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publicado dia 9 de março de 2015

8 de março: Campanha reivindica cidades seguras para mulheres

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A adolescente Rayssa Costa voltava da escola em ruas mal iluminadas e com pouco movimento quando, em duas oportunidades, percebeu que homens dentro de um carro a seguiam lentamente. Em um dos casos, o motorista buzinou e falou desaforos. Desde então, o caminho do ponto de ônibus para a sua casa nunca mais foi o mesmo.

CidadesSegurasMulheres“Na primeira vez em que aconteceu, fiquei uma semana sem ir para a escola, com medo. Na segunda, foram dez dias”, relembra Rayssa, em depoimento para a campanha Cidades Seguras para as Mulheres. Lançado em agosto de 2014 no Brasil, o projeto, capitaneado pela Action Aid, exige o comprometimento de gestores públicos para a melhoria da oferta dos serviços nas cidades, de modo que elas se tornem mais seguras para as mulheres.

O caso relatado acima aconteceu em 2012, na cidade de Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. A preocupação dos pais de Rayssa com a segurança de sua filha cresceu tanto que ela se viu obrigada a recusar uma oferta de estágio, pois teria que fazer o curso técnico de Segurança do Trabalho à noite e, consequentemente, voltar tarde para casa – provavelmente sozinha e no escuro.

“Infelizmente o roteiro é comum: a mulher que deixa de se qualificar e de estudar por conta de medo e insegurança. A não possibilidade de exercer a cidadania plena é também uma violência grosseira contra o gênero feminino”, aponta Ana Paula Ferreira, coordenadora do programa Direitos das Mulheres da Action Aid Brasil, responsável pelo Cidades Seguras para as Mulheres.

Campanha online da Action Aid questiona o espaço da mulher na cidade.
Campanha online da Action Aid questiona o espaço da mulher na cidade.

Cidade segura

Na visão de Ana Paula, quando se fala em violência contra as mulheres no Brasil, a referência automática para a população é a Lei Maria da Penha (LMP), sancionada em 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. “Não a desvalorizamos – pelo contrário, trabalhamos muito com ela –, mas uma de nossas maiores preocupações é contribuir para que a sociedade entenda que, quando falamos de violência contra a mulher, não estamos falando apenas de LMP”, observa.

A verdade é que a violência de gênero extrapola as paredes domésticas e está espalhada nas entrelinhas e delicadezas da vida urbana. “É importante dizer que, no nosso entendimento, a palavra segura não se refere apenas à segurança pública e policiamento, mas sim à noção de direito à cidade. As mulheres não usufruem a cidade como um todo, especificamente quem vive em situação de pobreza”, ressalta a coordenadora.

Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2013 revelaram a prática de 16,9 mil feminicídios (mortes de mulheres por conflito de gênero) no Brasil entre 2009 e 2011. Ainda, houve no país mais de 50 mil casos de estupro em 2013, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Não podemos naturalizar o que está acontecendo. Temos que dar evidência à isso e mostrar o quanto a discussão é relevante”, acredita Ana Paula.

Para embasar a campanha, foi realizada uma pesquisa com 306 mulheres de áreas periféricas em Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio de Janeiro. Os resultados evidenciam a vulnerabilidade das mulheres nos espaços públicos e mostra como elas alteram suas rotinas de trabalho, estudo e lazer por conta do medo da violência nas cidades.

Cerca de três quartos das mulheres, por exemplo, revelam que já desviaram seu trajeto por conta da escuridão da rua; 70% já deixou de sair de casa em determinado horário por receio de sofrer algum tipo de assédio. Becos, praças, paradas de ônibus e vias públicas são considerados lugares inseguros por mulheres de todas as localidades.

CidadesSegurasMulheres“Quando as mulheres não têm acesso a serviços públicos de qualidade, elas ficam em posição mais vulnerável a sofrerem violência nas suas várias facetas. E vai muito além da agressão física, que é cruel, mas também a violência de não serem tratadas como cidadãs, não viverem a plenitude de sua cidadania”, argumenta Ana Paula.

