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publicado dia 14 de abril de 2017

Não podemos nomear o Bom Retiro como bairro de um povo só, alertam moradores

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Por Jéssica Moreira e Dayana Araújo

Em visita à capital da Coreia do Sul, Seul, o prefeito  da cidade de São Paulo, João Doria (PSDB), firmou uma série de parcerias com empresas coreanas para o processo de revitalização do bairro do Bom Retiro. Apontou, ainda, que pretende classificar o local como a “Little Seul”, já que a região concentra um grande número de migrantes oriundos da Coreia do Sul.

Segundo Dória, serão realizadas a revitalização de praças, bancos e da área verde que permeia o local, com início previsto para junho deste ano. Entre as sete  empresas que aceitaram reformar o local, estão LG, Samsung e Hyundai.

Em matéria publicada no portal do Estadão na quinta-feira (13/4),  o prefeito afirma que o bairro é ocupado pela comunidade coreana e que há mais de 200 mil coreanos vivendo “felizes” na região. Dados do Censo IBGE (2010) apontam que a população geral do Bom Retiro, até aquele ano, era de 33.892. Desse total, a população estrangeira era de 4.219. Soma-se a essa população a primeira geração de migrantes, já considerados brasileiros, de variados países, além da Coréia do Sul, fazendo do Bom Retiro o bairro mais multicultural de toda a capital paulista.

Para refletir sobre a importância cultural e étnica que carrega o nome Bom Retiro, o Portal Aprendiz conversou com migrantes, moradores, pesquisadores e pessoas que atuam diretamente no Bom Retiro.

Jorge Gutierrez, agente comunitário de saúde e comunicador na Associação de Comunicadores Bolívia Brasil 

“O nome Bom Retiro tem um significado grande, é viver bem, um lugar do bom e do melhor. Trocar o nome ou colocar outro sobrenome sem conversar com a população que vive aqui é abuso de autoridade. Temos muitos movimentos e equipamentos, como a Casa do Povo, resgatando as memórias e preservando os patrimônios do bairro, não dá para destruir assim a identidade do bairro. O Bom Retiro é uma aglomeração de culturas e foi o bairro que me acolheu quando cheguei ao Brasil, assim como acolhe uma diversidade de comunidades. Não podemos nomeá-lo como bairro de um povo só.”

Gisele Brito, moradora e jornalista

“Os grupos imigrantes presentes no Bom Retiro nunca foram hegemônicos, sequer majoritários. Isso garante que as ruas sejam divididas por judeus, católicos ortodoxos, cholas e forrós.  Todas as culturas contribuem para o enriquecimento cultural, nomear o Bom Retiro privilegiando apenas uma das várias culturas que convivem por lá é matar um pouco o bairro.  Mas, o problema desse anúncio vai bem além de uma simples troca de nome. O Prefeito fala em investimentos no território, mas não menciona os problemas reais de quem vive por lá. As ações anunciadas parecem estar muito mais conectadas com as ações de marketing do que com a preocupação com a sua população, vítima constante de alagamentos, falta de energia elétrica, para ficar em exemplos menos complexos da vida urbana. A prefeitura parece querer enquadrar o bairro a um determinado “target”, como se a vida cotidiana pudesse ser vendida. Isso tende, em qualquer bairro, a prejudicar os mais pobres, intensificar a segregação espacial e social e forjar relações superficiais. Tudo exatamente ao contrário do que é a vida no Bom Retiro.”

 Bom Retiro, exemplo de multiculturalismo em situação urbana

De acordo com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o Bom Retiro é considerado um modelo de miscigenação e variedade étnica. As pesquisas de referência culturais realizadas apontam “equipamentos, cerimônias, lugares e formas de ver e pensar o mundo”, e descrevem atividades e costumes dos moradores do Bom Retiro.

Ed Viggiani, fotógrafo, ex-morador, sociólogo e pesquisador da história do Bom Retiro

“O Bom Retiro é um bairro da diversidade cultural e da diversidade étnica, inclusive, social, já que várias classes sociais habitam o espaço. O nome, que data do século 19, é inspirador porque dá uma ideia de “braços abertos”, de receber as pessoas, o diferente, ou seja, aquele que não tem lugar, o excluído, é esse o significado. Na medida em que você coloca esse nome vinculado a uma só comunidade, é como se tivesse apagando todos os outros, perdendo totalmente o sentido.  Com todo respeito à comunidade coreana, que possui um papel muito importante no desenvolvimento do bairro, colocar Seul no nome é como excluir todas as outras que participaram e ainda participam ativamente do bairro. Se fosse assim, em cada período da História, teríamos que renomear o Bom Retiro: no final do século 19 e 20, teríamos que chamar de pequena Itália, depois pequena Israel e pequena Coreia e, agora, Nova Bolívia. Ou seja, não faz sentido.”

