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publicado dia 16 de dezembro de 2016

Ativistas listam oito desafios das populações migrantes nas cidades brasileiras

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A cultura e sabedoria migrante está mais do que espalhada pelo Brasil – está enraizada. As migrações internas, de norte a sul do país, promoveram espaços e lugares de trocas e resultaram na formação de um caldeirão de cultura, saberes e tradições que dão o tom de um país multicultural e diverso.

Migrações externas também tiveram um papel fundamental no desenvolvimento nacional, contribuindo de inúmeras formas para a expansão do conhecimento. Uma recente onda migratória – muito estimulada por situações de refúgio – continua trazendo riqueza cultural e étnica para as cidades brasileiras.

Portanto, neste Dia Internacional do Migrante (18/12), não faltam razões para comemorar a presença de migrantes de incontáveis origens em solo brasileiro. Por outro lado, não são poucos os motivos para se preocupar com questões que, de tão antigas, soam como repetitivas: dificuldades de integração, racismo, barreiras linguísticas e burocráticas, xenofobia e preconceito que ainda assolam grande parte das pessoas que escolhem sair de sua terra natal em busca de melhores oportunidades de vida.

No início de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2516/15, que instaura uma nova Lei de Migrações em detrimento do antiquado Estatuto do Estrangeiro, estabelecido em 1980, durante a ditadura militar. De acordo com organizações envolvidas na discussão, como a Cáritas, a Conectas e a Missão Paz, o novo documento aborda o tema sob o ponto de vista dos direitos humanos.

Neste domingo (18/12), o evento Que Bom Retiro promove um festival de rua para comemorar a forte presença migrante no bairro central de São Paulo e valorizar as suas múltiplas expressões culturais.

Hoje, por exemplo, migrantes não podem participar de protestos ou sindicatos, correndo o risco de serem expulsos do país ou presos se não estiverem com a situação regularizada. A nova lei, além de garantir o direito à participação em manifestações e entidades trabalhistas, também amplia a política de vistos humanitários, hoje provisória e somente aplicada para sírios e haitianos. A medida permite que pessoas em situação de risco possam solicitar refúgio internacional no Brasil.

O Portal Aprendiz conversou com oito pessoas envolvidas com a temática – desde migrantes a integrantes de coletivos que lutam por mais direitos à essa população e do poder público – para entender como as cidades brasileiras trabalham essa questão em diferentes aspectos. Confira!

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

1# Memória
Miguel Dores, representante do Visto Permanente (natural de Portugal, está no Brasil desde 2013)

Trabalhamos com memória e patrimônio através do acervo artísticos de migrantes que moram em São Paulo e a partir do conceito de direito à cidade. Uma das imposições essenciais que se fazem à migração é que seja temporária, circunscrita em um espaço de tempo. Isso se projeta nas políticas públicas e na forma como o Estado vê, legislativamente, a figura do migrante.

O direito à memória é um direito à ser daqui, em termos culturais, e não dentro de uma visão de aculturação do sujeito migrante, como uma forma de não aceitar o direito do migrante a pertencer a esse espaço, com uma cultura que lhe seja estranha.

Devemos resistir à aculturação e lutar para que os migrantes possam produzir a sua cultura e forma de vida dentro da cidade, construindo um acervo de memórias e expressões artísticas. É preciso trazer outras cidades para a mesma cidade.

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

 “É preciso trazer outras cidades para a mesma cidade”

 2# Cultura

Antonio Andrade, fundador da plataforma Bolívia Cultural (natural da Bolívia)

O direito à cultura é pleno para o ser humano, e o migrante tem que participar dessa plenitude não mais como migrante, mas sim como humano. O respeito e empoderamento da sua cultura em um ambiente estrangeiro deve ser muito mais estimulado, pois isso vai produzir dentro da comunidade uma confiança e conquista da nossa identidade de uma forma muito mais agregadora para a sociedade brasileira.

Se eu como migrante conquisto a minha cultura e posso compartilhar isso com o brasileiro, todos ganhamos. Somos imigrantes a partir do momento em que pudermos manter essa identidade cultural. Se bem estimulada, a cultura vai ajudar o imigrante a produzir mais e melhor, facilitando a sua integração na sociedade.

Um exemplo claro: imigrantes japoneses, alemães e italianos, hoje já bem integrados, agregaram muito ao crescimento da cidade. Nesse momento, falta incentivo ao imigrante latino e africano.

A cultura é a melhor ferramenta para combater o preconceito. Tem esse papel de mostrar como a nossa cultura é semelhante a brasileira, mesmo com distintas facetas. A cultura confirma que somos diferentes, mas ao mesmo tempo que somos iguais.

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

3# Acolhimento
José Martin Pumla, da Missão Paz (natural da Bolívia, está no Brasil há quatro anos)

Temos leis que favorecem os migrantes, mas poucas são cumpridas. Que os façam cumpri-las! Melhor maneira de acolher a pessoa é através da informação, promovendo o conhecimento. Muitas vezes não conhecemos a lei e ficamos quietinhos, sem falar pois não sabemos. O melhor trabalho que temos a fazer é promover essas leis para garantir esses direitos.

Participo da Rádio Migrante, que divulga direitos dos migrantes como Educação, Saúde e Trabalho. Temos um caminho muito longo para percorrer ainda.

