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publicado dia 15 de junho de 2015

Entre a utopia e o fatalismo: qual futuro queremos para nossas cidades?

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Relembrando o filósofo Walter Benjamin, em sua análise da obra de Charles Baudelaire, a psicanalista Maria Rita Kehl propõe uma arqueologia do espírito dos indivíduos nas cidades modernas. Para isso, recorre a um poema do autor francês, que narra o processo de perda da auréola do artista entre viaturas e cavalos acelerando. Jogado na lama, perdido o lugar sagrado, o meio urbano oferece o anonimato como recompensa, enquanto propõe milhares de outros desafios para o sujeito.

Para Kehl, um desses desafios está na manutenção da capacidade de imaginação e transformação de suas realidades. Na avaliação da psicanalista, o excesso de velocidade – dos carros e das redes – embotam nossa atenção, dotando nossa subjetividade de um ar fatalista e empobrecendo nossa faculdade de pensar alternativas para o mundo urbano em que estamos inseridos. Sai de cena a aura, entra a todo vapor o fetiche da cidade-mercadoria.

Como chegar, então, ao longínquo ano de 2.300, proposto por Khel, quando cidadãos serão desenlatados em cidade utópica, sem automóveis? Essas foram algumas das preocupações que permearam as falas do debate Que cidade queremos? Apontamentos para o futuro da cidade, ocorrido na sexta-feira (13/6), em São Paulo, que também contou com a presença da arquiteta e urbanista, Ermínia Maricato, do deputado estadual carioca (Psol), Jean Wyllys, do escritor Paulo Lins e do secretário de Cultura de São Paulo, Nabil Bonduki, além da mediação do jornalista Leonardo Sakamoto.

Pasárgada

Seguindo a toada lírica, o deputado estadual Jean Wyllis, usou a cidade persa de Pasárgada, imortalizada como lugar ideal irônico no célebre poema de Manuel Bandeira, para descrever a relação dos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) com a grande cidade. Encurralados pela moral conservadora e pela eterna vigilância das pequenas vilas, as grandes metrópoles significam uma possibilidade de refúgio no anonimato para as pessoas sexualmente diversas. Um lugar para se inventar longe de olhares e julgamentos e, assim, refazer a si mesmos, enquanto – quem sabe – reinventam o espaço urbano.

“Nós gays encarnamos desde sempre a cidade rebelde”, anuncia Jean. “Antes mesmos de outros coletivos se levantarem, nós LGBTT já disputávamos a cidade por livre convivência, respeito mútuo e liberdade. Não com a consciência de classe, mas com a consciência de coletividade. E já éramos, apesar de tanto não, de tanta dor que nos invade, a alegria da cidade”, afirma, sem esquecer que a violência contra LGBTs vitima milhares de pessoas por ano.

"Nós gays
“Nós gays encarnamos desde sempre a cidade rebelde”.

Para Wyllys, é necessários lutar por políticas públicas que dissolvam a tensão e o ódio e que garantam segurança para que se possa viver na diferença no espaço de todos, por uma cidade “que permita expressar nosso afeto em todas as praças”. Mas, infelizmente, essa cidade segura é uma realidade distante para grande parte dos cidadãos brasileiros que são vitimados por quem deveria protegê-los: o Estado.

Seguindo a fala do deputado, o escritor Paulo Lins, tenso e preciso, revelou sua opinião: “As cidades ficariam melhores se não houvesse polícia. E não é porque eu sou bandido. É porque eu sou negro. E é uma história triste, depois da escravidão, da guerra, ter que escutar da sua mãe pra não correr se a polícia chegar, senão é morte em qualquer capital ou cidade do país e do mundo”, lamenta o escritor.

O caso do menino Eduardo, de dez anos, que foi fuzilado pela polícia no Morro do Alemão sempre aconteceu. A polícia segue matando negros. Eu fico pensando que, para viver, você precisa comer, beber e dormir. Mas se você for negro, você tem que sobreviver à polícia também. Medo de bandido é normal, todo mundo tem. Mas dos dois é complicado. Então, se tirar a polícia, pra mim já fica de bom tamanho”, arrematou, de forma sucinta, o autor do best-seller “Cidade de Deus”.

