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publicado dia 9 de dezembro de 2015

Pablo Ortellado: Movimento dos secundaristas deve ser visto como desdobramento do espírito de junho de 2013

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Não bastou a revogação do Decreto nº 61.672 – que regulamentava a reorganização do ensino paulista proposta pelo governo Geraldo Alckmin – para dar fim às ocupações escolares. Contrariando o desejo das autoridades, os estudantes secundaristas afirmam que seguirão com o levante até o cancelamento definitivo da proposta e a criação de um calendário de audiências que se debruce sobre “a verdadeira reforma do ensino”. Os jovens também pedem punição aos policiais militares que agiram com truculência nas manifestações de rua nas últimas semanas.

Se o inevitável momento da desocupação escolar ainda é incerto, já começam a pipocar diversas análises sobre a derrubada do decreto e parcial vitória secundarista diante do governo tucano. Seguindo essa onda, o Portal Aprendiz pediu a opinião do professor de políticas públicas da Universidade de São Paulo, Pablo Ortellado, um dos autores do livro 20 centavos: a luta contra o aumento, que analisa as Jornadas de Junho de 2013, mobilização da juventude brasileira pelo transporte público gratuito e de qualidade.

O professor não deixa de tecer comparações entre os dois levantes. “O movimento dos secundaristas e toda a rede de apoio popular que se formou em volta dele deve ser visto como desdobramento daquele espírito de junho original, de defesa dos direitos sociais por meio de um antagonismo com o Estado”, defende Ortellado, que enxerga nos dois episódios a consolidação de uma nova forma de fazer política no Brasil, longe do sistema partidário. “Me parece que a tendência é os movimentos experimentarem mais esse modelo de pressão política por fora das instituições.”

Em entrevista ao Portal Aprendiz, o professor de políticas públicas da USP, Pablo Ortellado, analisa a mobilização que barrou a reorganização escolar em SP.
Performance de estudantes da EE Maria José durante a Virada Ocupação.

Os estudantes convocaram os apoiadores das ocupações escolares para participar de um grande ato nesta quarta-feira, 9/12, com concentração às 17h no vão livre do Masp, região central de São Paulo. Ortellado observa que é importante encerrar a luta com um sentido de vitória. “Isso fortalece o ânimo e a convicção de que se organizar, reivindicar e, às vezes, colocar a integridade física em risco vale a pena. A consciência desse acúmulo de vitórias nos coloca como protagonistas das conquistas sociais. Muda nosso lugar no mundo e na história.”

Confira a entrevista completa com Pablo Ortellado.

Portal Aprendiz: Após protestos de rua, ocupações de escola, trancamentos de avenidas e um necessário debate público lançado pelos estudantes secundaristas sobre a proposta de reorganização, qual é a importância política desse movimento para a educação praticada no estado de São Paulo?

Pablo Ortellado: Esse movimento dos estudantes, embora tenha uma gênese própria, só pode ser entendido no contexto dos desdobramentos mais profundos da fissura aberta por junho de 2013. Junho pode ser descrito como uma espécie de levante popular anti-institucional por mais direitos sociais. Nesse sentido, o movimento dos secundaristas e toda a rede de apoio popular que se formou em volta dele deve ser visto como desdobramento daquele espírito de junho original, de defesa dos direitos sociais (neste caso, do direito à educação) por meio de um antagonismo com o Estado. É muito diferente da lógica que vigorava até então, em que movimentos sociais eram diretamente implicados num partido político (o PT) e agiam por meio dele na defesa dos seus interesses.

Aprendiz: Acredita que esse movimento dos secundaristas consolida um legado de junho de 2013? E como você analisa o prosseguimento dessas reivindicações estudantis a curto prazo?

Ortellado: Acho que o protesto dos estudantes segue a trilha aberta por junho – defender direitos sociais em antagonismo e não trabalhando em parceria com o Estado. Acho também que a enorme solidariedade que o movimento recebeu e que é atestada pela pesquisa do Datafolha (55% dos entrevistados aprovaram as ocupações) mostra que a população apoia tanto a defesa dos direitos sociais como o modo de se defender esses direitos, sem vinculação e até em oposição aos partidos políticos. Esses dois princípios são uma espécie de consenso na sociedade desde junho de 2013 e é por isso que a solidariedade com os estudantes veio também de grupos e pessoas que não estão no círculo de influência da esquerda.

Quanto aos desdobramentos, tudo depende das opções táticas dos estudantes. A bem da verdade, eles já ganharam a batalha principal. Ao contrário de outros países que viveram eventos parecidos com o junho brasileiro (Argentina em 2001/2002 e Espanha em 2011), aqui esse ativismo cidadão apartidário e pró-direitos não foi muito abraçado pela esquerda, o que permitiu que em muitos momentos grupos de direita tentassem canalizar e direcionar essa insatisfação. Agora, parece que temos um contraponto importante à esquerda.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, o professor de políticas públicas da USP, Pablo Ortellado, analisa a mobilização que barrou a reorganização escolar em SP.
Ato no último sábado em apoio à mobilização dos secundaristas tomou a Avenida Paulista.

