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publicado dia 1 de novembro de 2016

Habitat III consolida direito à cidade em documento da ONU

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Nunca a questão do urbano foi tão urgente e central quanto hoje. E nunca será tão necessária quanto amanhã. Acompanhando a crescente migração para as cidades, que desde 2007 abrigam mais da metade da população urbana, coletivos, ativistas, especialistas, movimentos sociais, governantes, urbanistas, educadores/as e cidadãos/ãs têm cada vez mais se articulado em torno desse tema, propondo novas saídas para garantir o direito à cidade e, nesse caminho, enfrentando velhos dilemas.

No esteio desta discussão e destes movimentos, a Organizações das Nações Unidas realizou, entre os dias 17 e 20/10, em Quito, capital do Equador, sua Conferência Mundial para Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, que ficou conhecida como Habitat III. Realizada após inúmeras conferências preparatórias, o momento reuniu ativistas, governantes e organizações de todo mundo para definir o que seria a Nova Agenda Urbana, ou seja, as diretrizes dos signatários das Nações Unidas para suas cidades para os próximos vintes anos.

Artigo 11 da Nova Agenda Urbana

“Nós compartilhamos uma visão de cidades para todos, no que se refere ao uso igual e ao usufruto das cidades e dos assentamentos humanos, visando promover a inclusão e garantir que todos habitantes, do presente e das futuras gerações, sem discriminação de qualquer espécie, possam habitar e produzir cidades justas, seguras, saudáveis, acessíveis, resilientes e sustentáveis, que produzam prosperidade e qualidade de vida para todos. Nós reconhecemos os esforços de governos locais e nacionais para iluminar essa visão, referida como o direito à cidade, em suas leis, declarações políticas e planejamentos”. [Confira a íntegra da Nova Agenda Urbana, em inglês]

Para Marcelo Montenegro, coordenador internacional da campanha Cidade Seguras Para as Mulheres, da Action Aid Internacional, o documento final do encontro trouxe diversos aspectos positivos para as próximas décadas. Dentre eles, destaca-se a inclusão – pela primeira vez em um documento das Nações Unidas – do direito à cidade.

“É um princípio de vitória, porque abre espaço para um diálogo que quer repensar a cidade de uma forma mais coletiva, participativa e inclusiva. Eu considero que essa decisão veio em um bom momento, para criar ações que tratem o urbano a partir das pessoas e não da especulação e de outros interesses”, acredita.

Carolina Guimarães, Coordenadora de Projetos para o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) do Escritório Regional para America Latina e Caribe, destacou a mudança de concepção ao longo das conferências das Nações Unidas, de assentamentos humanos ao desenvolvimento urbano sustentável. “Essa perspectiva é mais ampla e traz o conceito de “habitação no centro da agenda”, ou seja, você tem que garantir a habitação, mas também que ela esteja conectada com a cidade e com os objetivos do Desenvolvimento Sustentável, estabelecendo cada vez mais conversas entre sociedade civil e os poderes locais e nacionais”, sustenta Carolina.

Direito à cidade segura para as mulheres

Dentro da perspectiva de garantia ao direito à cidade, Montenegro celebra a inclusão da questão das mulheres na construção do planejamento urbano, contrariando o que qualifica como uma “lógica masculina do planejamento urbano, reforçada pelas características patriarcais de nossa sociedade”. “Ter serviços públicos que garantam o direito das mulheres à cidade é um passo chave para transformar a cidade em um ambiente para todos e todas”, acredita.

Para ele, com a Nova Agenda Urbana em mãos, cabe trabalhar para implementar as ferramentas e mecanismos de implementação, participação e construção de novas legislações e planejamentos urbanos. Apesar de não ser vinculativa, ou seja, não obriga os países-membros a cumprirem seus objetivos à risca, ele abre espaço para pressão popular e da sociedade civil entre as nações que a ratificam.

Ele cita como exemplo o que já vem sendo feito, por exemplo, em Caruaru, no Pernambuco, onde uma articulação de um grupo de mulheres com as secretarias da prefeitura abriu diálogos intersetoriais com o governo local, que redundou numa Câmara Técnica Intersetorial que deverá trabalhar – com orçamento e execução – na garantia de uma cidade mais segura para suas mulheres.

“Com essa mudança de paradigma, tanto de ações como essa quanto das diretrizes abertas pelo documento, é possível pensar em governos mais abertos para a sociedade civil, que não será pensada como um ator separado. A Índia poderá tomar isso e pensar em espaços públicos mais seguros para as mulheres, na Libéria abrimos conversas sobre iluminação de ruas, na Nigéria estamos abordando a questão do transporte público de qualidade”, projeta Montenegro, que não deixou de lamentar, assim como Carolina Guimarães, a completa exclusão da questão LGBT no documento.

Inclusão do Direito à Cidade no documento pode auxiliar na  abertura de diálogo entre sociedade civil e poder local.
Inclusão do direito à cidade no documento pode auxiliar na abertura de diálogo entre sociedade civil e poder local.

“Infelizmente, ainda são um grupo muito excluído das resoluções da ONU”, pondera Montenegro, que também lamentou que o documento não seja mais incisivo ao discutir remoções forçadas e demonstrou preocupação com a aprovação da PEC 241 no Brasil, que incide diretamente no financiamento de iniciativas que promovem o bem-estar social.

OObjetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), ou a Agenda 2030, elaborada pela ONU e ratificada pelos países membros em setembro de 2015, contém 17 objetivos e 169 metas para construir sociedades mais justas e sustentáveis.

Direito à vida

Gizele Martins, comunicadora, ativista e moradora do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ), também esteve em Quito. Segundo ela, após acompanhar alguns painéis, percebeu que foi a única a levar o debate sobre favelas e sobre questão racial. “Eu via que o direito à cidade ficava muito amplo e vago, sem tocar nas questões chaves e nas particularidades de cada espaço. No nosso país, não dá pra falar isso sem pensar na desigualdade, no recorte de gênero e de raça, ainda mais nesse histórico de Rio de Janeiro que sofre com uma remoção brutal de 77 mil pessoas”, pontua Gizele.

“A questão habitacional e o direito à cidade para nós vai muito além de um debate seco sobre moradia. Vai primeiro na questão do direito à vida que não nos é garantido, na questão racial que afasta a pobreza dos grandes centros, do debate de que o Brasil só olha para as periferias como uma questão de polícia. Para eu ter o direito à cidade, eu preciso de educação, saúde, preciso ser considerada parte da cidade, com cultura própria e com políticas que atendam nossos bairros’, pondera.

A ativista relata que, enquanto moradora de favela, achou interessante ver governantes e secretários discutindo “sobre uma pauta que é minha vida, tirando agendas sobre minha própria existência”, mas acredita na importância de ocupar esses espaços e colocar a sua experiência de cidade para o mundo, assim como trazer o que ouvia de volta para sua militância diária. “A gente quer participações e não políticas públicas pensadas de cima para baixo. Espero que esse momento ajude a gente a construir isso”, finaliza.

(A foto que ilustra essa matéria é de César Gutiérrez, via Flickr/Creative Commons)

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