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publicado dia 7 de julho de 2015

Educação patrimonial é aprender com o mundo e a cultura que construímos

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Uma gíria, um modo de afinar um cavaco, um causo, uma história de pescador. Uma velha construção, uma receita de bolo de fubá com erva doce, um bom lugar para pescar. Uma feira, uma rua, uma cadeira, um quadro, uma celebração, uma paisagem, uma velha canção de trabalho, uma cantiga de ninar. Um museu, uma canção de rap. Tudo isso – e esse inventário nunca para de crescer – faz parte do patrimônio cultural brasileiro, segundo nossa Constituição Federal, de 1988.

Como usar este amplo inventário como instrumental pedagógico? Como tornar simbiótico o conhecimento da memória e cultura de um povo em processos educativos? Como tornar a escola agente do imaginário do país?

Artigo 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I. as formas de expressão;

II. os modos de criar, fazer e viver;

III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV. as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”

Esse é um dos desafios do conceito de educação patrimonial, um instrumento e uma metodologia de conhecimento da cultura, que incentiva a leitura do mundo que nos cerca, de nossas relações com nosso ambiente. Ou como define a publicação “Educação Patrimonial: Histórico, conceitos e processos”, do IPHAN:

“(…) a Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural.”

Política nacional

Desde 2007, o Programa Mais Educação – que propõe a ampliação da jornada escolar e a diversificação das oportunidades educativas para as escolas públicas brasileiras – tem na educação patrimonial um de seus campos de atuação. “O que nos atraiu ao Mais Educação foi o conceito de Cidade Educadora, essa ideia de que a educação não acontece só na escola, mas nos espaços de vida das pessoas, no bairro, na roça, na aldeia, no quilombo, na cidade. Porque a gente trabalha esse conceito do patrimônio cultural ancorado no espaço de vida, que vai ao encontro desse conceito”, afirma Sônia Rampim Florêncio, Coordenadora de Educação Patrimonial do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Ao todo, 1639 escolas brasileiras aderiram ao currículo da educação patrimonial e receberam kits e verbas para levar adiante seus projetos. Em Olinda, cidade histórica de Pernambuco, por exemplo, todas escolas abraçaram a educação patrimonial. “O programa federal empodera as escolas para que elas definam o que é o seu patrimônio, fornece o ferramental para que elas façam um processo de pesquisa e registro, que vai além do que é consagrado, do que o Estado reconhece. As crianças e professores precisam partir do que têm em suas comunidades, seus lugares, objetos, celebrações, formas de expressão e saberes”, defende Florêncio.

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Segundo a coordenadora, que foi co-autora da cartilha sobre Educação Patrimonial para o Programa Mais Educação, do Manual de Aplicação e das Fichas do Inventário, há que se ter uma noção não instrutivista ao se falar de patrimônio cultural, que se aproxime do entendimento de educação como construção coletiva. “Claro que a visão técnica, o tombamento são importantes, mas a visão do jovem ou do idoso sobre um centro histórico, carregada de afetividade e referências culturais vitais, que mediam o processo de formação dos sujeitos, carregam muitos sentidos e precisam ser levados em conta. Para entender patrimônio cultural, não adianta uma educação bancária.”

Na cidade, para todas as idades

Mas se não é só na escola que se dá a educação patrimonial, tampouco seu único público é o estudantil. Desde 2014, o coletivo de planejamento estratégico Hey Sampa tem aproximado os paulistanos de sua cultura patrimonial. Fundado a partir do desconforto causado pela alienação dos habitantes de São Paulo com sua cidade, o grupo tem buscado criar trajetos e percursos que articulem comunidade, espaço público e olhem para o patrimônio e as memórias escondidas da metrópole.

“A memória e o patrimônio são direitos sociais amplos, cuja proteção e valorização devem envolver toda a sociedade. Promover a educação patrimonial para utilização dos espaços públicos da cidade significa, portanto, gerir um sentimento de pertencimento dos paulistanos, valorizando histórias e incluindo os cidadãos que se identificarão como parte integrante de cada uma delas, ampliando assim a qualidade de vida e a percepção de valores sobre si mesmo”, acreditam Paula Dias e André Rocha, do Hey Sampa.

