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publicado dia 9 de janeiro de 2015

Passe livre para estudantes não garante direito à educação na cidade, acredita MPL

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*Com a colaboração de Danilo Mekari

Em 26 de dezembro do ano passado, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou o aumento da tarifa do ônibus de R$ 3,00 para 3,50, seguido pelo governador Geraldo Alckimin, que decretou o aumento do metrô para o mesmo o valor. Onze dias depois, nesta terça-feira (6/01), o aumento passou a valer.

Para tentar segurar os ânimos descontentes, Haddad atendeu uma antiga reivindicação do movimento promulgando a gratuidade, em 48 viagens mensais, aos estudantes de escolas e universidades públicas, e beneficiários do ProUni, Fies e cotistas. Além  disso, congelou o valor do Bilhete Único Mensal, promessa de campanha do atual prefeito que, no entanto, encontrou baixa adesão até o momento – em torno de 3,1% do total de usuários mensais.

As medidas, no entanto, não foram suficiente para aplacar os ânimos do Movimento Passe Livre (MPL), que nesta segunda-feira (5/1), realizou um debate público sobre a questão da Tarifa Zero debaixo do viaduto do Chá, na capital paulista, com mais de 400 pessoas. O movimento, pivô das jornadas de junho de 2013, convocou, para esta sexta-feira (9/1), o primeiro Grande Ato Contra o Aumento da Tarifa e promete o mesmo fôlego das últimas edições do aumento.

No debate, contaram com a presença de Lúcio Gregori, ex-Secretário de Transportes de São Paulo durante o mandato de Luísa Erundina, de 1990/92, e Luísa e Tauany, jovens militantes do MPL e dos cursinhos populares, respectivamente. Apesar das justificativas oficiais e oferta de benefícios, a opinião era unânime: o aumento da tarifa é um retrocesso para a garantia do direito à cidade.

Também foram apontadas limitações na questão da gratuidade para estudantes. “Essa é uma antiga pauta nossa, então não é um presente. É uma conquista. Mas é uma conquista limitada, que garante o trajeto de ida e volta da escola, mas não o acesso da juventude à cidade”, afirma Hotismky.

Tauany, estudante de cursinho popular da zona sul, problematizou a exclusão dos estudantes de cursinhos populares da tarifação gratuita. “Queremos educação na cidade. Acesso não é só matrícula. Há uma longa estrada percorrida por milhões antes disso”, enfatiza.

“Para nós ele está ignorando as manifestações de junho. Ao invés de achar que deveria aumentar o subsídio, tirar o lucro das empresas, procurar financiamentos alternativos, ele está aumentando cada vez mais. É quase uma reposição do aumento que revogamos em 2013”, pondera Marcelo Hotismky, militante do MPL.

Cidade é para quem pode se movimentar

Em sua fala, Gregori, agora aposentado, ressaltou a importância de poder transitar livremente pela cidade. “A gente esquece, mas a cidade é uma invenção maravilhosa. Para vivê-la, não pode ter catraca.” Gregori acredita que há meios, entre negociação da dívida pública, fundos de financiamento federais e estaduais, para garantir que o transporte seja encarado como um direito e não uma mercadoria.

“Luz, segurança, saúde, educação, lixo. Ninguém fala que está caro, que a gente tem que pagar por essas coisas. A questão do transporte poderia funcionar na mesma chave”, acredita Gregori, que lançou, quando secretário, o primeiro projeto de Tarifa Zero do país, que hoje já acontece em cidades como Maricá  (RJ).

Em entrevista ao Portal Aprendiz, Gregori falou sobre aumento, conjuntura política nacional e tarifa zero. Confira.

Portal Aprendiz: Os estudantes sempre foram uma parte importante da luta contra o aumento da tarifa. Você acha que a garantia das 48 passagens pode desarticular o movimento?

