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publicado dia 18 de janeiro de 2017

Guerra de tinta: artistas reagem ao Cidade Linda

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Colorindo as ruas de São Paulo há quase duas décadas, o grafiteiro Marcus Vinícius Enivo passou por uma situação inédita no início de 2017: enquanto exercia seu trabalho nos arredores da Avenida Eusébio Matoso, na zona oeste da cidade, uma equipe de segurança privada abordou o grupo que o acompanhava, ameaçando os artistas e até mesmo dando tiros de revólver para o alto.

Se pintar as paredes, muros e construções da cidade nunca foi tarefa fácil, o cerco aos artistas de rua promete crescer durante a gestão de João Dória Jr. (PSDB) à frente da Prefeitura Municipal de São Paulo. Em menos de 20 dias de mandato, o empresário eleito na capital demonstrou que a intenção de tornar a cidade monocromática não ficará apenas no papel. Em ações do programa Cidade Linda, pintou paredes de bege, apagou grafites com o próprio punho e declarou guerra à pichação.

“Acredito que o problema não está em apagar o grafite e nem a pichação, pois são expressões efêmeras que a cidade recicla naturalmente”, afirma Enivo. “O que me incomoda é a forma como a gestão se refere aos grafiteiros e pichadores. Acho que ao prefeito faltou informação, estudo e pesquisa sobre arte urbana e contracultura. O seu discurso está muito ofensivo e repercute diretamente na população.”

Em vídeo de divulgação do Cidade Linda, Dória convoca os cidadãos para se tornarem “fiscais” da pichação e do grafite, estimulando-os a delatar artistas de rua para a Guarda Civil Metropolitana e para a Polícia Militar. Também prometeu criar um “grafitódromo” na Mooca.

Enivo relata que, para além do episódio do tiro para o céu, pedestres e motoristas vêm hostilizando seu trabalho. “Como artista urbano, estou com medo e receio de trabalhar na rua. Nunca me enxerguei como um vândalo. Esse discurso está gerando mais guerra e conflito do que paz e entendimento.”

O Portal Aprendiz conversou com Enivo e outros três artistas de rua para entender como analisam o cenário instaurado na arte urbana de São Paulo.

O Portal Aprendiz conversou com artistas de rua para entender como eles analisam o cenário de conflito que está se instaurando na arte urbana de São Paulo.
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Cidade como plataforma de conhecimento, por Tim (ou Wellington Neri), do Imargem

“Vejo que o novo prefeito não tem conhecimento sobre a cidade e suas questões. Está bancando um posicionamento midiático e publicitário para maquiar a cidade com a sua visão de beleza. Em uma metrópole com tantos problemas, por que ele quer se debruçar sobre isso?

A postura de guerra não é saudável para ninguém. A gestão se equivoca quando não tenta compreender esses fenômenos e entender o que já acontecia na cidade, que é um polo potente de arte urbana – e isso vai muito além da estética. Trata-se de uma cultura de arte, educação e música que surge nos guetos modernos que são as periferias.

Ele poderia construir a cidade com as pessoas. O pichador tem um olhar específico para a cidade, com um acúmulo que vem da negação de direitos e isso culmina em intervenções estéticas. Ignorar essa produção cultural é um erro, e certamente haverá resistência, pois a rua vai cobrar.

A cidade é uma plataforma de conhecimento

A cidade é uma plataforma de conhecimento, e esse potencial não pode ser descartado. Dentro do Imargem, temos alguns trabalhos que envolvem percursos educadores e trilhas urbanas, pois São Paulo é muito mais do que uma cidade cinza.”

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Muros para mulheres, por Itzá (ou Carolina Teixeira), grafiteira

“O grafite em São Paulo tem uma história bem complexa, com muitas vertentes e formas de pensar e fazer arte urbana. Atualmente, o processo de ocupação das ruas pelas mulheres está mudando o grafite, resgatando outras histórias e propondo outros caminhos.

A rede de mulheres está se fortalecendo, então hoje em dia é um contexto melhor para pintar, para colocar nossa estética e nossas questões. Acho que a relação com a forma como estamos aprendendo também está mudando, uma aprendendo com a outra, uma mulher puxando a outra. A hostilidade que antes impediu muita menina de se expressar está diminuindo.

A arte urbana oxigena a cidade, bota as contradições na rua, escancara a desigualdade. As declarações agressivas do novo prefeito são um reflexo do que a gestão trará para a discussão sobre o espaço público: meritocracia, higienização e privatização.”

O Portal Aprendiz conversou com artistas de rua para entender como eles analisam o cenário de conflito que está se instaurando na arte urbana de São Paulo.

Guerra de tintas e cores, por Marcus Vinícius Enivo, artista de rua independente

“Tenho certeza que essas medidas não acabarão nem com o grafite nem com o pixo. Eles vão se modificar – os trabalhos vão ter que ser feitos cada vez mais rápido e esteticamente ficarão mais feios, pois a repressão está forte. Não é apagando o grafite e maquiando a cidade que o prefeito vai sanar os seus problemas.

O ‘pixo’, aliás, é uma denúncia de todos os problemas que vivemos aqui. É um protesto, nosso grito mudo e calado. Nossa expressão. Inclusive, a arte urbana de São Paulo é valorizada em todo o mundo e um exemplo de como o fazer artístico pode transformar vidas.

As pessoas vão continuar fazendo grafite do mesmo jeito. O prefeito vai seguir gastando dinheiro público com tinta para apagar, enquanto nossos artistas urbanos e alpinistas também gastarão suas tintas para combater o cinza e colocar cor na cidade.

Nossa vontade de expressão tem relação direta com a cidade e com as pessoas que estão na rua. A cidade não é feita de funcionários – não se pode encarar a cidade como uma empresa, pois ela é feita de seres humanos que precisam se expressar de alguma forma.

A cidade também é nossa. São Paulo tem uma linguagem única e original por conta de seu exército de artistas urbanos. O prefeito não tem a dimensão de com quantas pessoas ele está mexendo. Sou pacífico, mas estamos prontos para a guerra de tintas e de cores.”

aa3Vigiar e punir, por Subtu, grafiteiro e idealizador do projeto Revivarte

“Acredito que o prefeito está tomando medidas para maquiar a cidade. Ele sabe que esta é uma guerra perdida, pois não é um problema em si, mas sim uma cultura ‘underground’, considerada ilegal. A guerra do spray não vai ter fim.

A arte urbana é uma forma de ocupar espaços à deriva e de chamar a atenção para os problemas de uma metrópole. Apagar grafites e ‘pixos’ não é novidade – o pior mesmo é o discurso do ódio, convocando a população para participar ativamente nisso, dando permissão para ela se tornar polícia e denunciar os artistas de rua.”

(A foto que abre esta matéria é de autoria de Lu, via Flickr/CreativeCommons)

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