Para concretizar essa tarefa, o coletivo vem promovendo passeios, eventos, palestras e exposições, além de jornadas patrimoniais fotográficas no Bixiga e em Itaquera. Caminhadas pelo centro de São Paulo, debates na Casa Mario de Andrade, na Barra Funda, onde o Iphan foi fundado em 1934, também integram as ações. No 8 de maio, uma articulação do Hey Sampa com outros grupos que atuam em São Paulo reuniu voluntários, que percorreram a cidade coletando olhares e histórias de paulistanas para serem estampados no muros da capital.

Museu pra dentro e pra fora

Dentre todos os espaços possíveis para aprender com nosso patrimônio intangível, um deles sempre foi consagrado a este fim: o museu. Roteiro habitual de visitas escolares, seu espaço e seu acervo podem ser explorados de diversas maneiras.

“A aproximação do indivíduo ao seu patrimônio pela educação que, no caso do museu, se dá pelo acervo, está ligado à aproximação do indivíduo com a sociedade. Se o museu traz, como a Pinacoteca, um acervo nacional, você passa a entender seu pertencimento, algo produzido por sua comunidade e que te inclui”, avalia Denyse Emerich, coordenadora de Programa Educativo da Pinacoteca de São Paulo.

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Para ela, tornar o conteúdo acessível não é abrir a porta e colocar uma rampa, mas ser capaz de interpretar e traduzir diversos códigos culturais em metodologias e ações que aproximarão as obras do público. “Tudo o que a gente faz no museu é educação patrimonial, porque se articula com a memória, não importa qual”, pondera Gabriela Aidar, coordenadora de programas educativos para públicos especiais da Pinacoteca.

Embora reconheça que boa parte do trabalho vai se dar no espaço do museu, Gabriela tenta criar laços e articulações que façam com que o museu possa servir aos processos que estão acontecendo do lado de fora. “A gente tem um trabalho há anos com imigrantes, moradores de rua, idosos, funcionários e habitantes da região, que são convidados para o museu. Tentamos ter um foco em educação não formal, que consiga trabalhar com outros perfis de público”, relata.

Um desses projetos vem sendo desenvolvido na aldeia guarani Tekoá Pyau, que fica no pico do Jaraguá, em São Paulo. Lá, o educativo da Pinacoteca levou seus acúmulos para contribuir com a construção do patrimônio local. Com um grupo de crianças que frequentam um centro de educação infantil, começaram a desenvolver uma publicação bilingue de receitas tradicionais guaranis e trouxeram de volta o jogo da peteca, que já não era mais praticado.

“Essas referências identitárias locais são importante para o fortalecimento da autoconfiança, da subjetividade, dos laços. E experiências como essa mostram que, mesmo dentro de grandes instituições, há espaço para experimentação, que não tem que acontecer necessariamente no museu, mas que podem sim ter desdobramentos que o impactam”, finaliza Aidar.

Cultura contra a desigualdade

Em um país tão diverso quanto desigual, reforçar a potência dos saberes e culturas de determinado espaço ou comunidade, pode ter um papel determinante na desconstrução de estigmas e preconceitos há muito arraigados. Desfazer hierarquias entre alta cultura letrada e saberes populares e trazer à tona conhecimentos soterrados, pode ser um processo profundamente transformador.

No campo da educação, transformar o entorno escolar e o espaço de vida das pessoas em espaço educativo, além de legitimar discursos, fortalece os membros de uma comunidade e dá visibilidade à cultura produzida por ela.

“Todo lugar tem cultura, todo lugar tem patrimônio cultural, ele é o que faz nós sermos o que somos. Quando você traz esse aprendizado para uma área vulnerável, por exemplo, você combate preconceitos e intolerâncias, você mostra que não existe só uma maneira de viver no mundo, só um jeito certo”, conclui Florêncio.

 

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