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

4# Gênero
Jobana Moya, da Equipe de Base Warmis – Convergência de Culturas (natural da Bolívia, há nove anos no Brasil)

A luta do movimento imigrante  tem sido fundamental para a construção de políticas públicas  na cidade de São Paulo, porém precisamos que se inclua a interculturalidade como eixo transversal, já que os imigrantes trazem consigo a sua cultura – e ela deve ser contemplada tanto na construção como na implementação de políticas públicas.

Para termos uma cidadania plena precisamos ter direito ao voto, caso contrário seguiremos sendo cidadãos de segunda classe. 

Seja homem ou mulher, qualquer migrante é discriminado. Sendo mulher – porque existe o machismo em todo o mundo – claro que somos mais discriminadas e invisibilizadas. O homem migrante vai ter um pouco mais de coragem de falar e sair na cidade, mas as mulheres imigrantes não. Se para as mulheres locais  já é difícil, então para as mulheres imigrantes e refugiadas é ainda mais. Atualmente, no entanto, as mulheres imigrantes jogam um papel importante, dando visibilidade à discussão de acesso à direitos e respeito à nossa diversidade cultural.

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

5# Participação social

Veronica Yurja, coordenadora do Si Yo Puedo (natural da Bolívia, está no Brasil há 25 anos)

O direito de migrar sempre existiu e sempre vai existir. Por isso, se uma cidade começar respeitando esse direito, ela vai respeitar mais os direitos humanos. A cidade deve ter garantias mínimas para aqueles que estão em condições vulneráveis, independente de ser migrante ou não. Uma cidade que respeita isso deveria valorizar o bilinguismo e respeitar a interculturalidade e as novas culturas que estão chegando.

Como o Brasil ainda tem uma legislação antiga como o Estatuto do Estrangeiro, a participação social está tolhida. É uma legislação retrógrada, na qual os migrantes não têm direito nem a se manifestar.

A participação social das comunidades migrantes tem sido apoiada nos últimos anos em São Paulo, com iniciativas de cultura, direitos humanos e educação. Se o direito político do voto for estendido para a gente, ajudará muito também.

A nova lei aprovada pelo Congresso ainda não é ideal. Ela traz um viés de direitos humanos, mas em outros pontos oficializa práticas como deportação. Ou seja, ainda precisa ser refinada, mas pelo menos indica uma perspectiva de mudança.

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

6# Gestão Pública e direito à cidade
Guilherme Otero, coordenador adjunto da Coordenação de Políticas para Migrantes, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania

A gente estruturou boa parte das políticas públicas de forma que não fossem só ações pontuais e temporárias, mas que pudessem ter uma permanência e continuidade. Antigamente a migração era tratada sempre de forma fragmentada e pontual, e não permanente.

Temos cinco ações que foram estruturantes nesse processo: a criação da coordenação dentro da SMDHC, com uma equipe técnica e orçamento específico dedicado ao tema; a criação do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes; os centros de acolhida com quase 600 vagas somente para imigrantes e refugiados; a lei que institui a Política Municipal para a População Imigrante; e a criação do Conselho Municipal de Imigrantes. Esperamos que essas ações estruturem e deem diretrizes para que o município siga respeitando os direitos dessa população. 

Ao longo dos últimos quatro anos, fizemos ações em conjunto com a coordenadoria de direito à cidade, justamente para promover a ocupação do espaço público por migrantes e coletivos culturais. Uma ação na Praça Kantuta, tradicional ponto de ocupação da comunidade latina, levou durante seis meses oficinas, apropriação do espaço, hortas comunitárias. Também buscamos regularizar uma série de feiras gastronômicas e culturais da população migrante em São Paulo, como na rua Coimbra, no Largo do Rosário e na Vila Prudente.

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

7# Infâncias Migrantes
Daniela Guimarães, idealizadora do Coral Somos Iguais

Através da música, a gente oferece oportunidade de crianças refugiadas interagirem em uma convivência de diferentes culturas, fortalecendo a imagem que essas crianças têm de si mesmas e da comunidade imigrante no geral. Acredito que, além de ser uma oportunidade de se profissionalizar, o Coral pode fortalecer o respeito mútuo, mostrando para todos que as diferenças podem ser administradas de forma pacífica.

O coral é formado por 21 crianças de Angola, Congo e Síria. Todos são filhos de refugiados. Elas dizem através da música o que sentem e dão exemplo de como conviver pacificamente com diferentes culturas e religiões.

No Dia Internacional do Migrante, conversamos com pessoas envolvidas com o tema para entender como uma metrópole como São Paulo entende a migração.

8# Acesso aos bens culturais
Marília Bonas, diretora do Museu da Imigração

Devemos garantir que todo cidadão – migrante ou não – se sinta no direito do usufruto pleno da cidade, garantindo sua segurança e direito de expressão.

Um segundo ponto é, de fato, ampliar a acessibilidade – sob diferentes pontos de vista – do que é já oferecido com a valorização de pontos/centros de informação virtuais ou físicos sobre a programação da cidade (com materiais em diversas línguas), destaques da programação (com gratuidades e preços) e mapas de transporte público, por exemplo.

No caso das instituições culturais, o desafio além de garantir a acessibilidade física, é ampliar a acessibilidade intelectual e linguística para os mais diversos públicos, com textos que proponham diversos tipos de experiência e interpretação, nas várias línguas usadas na cidade, por exemplo.

(Todas as fotos desta reportagem foram feitas durante o Fórum Social Mundial das Migrações de 2016, em São Paulo)

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