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publicado dia 28 de agosto de 2015

Destinada a jovens que vivem nas periferias, Agência ÉNois resgata a função social do jornalismo

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Por Kathia Gomes, do Promenino.

“Queremos hackear o jornalismo. Tirar da elite a exclusividade sobre essa produção”, afirma Amanda Rahra, uma das criadoras da ÉNois Inteligência Jovem. Para ela, que comanda a escola-agência ao lado de Nina Weingrill, o jornalismo ainda é o quarto poder. E quem detém o poder, detém a informação. De olho nesta capacidade da mídia de influenciar a sociedade, as duas jornalistas, que hoje se definem também como empreendedoras sociais, conseguiram colocar em prática um sonho antigo: passar este poder para as mãos de adolescentes e jovens da periferia.

Protagonistas desta missão, os alunos da ÉNois pegaram carona no Ônibus Hacker, mais um laboratório tecnológico sobre quatro rodas do que propriamente veículo de transporte, que saiu de São Paulo no dia 6 de agosto rumo a Brasília, para participar do Seminário Recursos Educacionais Abertos. A aventura pelas estradas brasileiras colocou moradores e estudantes de cidades do interior em contato com assuntos que norteiam o país, e incluiu conhecer o Congresso Nacional e participar de audiências com deputados e com o presidente da Comissão de Educação.

No percurso, essa galerinha lançou o Jogo da Política, um game didático que coloca a política no centro das atenções da juventude, mostrando que o tema pode e deve ser prazeroso. O projeto idealizado pela ÉNois é colaborativo também no financiamento, pois foi viabilizado com o apoio de seus seguidores por meio de crowdfunding.

Assim como o Jogo da Política, a ÉNois, sempre com a participação ativa dos alunos, já criou e abraçou diversas causas de transformação social, como o #MeninaPodeTudo, uma iniciativa de conscientização sobre o machismo e violência contra a mulher, a revista “Na Responsa”, publicação inteirinha pautada e produzida pelos jovens repórteres, e o Prato Firmeza: Guia Gastronômico da Quebrada, que dá destaque à culinária da periferia.

ENoisCriada em 2012, a história da ÉNois começou bem antes, em 2009, durante uma oficina gratuita de jornalismo ministrada por Amanda e Nina para alunos do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. A iniciativa deu tão certo que o fanzine original, espaço de expressão dos jovens da região, foi ampliado e hoje é representado na ÉNois Inteligência Jovem, atuante em três áreas: Educação (escola gratuita com aulas presenciais e online), Agência (produção de conteúdo jovem) e Inteligência (criação e viabilização de projetos).

Mas a vocação principal, que perpassa todas elas, é preparar adolescentes para atuação na área de comunicação e de jornalismo. A fim de cumpri-la, a organização pauta-se nos ideais do empreendedorismo social e no efeito multiplicador das suas atividades – postura que fica evidente nas aulas ministradas pela própria Amanda Rahra, na sede da ÉNois, no bairro Armênia, região central de São Paulo.

Dinâmica

No decorrer da aula – que a reportagem do Promenino teve a oportunidade de frequentar por um dia – jovens entre 15 e 24 anos, de bairros periféricos de São Paulo, discutem com naturalidade sobre assuntos considerados tabus na rede de ensino formal. Homossexualidade, racismo, empoderamento social e outros temas despontaram nesta conversa, que tinha como objetivo fazer um balanço das oficinas de fotografia, realizadas com profissionais de destaque do jornalismo.

Inicialmente tímida, uma das alunas compartilhou a reação da sua família ao saber que o seu trabalho teria como foco a homoafetividade entre mulheres. “Minha avó perguntou sobre qual tema seria a minha exposição. Respondi que era sobre o amor entre as mulheres. Ela perguntou se eu estava brincando. Respondi que não. Ela ouviu, ficou refletindo e não disse mais nada”, contou a adolescente.

Outro depoimento tocante, que surgiu no decorrer do encontro, foi o de uma adolescente que declarou ter mudado a forma de ver a si mesma a partir dessas aulas, passando a tratar com orgulho características como seu cabelo crespo e a pele negra.

Empreendedorismo social

O grande diferencial da ÉNois é ir além das limitações dos cursos tradicionais de jornalismo. Na prática, prepara o aluno tanto para o mercado de trabalho, quanto para a vida na qual está inserido, estabelecendo conversas próximas à sua realidade. “O jornalismo é uma ferramenta para a produção de pensamento e para mudanças sociais”, acredita Amanda Rahra. “É um jornalismo para quem gosta de mão na massa”.

