado Costa e Silva. O presidente do IAB-SP (Instituto de Arquitetos do Brasil), José Armênio Brito Cruz, aponta para a necessidade de ressignificar o objeto Minhocão para além da dicotomia parque/demolição. “O chão do Minhocão é público, e este solo é um grande problema. Não bate sol nunca, acumula fumaça e poluição, e ao mesmo tempo é um lugar protegido para quem mora na rua”, observa. “Vivemos a oportunidade de ter um olhar mais criativo sobre o futuro do elevado e da cidade em geral.”

A proximidade da via com as janelas é uma das principais queixas dos moradores.
A proximidade da via com as janelas é uma das principais queixas dos moradores.

Lúcio Gomes Machado defende a demolição “pois ele nunca deveria ter sido construído”. A partir do nome da via, “que eterniza uma das grandes figuras da ‘revolução’ de 1964”, o arquiteto resgatou a história de sua construção em um período onde as decisões eram arbitrárias e absolutamente ninguém era consultado. “Antes de ser construído, havia estudos que mostravam que o Minhocão não servia para nada”, retoma. “Naquela época, a cidade era dirigida pelas obras que inventavam fazer, e não pelas intervenções realmente necessárias.” Segundo Machado, o elevado não deve ser considerado apenas um problema local nem regional, mas sim metropolitano.

“Naturalmente, uma cidade comete erros”, afirma a arquiteta Ana Marie Sumner. “O Minhocão é uma cicatriz urbana e um problema infra estrutural de porte fundante de São Paulo”, argumenta, lembrando que a tônica de projetos posteriores ao elevado também foi o de surrupiar espaços públicos para torná-los parte do sistema de transporte, como as praças da Bandeira e Princesa Isabel e o parque Dom Pedro II, que viraram terminais de ônibus. “Nesses casos, a iniciativa pública vai contra nós mesmos. Precisamos de soluções firmes e não paliativas”, diz Ana Maria, defendendo a demolição da via.

Pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, Marcos Martins ressaltou que a desativação da via traz ganhos à saúde pública não apenas do entorno do elevado, mas da cidade como um todo – que anualmente tem quatro mil mortes por conta da poluição do ar. Martins aponta que a solução para esse problema vai além da disputa entre parque e desmonte. “O que deve ser pensado estrategicamente é o modal de transporte da região. Nossos ônibus, que continuariam circulando por ali, são muito poluidores.”

Opinião compartilhada pelos arquitetos Alexandre Moreira e Valter Caldana. “A cidade não tem dinheiro para manter os parques que já existem, as praças são mal cuidadas. Vamos fazer mais um parque para virar uma zona?”, questiona Moreira, afirmando que o próprio desmonte pode ser ressignificante. “Tirar o Minhocão só vai fazer bem à cidade.” Para Caldana, a demolição deve ser feita sem receio. “São três milhões de m² de chão que estão cobertos e sacrificados pela via. E é no chão que vamos resolver nossos problemas como cidade.”

Espaço de lazer

Por outro lado, o Minhocão – quando transformado em espaço de lazer aos domingos e feriados – desperta sentimentos de pertencimento e carinho por parte de muitos paulistanos. É o caso da urbanista Paula Andrade, para quem demolir seria um erro tão grande como foi a construção da via. “Hoje ele é um patrimônio para mim. O seu desmonte seria como uma nova cicatriz aberta, trazendo inclusive impacto econômico e social”, lamenta. “Acontecem muitas coisas boas ali. Vamos tirar da população um espaço público enorme e já reconhecido no coração de São Paulo?.”

O crítico de arquitetura Fernando Serapião sempre foi a favor da extinção da via. Recentemente, porém, passou a frequentar mais o espaço quando fechado para carros e descobriu o dinamismo e vida própria que ele ganhou com o tempo. “De forma espontânea a população passou a se apropriar daquela área. Agora, é difícil imaginar o impacto da demolição”, aponta.

A degradação e abandono da parte de baixo da via é um dos argumentos contrários ao parque.
A degradação e abandono da parte de baixo da via é um dos argumentos contrários ao parque.

Tadeu Leite, diretor adjunto de planejamento, projeto e educação de trânsito da CET, acredita que, independentemente da decisão entre parque ou demolição, “temos que pensar em novas formas de transporte coletivo e cicloviário para aquela região”. Para o promotor de Justiça e Meio Ambiente de São Paulo, Marcos Barreto, a idéia de se fazer um parque ali é simpática, mas não resolve os problemas trazidos pela “caixa de ressonância”, que impede a dispersão adequada de ruídos e poluentes.

Longe de chegar a um consenso, o Fórum escancarou ainda mais as diferentes vontades e desejos perante o futuro do Minhocão. As duas próximas edições do debate devem acontecer em fevereiro e abril de 2015.

Monstro

“A tristeza que dá em subir no Minhocão e encontrar um stand de vendas de imobiliária com imagens nossas”, lamenta Evelyn Gomes, produtora cultural e ativista urbana. Uma das realizadoras do Festival Baixo Centro, que em 2012 e 2013 ocupou as ruas da cidade com atividades artísticas e culturais, ela pondera sobre os efeitos das ocupações do viaduto. “A questão é: estamos ocupando a cidade para quê? Para quem? Dá  a sensação de termos criado um monstro às vezes”.

Desde a gestão Erundina (1989-1992), domingos e feriados são fechados para carros e abertos para a população.
Desde a gestão Erundina (1989-1992), domingos e feriados são fechados para carros e abertos para a população.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ocupação do Minhocão, nos últimos anos, cresceu exponencialmente. Se desde que Luísa Erundina, então prefeita, decretou o fechamento do viaduto no período noturno e aos fins de semanas e feriados, ele começou a funcionar como um parque informal, recentemente a via passou a ser palco das tentativas da sociedade civil de tomar para si a cidade, após a proibitiva e restritiva gestão de Gilberto Kassab (PSD).

Em um espaço urbano carente de opções de lazer, a possibilidade de passear pelo elevado num domingo à tarde ou numa noite tranquila acabou atraindo milhares de paulistanos para o local, angariando simpatizantes para a construção do Parque Minhocão, inclusive entre vereadores, que observam na construção de um highline, nos moldes de Nova Iorque, uma possibilidade de visibilidade e reconfiguração do espaço e de suas reputações. Mais quais seriam os impactos na cidade?

Para além da gentrificação, vista como inevitável apesar de promessas vagas sobre a criação de Zonas de Interesse Especial (ZEIS) de habitação na área, a criação do parque poderia dificultar – por falta de verbas ou proximidade geográfica – o processo de conquista do Parque Augusta, localizado também na zona central. “Entre um espaço de concreto e a última área verde de mata atlântica do centro, eu fico com o segundo”.

O fluxo de carros que hoje passa pelo viaduto também teria que ser redirecionado, o que poderia acarretar na reativação da operação urbana Lapa-Brás, que prevê o enterramento de linhas da CPTM e a construção de uma nova via que ligue a zona oeste à zona leste da cidade. No caminho da via, no entanto, está a Favela do Moinho, a última do centro de São Paulo, que é obliterada em um vídeo da CPTM, de 2012, que projeta o futuro percurso da via.

São Paulo está enfrentando um dos muitos resquícios do planejamento urbanístico da ditadura militar na cidade. Parque para muitos, trambolho para tantos outros, o Costa e Silva que virou Minhocão, é um dilema para a metrópole e não apresenta nenhuma solução rápida e fácil. O que se espera é que seu fim se torne uma ferramenta para garantir e ampliar o direito à cidade – e não reforçar seu caráter excludente e de cima para baixo.

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