Cidade-mercadoria

Enquanto Jean e Paulo focaram suas intervenções na questão dos sujeitos marginalizados na grande cidade, os urbanistas Nabil Bonduki e Ermínia Maricato, buscaram entender as razões pelas quais as cidades brasileiras se tornaram o que são hoje. Bonduki centrou sua intervenção na crítica ao modelo rodoviário das metrópoles, onde as cidades e espaços são planejados em função do automóvel.

“Eu venho da perspectiva do urbanismo de pensar em alternativas às cidades que nos são apresentadas. Nós temos a anti-cultura dos automóveis, que garante para a minoria que está atrás do volante amplos espaços e deixa todos os demais literalmente a pé. A utopia de uma cidade para todos, nesse sentido, é inviável sem pensar uma mobilidade igualitarista”, aponta Bonduki, que também acredita que há uma nova forma de se fazer e pensar cidade em curso.

“Os cidadãos têm saído de suas zonas de conforto para ocupar a cidade. E daí surgem conflitos, pois num lugar desigual, o público é um lugar tenso. Essa tensão é expressa na rejeição que as ciclofaixas e os corredores de ônibus enfrentam, uma vez que elas estão questionando a apropriação privada do espaço público das ruas”, analisa o urbanista.

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“Nós temos a anti-cultura dos automóveis, que garante para uma minoria amplos espaços e deixa os demais a pé”.

Já Maricato, afirmou que a urbe é o resultado de uma disputa “surda e ferrenha” daqueles que querem lucrar com a especulação do solo urbano. “Tudo o que a sociedade produz é apropriado por poucos”, diagnosticou. Para ela, é necessário romper o “analfabetismo urbanístico” e entender a dinâmica para agir e lutar.

“Enquanto os sábios debatem a incerteza, os ignorantes atacam”, resumiu a urbanista, lembrando de Millôr Fernandes. “Temos que abandonar a inocência e entender que essa cidade que segrega e mata o jovem negro, foi construída assim. Todos querem uma cidade igualitária, pacífica e não-racista, mas para isso é preciso batalhar pela terra, pela aplicação da função social da terra e democratização espacial do urbano.”

Conselhos para o prefeito

Após a discussão, instigados por perguntas da plateia, sobre o crescimento do ódio e da intolerância nas redes e nas ruas, os palestrantes foram convidados a dar conselhos para o prefeito Fernando Haddad (PT), que subiria ao palco do “Cidades Rebeldes” para o encerramento do seminário. Confira abaixo o que cada um reivindicou para que São Paulo se aproxime da cidade que se quer.

 Jean Wyllys

“Não tenha medo da impopularidade e faça o que tem que ser feito.”

Maria Rita Kehl

“Continue e não ceda na política de corredores de ônibus e de bikes, para que a cidade deixe de ser pensada só para automóveis.”

Paulo Lins

“Se tem uma coisa que eu gosto de São Paulo é a literatura e a literatura de periferia da cidade é fantástica, com expoentes como Ferréz, Sérgio Vaz e Marcelino Freire e seus incontáveis saraus. Uma vez o Férrez me pediu para ajudar a fundar uma biblioteca numa casinha do Capão Redondo e até hoje ela é super procurada. Então eu queria pedir mais bibliotecas na periferia para que esse movimento continue.”

Ermínia Maricato

“São Paulo é composta por ’39 municípios’, mas 79% dos empregos estão no município central. Então temos que ver que a questão é metropolitana e não dá pra resolver nada sem olhar o todo. Eu gostaria também que a gente cobrasse mais esse governador, porque não é possível afundar a Sabesp, a Eletropaulo e a USP e ficar nesse silêncio.”

Nabil Bonduki

“É muito bom que tenhamos espaços importantes como o Teatro Municipal e as bibliotecas centrais, mas precisamos democratizar o acesso a cultura. Eu pediria ao prefeito que me ajudasse a olhar para a periferia e suas casas de cultura.”

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