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publicado dia 9 de maio de 2016

“Precisamos pensar em saídas coletivas para a cidade”, afirma geógrafa

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São Paulo foi construída para as classes médias e elites, em uma perspectiva rodoviarista. A cidade foi vítima de uma situação que a colocava de refém e sócia da indústria automobilistica. Em uma cidade com 96 distritos, menos da metade têm equipamentos culturais e os fomentos para a cultura são mal distribuídos. O planejamento urbano caótico deu luz à uma cidade cindida entre condomínios murados e moradias precárias. No meio dessa fragmentação segregada, como reverter esses padrões e se aproximar da cidade que se quer?

Partindo dessas perguntas – e sem oferecer respostas definitivas – ocorreu a primeira Roda de Conversa “Direito à cidade: Espaço público, liberdade de expressão e equidade”, que, falando de mobilidade, exílio urbano, espaço público, liberdade de expressão, manifestações sociais artísticas e culturais, estratégias de resistência, lei de fomento à periferia, buscou encontrar caminhos, curvas e roteiros de uma outra cidade.

Esta foi a primeira das duas rodas ocorridas na última sexta-feira, 6/5, na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), sobre desigualdades urbanas, promovidas pela Fundação Tide Setúbal e pela Folha de S. Paulo. Elas fazem parte do seminário internacional “Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca de Equidade”, que acontecerá no dia 14/6. Para saber o que aconteceu no debate sobre educação e território, confira a matéria “Cidade educadora: aliar educação e território é fundamental para reduzir desigualdades sociais’. 

Abrindo a conversa, Neli Aparecida de Mello-Théry, livre-docente em Geografia, professora da EACH-USP e pesquisadora associada no Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, traçou um panorama das cidades brasileiras contemporâneas e apontou suas patentes desigualdades, fragmentações e segregação. “Como eu posso falar de cidade se ela é um juntado de fragmentos?”, perguntou-se, ao ligar o argumento à proliferação dos condomínios murados, “uma anti-cidade, com os 30 a 70% das populações em habitações sub-normais” nos grandes centros urbanos brasileiros.

“Para além dos assentamentos inordenados e da falta de planejamento, até as políticas públicas podem corroborar com essa cultura segregada. O que o Minha Casa, Minha Vida, programa de habitação do governo federal, quer dizer quando cria assentamentos enormemente distantes dos centros urbanos? Nós precisamos ocupar as ociosidades antes de construir novas moradias”, criticou.

A geógrafa defendeu o estímulo a assentamentos humanos sustentáveis, um maior investimento em metrô e na descentralização das cidades como ferramentas essenciais para garantir uma qualidade de vida. “Precisamos pensar em cidades que saiam das soluções individuais e se proponham coletivas, saudáveis e sustentáveis.”

Cidade média

Seguindo o debate, Eduardo Vasconcellos, diretor do Instituto Movimento de São Paulo e assessor da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), atacou a questão da divisão do espaço público na cidade de São Paulo. Ele criticou a exclusividade do automóvel nas vias de cidade, que chamou de um “espaço escasso, pago por todos, mas consumido por uma minoria motorizada”.

“Foi um investimento público de mais de 50 bilhões de reais para construir as ruas da cidade, 17 mil quilômetros de ruas. Os automóveis consomem 80% delas. Cada pessoa num carro ocupa dez vezes mais espaço que uma em um ônibus. É dessa desigualdade histórica que estamos falando. Nossos governos são sócios e reféns da indústria do automóvel”.

Segundo o engenheiro, tal modelo é insustentável e as novas gerações já perceberam a armadilha. “Nosso governo fez as cidades para as classes médias, que usam massivamente o automóvel, numa perspectiva elitista. Mas isso, qualquer país mais avançado sabe, é insustentável. Persistimos na política de construir inutilmente viadutos e túneis e agora precisamos reconhecer que engenheiros não sabem tudo de cidade. Precisamos assumir que a mobilidade é um direito de todos e equalizar nossa cidade entre quem precisa circular”, afirmou.

“Seviralogia”

Nessa cidade, porém, há problemas de circulação que vão muito além da questão viária e fundiária e, no entanto, não deixam de refleti-la. Para discutir essas questões, Elaine Mineiro, do coletivo NoBatente e integrante do movimento cultural das periferias que luta pela Lei de Fomento às Periferias, e Antonio Eleilson Leite, historiador, programador cultural e coordenador de cultura da Ação Educativa, debateram os desafios de uma cultura periférica e popular, que batalha para se afirmar longe dos centros, no que Elaine qualificou como “seviralogia”.

“Os movimentos de periferia sempre se garantiram como dava, ocupando e resistindo. A gente nunca deixou de produzir por falta de verba, mas há uma distribuição perversa da grana. Enquanto um grupo de periferia tem que batalhar para conseguir 30 mil reais no VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), que nós conquistamos com muita luta, os teatros do centro recebem 700 mil reais por edital. Quando a cultura oficial chega na periferia, é sempre numa perspectiva colonizadora, ou seja, trazendo o centro para cá e não valorizando o que já temos”, protestou.

Ela valorizou a articulação em rede, que tem se mostrado uma ferramenta útil para coletivos de toda as periferias da cidade perceberem que estão no mesmo barco, enfrentando as mesmas dificuldades e acalentando os mesmos sonhos. É desse esforço que saiu a mobilização pela Lei de Fomento às Periferias. Formulado coletivamente, o Projeto de Lei que trâmita na Câmara dos Vereadores oferece, em duas edições por ano, prêmios de 100 e 300 mil reais para coletivos que atuam nas bordas da cidade, com um inédito orçamento anual de 14 milhões de reais.

Cultura que circula

“A gente sabe que, assim que for aprovado, o projeto já estará ultrapassado, obsoleto. Mas é um chamariz histórico para uma questão urgente”, analisa Elaine, ressaltando o caráter coletivo e colaborativo do PL. desde maio de 2008 organiza a Agenda Cultural da Periferia, que já distribuiu mais de um milhão de exemplares.

“De 96 distritos da cidade, só 20 estão no Guia da Folha de S. Paulo. O resto da cidade é o quê? Um deserto cultural?”, provocou. “Se ninguém faz pela periferia, ela faz para si própria. A nossa agenda é causa e efeito da cena cultural da periferia. Uma vez que os grupos se veem como redes, como movimento, eles vão ampliando suas formas e superando a segregação simbólica”, aposta Leite, responsável desde maio de 2008 pela Agenda Cultural da Periferia, que já distribuiu mais de um milhão de exemplares pela cidade.

Desde que a Agenda Cultural começou a ser formada, segundo ele, iniciativas isoladas se viram reunidas. Ele cita, como exemplo, a Associação de Rodas de Samba que começou a se formar a partir da constituição da Agenda. E se faltam espaços culturais estabelecidos, não faltam oportunidades para criar. “A escola é um espaço cultural e ela tem que ser vista assim. Quando isso acontece, ela rejuvenesce e dialoga com o território”, finaliza.

 

(Foto que ilustra essa matéria é de R. F. Pereira, via Flickr/Creative Commons)

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