Ainda em pleno processo de evolução escolar, os adolescentes mencionados fazem parte de um grupo de 300 alunos que já passaram pelas aulas presenciais da ÉNois, desde o início do projeto, em 2012. Via plataformas online, como o curso de jornalismo oferecido pela instituição, este número supera os quatro mil estudantes. Muitos deles estão inseridos no mercado de trabalho antes mesmo de terminarem o curso.

Um deles, que se tornou uma história de sucesso, é Matheus Oliveira da Silva, de 23 anos. Morador do Parque Santo Antônio, bairro vizinho do Capão Redondo, ele começou no projeto aos 15 anos, e ali se encontrou profissionalmente, ainda que fora da área do jornalismo. “O mais legal da ÉNois é que o objetivo não é somente dar instrumentos para você se tornar um jornalista, como acontece nas escolas e faculdades tradicionais.  Eles querem formar cidadãos, dar ferramentas para você colocar seus sonhos em prática”, relata, mostrando-se firme em seus propósitos. “Eu me encontrei profissionalmente somente após este direcionamento”, afirma.

Na ÉNois, jovens como Matheus encontraram na aquisição do conhecimento sua principal ferramenta de transformação social, impactando inclusive a forma como encaravam a periferia. “A gente fica sabendo que a periferia é bacana. Que a periferia é um lugar rico, inclusive culturalmente”, diz Matheus.

Ele é um dos grandes cases de empoderamento social. Aos 15 anos, estudava e já trabalhava com alguns amigos em uma empresa própria, de confecção de camisetas. Apesar disso, sem orientação, se sentia sem rumo, não estava satisfeito. Foi com a ajuda de Amanda que percebeu que deveria perseguir o sonho de trabalhar com o que realmente gostava: cozinhar.

Daí surgiu o “Prato Firmeza: O Guia Gastronômico da Quebrada”, até hoje um dos projetos mais bem sucedidos da ÉNois. “Verificamos que não havia nenhum guia que falasse da gastronomia na periferia. E assim conseguimos unir jornalismo e gastronomia, minha verdadeira paixão”, lembra Matheus, que depois de se formar passou a trabalhar como cozinheiro sob o comando do renomado Andre Misano, chef do restaurante Vito, em São Paulo, e hoje se prepara para comandar sua própria cozinha em Minas Gerais, para onde vai se mudar neste ano.

Na bagagem, ele carrega o ensinamento de que apropriar-se de suas origens é essencial para encontrar e valorizar a si mesmo. “Eu nunca me senti inferior, mas tinha esses questionamentos, dúvidas. Depois da formação, passei a ir atrás das respostas e batalhar para mudar a situação”, diz ele, que ainda tem em seus planos aperfeiçoar-se em Londres, conhecendo mais sobre a culinária mundial.

Jornalismo “hackeado”

Ao traduzir o trabalho da ÉNois, Amanda usa a expressão “hackear” o jornalismo. O que isso significa, na prática? Que o jornalismo precisa deixar de pertencer apenas a uma classe privilegiada. “Quebramos a regra de que o jornalismo deve ficar somente na mão da elite. Vamos falar a verdade. Em sua grande maioria, quem produz o que acreditamos como verdade é a elite, uma mídia chapa branca e insensível aos interesses de grande parte da população”, afirma Amanda, frisando ainda que “o poder está nas mãos de quem tem capacidade de pensar e refletir sobre os problemas de sua sociedade”.

Na opinião da jornalista Mirella Domenich, diretora da Minibus Media, consultoria em comunicação e gestão para o desenvolvimento, o direito à comunicação é um direito transversal a vários outros direitos. “Com as redes sociais e equipamentos mais acessíveis, como o celular, a produção da notícia, que antes ficava restrita a um determinado grupo, pode ser produzida por grande parte das pessoas com acesso à internet. Acho que o mais importante disso tudo é que o conhecimento fica mais acessível”, diz ela, demonstrando seu apoio a iniciativas como a ÉNois.

Jornalista e coordenadora do Intervozes, organização que atua há 12 anos pela democratização da mídia no país, Bia Barbosa afirma que as novas tecnologias democratizaram, nas duas últimas décadas, a produção e a difusão de conteúdo. “Agora, a comunidade tem meios de dizer, diretamente, o que aconteceu. Então, o monopólio da informação, do fato, deixou de ser dos veículos tradicionais. O jornalismo foi hackeado. Ou, ainda, foi hackeado em tal medida que essas vozes que produzem conteúdo e se expressam diretamente passaram a ser consideradas fontes do jornalismo tradicional”, ressalta.

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