Gregori: Não houve nada de novo. É reajuste dia 6 de janeiro, como tantas outras vezes. Qualquer literatura que há sobre o assunto mostra que há reajuste durante as férias estudantis, pois se sabe de antemão que a juventude sempre foi mais combativa. São manobras estratégicas para um problema, que, no fundo está mal equacionado no Brasil. Essa é a questão. Muito mal equacionado. É muito atraso e não vai ser do dia pra noite. Seria ilusão achar que depois de junho de 2013 estaria tudo resolvido. Que nada.

Portal Aprendiz: Por que tarifa zero?

Gregori: Ela tem um duplo significado que pouca gente saca. Ela tem um sentido prático no que se refere a mobilidade. Se for aumentando o subsídio, deixa de ser prático cobrar uma “tarifinha”. E ela é a transformação da quantidade em qualidade, moldando completamente a relação entre o público e a mobilidade na cidade. É uma diferença completa entre pago e não pago. O outro sentido é político. Na sociedade contemporânea, o transporte é uma forma de controlar e regular as pessoas, de limitar suas vidas e dizer “você pode ir até aqui, mas se não pagar mais, não pode chegar ali”. A tarifa zero tem um poder libertário.

Portal Aprendiz: E na questão do direito à educação na cidade, entendendo que a educação não se dá só na ida e volta da escola?

Gregori: Tem isso muito forte. O acesso à cultura, ao cinema… você consegue imaginar quantas pessoas não conhecem o Teatro Municipal pois não tem dinheiro para vir? Não dá, né? Em Brasília, tem gente que nunca foi ao eixo monumental por falta de grana e isso é uma barbaridade que atrapalha o desenvolvimento da cultura e da educação.

“Na sociedade contemporânea, o transporte é uma forma de controlar e regular as pessoas, de limitar suas vidas”, acredita Gregori.

Portal Aprendiz: Economicamente, a tarifa zero é viável?

Gregori: Eu sou de uma geração que viu o então presidente João Goulart tentar criar o décimo terceiro e ser taxado de comunista. Depois de muita luta, ele conseguiu implementar e se hoje você tentar acabar com esse benefício, o empresário vai atrás de você, porque ele é uma excelente forma de movimentar a economia. A tarifa zero é a mesma coisa: a partir do momento que você permite que as pessoas tenham uma mobilidade gigantesca na cidade, isso vai movimentar a economia e gerar renda. Em Santa Bárbara D’Oeste [interior de São Paulo], foi implantado tarifa zero aos sábados e isso gerou muito movimento no centro. Quando tentaram acabar com isso, a associação comercial protestou. A leitura conservadora, que é típica do Brasil, sempre vai pelo lado do impossível, da falta de dinheiro, do tecnicamente impossível. E isso é o atraso.

Portal Aprendiz:  O que significa esse aumento, esse salto da tarifa, considerando um prefeito que tem demonstrado uma preocupação com o transporte público? Por que a tarifa é intocável?

Lúcio Gregori: Eu não me concentraria na figura do prefeito. Estamos tendo uma onda de reajustes no estado inteiro. O governo do estado está aumentado o Metrô, por exemplo. As manifestações de 2013 marcaram uma posição. Existem no país vários movimentos que estão discutindo a questão tarifária do transporte coletivo há alguns anos, mas ali ficou demarcado com clareza duas coisas: que a democracia brasileira está num novo estágio e a população quer ser protagonista para valer. A questão tarifária foi uma referência e o recuo foi um indicativo de que essa disputa está colocada. Isso não significa – seria muita inocência acreditar nisso – que um par de tempo depois tudo se resolvesse. No entretempo, tivemos vários acontecimentos que conturbaram a discussão, sobretudo o período eleitoral de 2014. Muita coisa que devia acontecer deixou de acontecer – pra não falar na inércia natural dos governos. Nada ou muito pouco foi feito na questão do financiamento tarifário no Brasil.O governo federal não fez nada, a prefeitura não fez nada e o Estado não fez nada nada consistente. Aí chega 2015 e com ele, um reajuste. Ainda assim, vemos que o prefeito adota manobras e estratégias de certo risco, como o passe livre estudantil e o bilhete mensal sem reajuste, que contornam o ponto nodal da questão: que ele e a Frente Nacional de Prefeitos não conseguiram avançar nessa questão.

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