Aprendiz: Após quase um mês de ocupações, os estudantes demonstraram que querem participar diretamente das decisões nas escolas, sem representação ou intermediários; que possuem propostas para o ambiente escolar (que vão do uso da biblioteca, passando pela merenda, até a pintura das paredes, manutenção dos jardins); que são capazes de abrir a escola para as comunidades (nunca tanta gente conseguiu participar do cotidiano de uma escola); e que podem definir o que faz sentido para o seu aprendizado. Na sua opinião, quais serão os impactos dessas vivências no cotidiano escolar? E na vida desses jovens?

Ortellado: A ocupação foi uma apropriação da escola pelos estudantes e pelos vizinhos, num sentido forte. Se os secundaristas conseguirem manter esse espírito – e isso depende deles saberem encerrar bem a luta, com um claro sentido de vitória – acho que o cotidiano vai sofrer grandes mudanças, com o envolvimento político e a fiscalização dos estudantes e com o forte apoio e colaboração dos vizinhos. Não vou me surpreender se houver também transferência de matrículas das escolas privadas para as públicas.

Aprendiz: Além da queda na popularidade e da falta de apoio da opinião pública em relação ao fechamento das escolas, o governador revogando o decreto que viabilizava a reorganização e afastando o secretário de educação Herman Voorwald. A seu ver, como Geraldo Alckmin sai desse episódio?

Ortellado: O governador sai derrotado. Ele não só perdeu apoio da opinião pública nesse episódio – a defesa da reivindicação dos estudantes era tão forte que ele perdeu apoio ao governo como um todo. Os governos tucanos quase não sofreram derrotas políticas nos longos anos em que têm governado o estado de São Paulo, mas todas as derrotas importantes que sofreu vieram de grupos de jovens majoritariamente apartidários protestando por fora de instituições em defesa de interesses legítimos. Aconteceu com a ocupação da reitoria da USP em 2007, com a redução das passagens em 2013 e agora com a reorganização escolar em 2015.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, o professor de políticas públicas da USP, Pablo Ortellado, analisa a mobilização que barrou a reorganização escolar em SP.
Nesta quarta-feira acontece mais uma manifestação em defesa das ocupações.

Aprendiz: O que isso mostra sobre o sistema político brasileiro? Essa geração, como você já citou, não quer conchavo com nenhum partido. Ao mesmo tempo em que cresce a rejeição ao sistema partidário, você também vê um crescimento do desejo de autonomia política?

Ortellado: O Brasil tem a mais ampla e bem sucedida experiência de partido-movimento, que é o PT. É um partido construído por meio da federação dos movimentos sociais (ao contrário de outras experiências social-democratas onde o partido entrava para controlar e dar linha aos movimentos), de baixo para cima, com grande capilaridade territorial e com grande diversidade (movimento negro, movimento de mulheres, movimento sindical, associações de bairro, rádios livres, etc.). Esse experimento de partido-movimento optou por dar prioridade à disputa institucional por meio das eleições em algum momento entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, conseguindo alguns avanços significativos em políticas sociais, mas convertendo-se num partido político relativamente convencional.

Por isso, ao contrário de outros países onde o ciclo de protestos globais de 2011-2013 deu origem a novos partidos políticos que buscam dar expressão institucional à luta, aqui isso não aconteceu com muita força (e acho que não vai acontecer). Me parece que a tendência é os movimentos experimentarem mais esse modelo de pressão política por fora das instituições.

Aprendiz: Você falou sobre a importância de “encerrar bem a luta”. O que isso significa?

Ortellado: Para que os movimentos possam ter desdobramentos positivos, eles precisam reconhecer os seus resultados. Muitas vezes, eles não veem e a leitura retrospectiva é a de que foi um equívoco ou de que a luta, no final das contas, não serve para nada. Podemos pegar os três exemplos de derrotas do PSDB pelos estudantes. Uma parte considerável dos estudantes que ocupou a reitoria da USP em 2007 sentiu que a ocupação saiu derrotada, muito embora as principais reivindicações tenham sido atendidas; em junho, não só São Paulo revogou o aumento das passagens, como 70% dos brasileiros que vivem em médias e grandes cidades tiveram a tarifa reduzida – mas, apesar dos ganhos concretos, houve muita gente que pensou que junho só serviu para entregar a rua para grupos de direita antidemocráticos.

Agora, os estudantes repeliram um processo de fechamento de escolas dado como certo (por quanto tempo, é uma questão em aberto). É importante encerrar a luta com um sentido de vitória. Isso fortalece o ânimo e a convicção de que se organizar, reivindicar e, às vezes, colocar a integridade física em risco vale a pena. A consciência desse acúmulo de vitórias nos coloca como protagonistas das conquistas sociais. Muda nosso lugar no mundo e na história.

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