Telma Melo (moradora do Bom Retiro) 

“Propor a mudança do nome do bairro demonstra um desconhecimento sobre o local e a sua construção histórica, sua dinâmica, necessidades e potencialidades. Não conhece o Bom Retiro para além das lojas de roupas da Rua José Paulino? Sugiro, então, que desça na estação de metrô Tiradentes em qualquer dia da semana, no fim da tarde. Aproveite o sol, sente-se num banco da praça e observe: são crianças recém-saídas da escola estadual, de todas as cores e tamanhos, que correm sob o olhar de seus pais, adolescentes saídos das escolas particulares, jovens de cabelos coloridos saídos dos cursos de moda, da Casa do Povo, Oswald de Andrade, velhinhas coreanas que colocam a conversa em dia, senhores que levam seus cães para dar uma voltinha, moradores de rua que comem a comida ofertada pela igreja Nossa Senhora Auxiliadora, bolivianas que combinam os próximos passos de dança da morenada, policiais que tocam na banda de música do quartel, freiras, estudantes da FATEC e ETESP, trabalhadores do comércio local que voltam para seus lares no fim do expediente. Por outro lado, a promessa de mudanças e o remodelamento do bairro podem gerar o aumento da especulação imobiliária. Hoje, o Bom Retiro tem um dos menores preços por metro quadrado da região central. Por aqui não vingou o prédio moderno e luxuoso ou o condomínio fechado. Há prédios da década de 60, com grandes apartamentos, mas há também casas, cortiços, pensões, espaços de moradia, trabalho e oração. Lado a lado, muitos modos de viver. O aumento do preço do imóvel se desdobra na expulsão dos mais pobres para as áreas periféricas da cidade. O Bom Retiro não cabe num novo nome, numa grife, nos interesses de alguns. O Bom Retiro é o Mundo.”

Guilherme Otero, ex-coordenador adjunto de Políticas para Migrantes da Prefeitura de SP

“O Bom Retiro foi historicamente ocupado por várias comunidades diferentes: italianos, judeus, coreanos, bolivianos, peruanos, malineses, sírios, paquistaneses. Dar esse apelido para o bairro é invisibilizar a presença de tantos outros imigrantes, e ignorar que São Paulo continua recebendo muitos fluxos de vários países. A especulação e gentrificação decorrentes dessa parceria só vão prejudicar ainda mais os migrantes mais pobres.”

O Bom Retiro é o Mundo

Para conhecer mais sobre a história de diversidade do Bom Retiro, assista ao documentário O Bom Retiro é o Mundo, com direção de André Klotzel. É possível acessar também alguns estudos que contam a história do bairro no Arquivo Histórico Municipal.

Antonio Andrade, ativista do Bolívia Cultural

“O  Bom Retiro é muito multicultural e denominá-lo especificamente por uma nacionalidade seria desmerecer o tamanho da diversidade que possui. É como chamar o Brasil de país italiano, ou alemão ou francês, acredito que essas nomeações não são interessantes. Creio também que esta nomeação está acontecendo por um viés econômico, quando deveria ser pelo viés da valorização cultural. Muitas vezes, a economia toma maior importância que a cultura, esse é o grande risco. Eu não concordo em eliminar da história uma história cultural rica que tem esse bairro, para qualificar como Little Coreia.”

Graciela Rodriguez ( TUOV – Teatro União e Olho Vivo)

” A esquina onde está localizado o Teatro União e Olho Vivo pode ser considerada um símbolo de resistência da cultura, por exemplo. É um lugar onde todas as pessoas têm a possibilidade de interagirem e conviverem, é o quarteirão da união. Mesmo que exista um apoio financeiro de empresas para melhorar um lugar, isso não significa que o patrocinador pode interferir na identidade do local. O Bom Retiro, pertence a todos e todas imigrantes que ali passaram e passarão. Brasileiros e brasileiras que ali vivem e viverão. Quanto mais troca de experiências humanas existirem, mais rica se torna uma cultura. O Bom Retiro é um símbolo de união e olho vivo.”

Josiane Oliveira (diretora do Museu de Saúde Pública Emílio Ribas)

“Digamos que diante dos inúmeros problemas urbanísticos do bairro, tais como insuficiência de transporte público em determinados horários do dia, iluminação deficiente, o número pequeno de espaços públicos como praças, áreas de lazer e convivência (…), a mudança no nome do Bairro parece uma ideia que não se sustenta. É preciso ter mecanismos de controle público na tomada de decisões sobre o uso do território, com a participação dos moradores, dos pequenos empreendedores, dos agentes ligados à preservação ambiental e do patrimônio histórico, que fazem parte do lado mais vulnerável diante da especulação imobiliária. É preciso que o bairro melhore, principalmente, para os seus habitantes e não apenas para suprir a demanda de grupos com maior poder aquisitivo que vêm no Bom Retiro um bom investimento. Eu não vejo problemas no investimento da iniciativa privada, muito pelo contrário, é bem vindo. As questões que considero importantes dizem respeito aos valores que esses investimentos estão mobilizando. Falo de valores éticos, morais, políticos de comprometimento com a melhoria da vida das pessoas no bairro. Penso que não devem ser investimentos que saiam da rubrica do marketing institucional, mas que sejam decorrentes do entendimento de que essas grandes companhias têm um compromisso com a sociedade e com a possibilidade de investir em projetos e programas de inclusão social e de diminuição da desigualdade.”

Matéria atualizada em 17 de abril de 2017, às 11h30. 

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