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publicado dia 9 de abril de 2015

Mulheres atingidas por barragens usam bordado para tecer suas histórias

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Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

João Cabral de Melo Neto

Do lado de lá da geração de energia hidroelétrica, na outra ponta da tomada, vozes são silenciadas e histórias são desfeitas a cada barragem que se ergue. E para restaurar as memórias e costurar um novo sentido para a vida que continua, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) adotou uma sabedoria antiga.

Durante a ditadura chilena, mulheres que ficaram conhecidas como arpilleras começaram a se organizar em grupos dentro de igrejas. Com técnicas tradicionais de bordado e tapeçaria, passaram a coser suas histórias, as ausências dos familiares desaparecidos e as violações de direitos humanos, uma tentativa de remendar o tecido de suas vidas.

Arpillera chilena de 1988
Arpillera chilena de 1988

Os panos bordados viajaram o mundo e se tornaram um símbolo importante da resistência à brutalidade do regime, que os classificava como “tapeçarias da difamação”, por denunciarem a realidade do país que viviam. A cantora Violeta Parra, uma entusiasta dessa expressão artística, a definiu de forma muito mais precisa e justa: “são como canções que se pintam”.

Foi essa técnica e esse espírito que o MAB trouxe para dentro de seu movimento.

Em Altamira (PA), mulheres atingidas pela construção de Belo Monte participam de oficina.
Em Altamira (PA), mulheres atingidas pela construção de Belo Monte participam de oficina.

“Por mais que não estejamos dentro de uma ditadura, o modo como o Brasil faz suas grandes obras é o mesmo desde o período militar – com repressão, criminalização e violações, que impactam especialmente as mulheres”, contextualiza Elisa Estronioli, membro da coordenação nacional do MAB. Ela explica que no desalojamento, muitas mulheres não têm direito a indenização pois não são proprietárias legais dos imóveis onde vivem. Nos canteiros das obras, explodem os índices de exploração sexual, tráfico de pessoas, violência doméstica e estupros.

Bordado retrata a prostituição infantil em Belo Monte
Bordado retrata exploração sexual de crianças em Belo Monte

“Mas ao mesmo tempo, elas são donas de uma força tremenda, são muito aguerridas. Por isso, queremos incentivar sempre o protagonismo feminino em nossa atuação. E a questão das arpilleras é significativa nisso: há o bordar, há o retrato e o subjetivo, mas é uma ferramenta de articulação, solidariedade e protagonismo”, atesta Elisa, que destaca que a prática é barata e fácil de disseminar.

Prova disso é que, até o momento, já foram realizadas mais de cem oficinas nos estados de Rondônia, Pará, Tocantins, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, que mobilizaram mais de 800 mulheres. Após o contato inicial com a técnica, os trabalhos foram levados para suas comunidades e elas seguem bordando suas histórias.

Contar o que foi tecido

Para relatar essa história, o setor de comunicação do MAB, em parceria com cinegrafistas voluntários, está organizando o documentário “Arpilleras – Bordando a resistência”. “Começamos a conversar nos encontros de mulheres do MAB como dar visibilidade para a questão feminina. Não queremos fazer só denúncia, mas mostrar a construção coletiva, o protagonismo e a força das mulheres”, entusiasma-se Adriane Canan, documentarista catarinense, roteirista e assistente de direção do “Mulheres da Terra”, um filme sobre o Movimento de Mulheres Camponesas do oeste de Santa Catarina.

terra

A ideia do documentário é percorrer as cinco regiões do Brasil e registrar histórias de cinco mulheres atingidas por barragens, lutadoras e bordadeiras, mostrar quem são, como vivem e o que fazem. “Queremos mostrar o cotidiano dessas pessoas e achamos que os tecidos são uma ótima forma, por reunirem a estética do fazer artístico, com a subjetividade de cada uma, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, podemos achar uma riqueza e diversidade enorme na forma de tecer”, projeta Adriane.

Além disso, a equipe levará um tecido que será bordado coletivamente pelas cinco protagonistas do filme. Para financiar a produção, será lançado nos próximos dias uma campanha de financiamento no Catarse. Confira a página de Facebook do projeto aqui e o site por aqui.

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