Lanternaço

Em parceria com as mulheres entrevistadas, a campanha construiu uma carta política com as demandas para melhorar a oferta de serviços públicos como iluminação, moradia, transporte, policiamento e educação.  A carta foi entregue em secretarias municipais e estaduais, prefeituras e governos.

“Estamos em um momento de advocacy”, define a coordenadora. “A partir do conhecimento obtido, queremos incidir nas políticas públicas. É raro os planejamentos urbanos e Planos Diretores Estratégicos ouvirem as mulheres. Queremos que esses planos sejam feitos levando em consideração a real necessidade que essas mulheres têm.”

Entre as demandas da carta está universalizar a implantação e manutenção da iluminação pública por governos e concessionárias. A falta de luz em vias públicas, inclusive, foi tema de uma ação de sucesso do Cidades Seguras para as Mulheres: o lanternaço.

“Observamos que muitas mulheres carregavam lanternas dentro das bolsas por conta da falta de iluminação no caminho de casa”, conta Ana Paula. Se a escuridão dá medo, é na força que surge a partir da união destas mulheres que se dá a ação. Elas percorrem pontos críticos desses locais com as lanternas ligadas, denunciando espaços públicos com falhas na iluminação. No dia seguinte ao lanternaço, que ocorreu em Upanema (RN), a empresa de energia consertou alguns postes de rua.

Atendimento humanizado

No transporte, a carta pede campanhas educativas e medidas protetivas para dentro dos veículos públicos, como a capacitação de motoristas e cobradores para lidarem com casos de assédio, além da melhoria na qualidade e quantidade da frota, priorizando a oferta para as áreas de periferia.

A moradia também entra na pauta. “Garantir cidades seguras para as mulheres pressupõe políticas inclusivas de moradia”, diz Ana Paula. Segundo a campanha, além do acesso, as mulheres precisam ter segurança na propriedade dos seus lares.

CidadesSegurasMulheresO policiamento também é um ponto crucial para a campanha. Visto que menos de 10% dos municípios brasileiros possuem delegacia da mulher – e somente 8% têm unidade de acolhimento para mulheres vítimas de violência –, o documento entende que a capacitação de policiais para realizar um atendimento humanizado às vítimas de violência de gênero é fundamental. “A nossa polícia costuma jogar a culpa para quem sofre agressão. Sempre perguntam “porque você estava andando a essa hora? Nesse lugar? Com essa roupa?”, aponta. “A mulher tem que ser respeitada em qualquer situação.”

Por fim, a educação, que muitas vezes acaba reforçando padrões e comportamentos tanto na escola como dentro de casa. “Os pais têm que desnaturalizar esse costume de dar bola ao menino e boneca à menina, que fica numa posição fragilizada, brincando entre quatro paredes, enquanto o garoto está com a bola na rua”, ressalta Ana Paula. “Esses estereótipos limitam a vida das mulheres.”

A carta pede uma educação pública de qualidade, inclusiva, igualitária e não sexista nem homofóbica. Outra demanda é a melhoria na qualidade e quantidade de creches, que impacta diretamente no acesso das mulheres ao mercado de trabalho e à formação acadêmica.

A violência de gênero extrapola as paredes domésticas e está espalhada nas entrelinhas da vida urbana.
A violência de gênero extrapola as paredes domésticas e está espalhada nas entrelinhas da vida urbana.

Na última quarta-feira (4/3), o Ipea divulgou um estudo sobre a efetividade da Lei Maria da Penha na redução ou contenção do crescimento dos índices de homicídios cometidos contra as mulheres. Clique aqui para obter mais informações.

Pressão

Agora, o programa quer se expandir para outros estados – já existem diálogos com cidades da região nordeste. “Queremos que esse trabalho seja tocado a nível nacional, pela Secretaria de Políticas  para as Mulheres, para que esse debate tenha continuidade e não fique a reboque de casos pontuais de estupro e violência”, desabafa Ana Paula.

Ela sabe, porém, que as demandas não se restringem apenas à pasta referente às mulheres, mas sim a uma política intersetorial, dialogando com responsáveis por transporte, moradia e segurança pública, entre outros. “Estamos pressionando o poder público. O momento é de expansão da pauta, e exigir que os governos a levem em consideração”, finaliza.

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