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publicado dia 14 de junho de 2017

As cidades têm que permitir que cada um possa buscar seu próprio sonho, afirma arquiteta de Medellín

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A arquiteta colombiana Natália Castaño esteve no Brasil pela segunda vez em junho para ser uma das juradas do concurso Passagens Jardim Ângela, proposto pelo Instituto Cidade em Movimento (IVM), com o intuito de criar soluções urbanas para o bairro do extremo sul de São Paulo. Natália trouxe a expertise de quem participou ativamente da transformação urbana de Medellín, segunda maior cidade da Colômbia, com 3 milhões de habitantes.

Medellín era, na década de 90, uma Cidade marcada por profunda desigualdade social e altíssimos índices de violência urbana. Na época, ostentava o título de cidade mais violenta do mundo.  Mas a partir dos anos 2000, fruto de um esforço conjunto de poder público, educadores, comunidades e ONGs, o local começa a se transformar. Entre 2004 e 2007, Natália Castaño trabalhou na Companhia de Desenvolvimento Urbano, órgão responsável pela concepção  espaços públicos e pelo desenvolvimento de projetos urbanos e estratégicos em Medellín. A transformação foi da água para o vinho: a cidade trocou o título de mais violenta pelo de mais inovadora do mundo, concedido pelo respeitado Urban Land Institute em 2013.

Mestre em Paisagem, Ambiente e Cidade pela Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, e atualmente membro do Centro de Estudos Ambientais e Urbanos da universidade EAFIT,  Natália conversou com o Portal Aprendiz sobre as semelhanças entre Brasil e Colômbia e apontou o que considera fundamental para que haja uma mudança cultural na forma como entendemos e nos inserimos na cidade.

Portal Aprendiz: A senhora vê mais semelhanças ou diferenças na constituição urbana das cidades brasileiras e colombianas?

Natália Castaño: Muito mais semelhanças. Colômbia e Brasil são países muito similares em diversos aspectos. Estamos entre os países mais desiguais do mundo, há aqueles que têm tudo e aqueles que têm pouco ou quase nada, e as cidades explicitam essa desigualdade de maneira muito trágica. Também acho que compartilhamos muitos aspectos culturais, como uma mesma atitude frente a vida e que fica mais explícito nos trabalhos com as comunidades. Apesar das dificuldades, eu sinto que há uma paixão, um amor pela vida e por fazer coisas que culturalmente são muito ricas, como música, teatro e arte em geral.

Aprendiz: E quais as diferenças?

Natália: Basicamente as dimensões. São Paulo e o Brasil são muito maiores que Medellín e a Colômbia. Embora os problemas sejam os mesmos, no Brasil eles ganham outras dimensões e ficam mais complexos, o que imagino que se reflita em muito mais dificuldade para trabalhar com o setor público. Tem muito mais gente afetada.

Aprendiz: Como se deu a transformação de Medellín de cidade mais violenta para a mais inovadora?

Natália: Medellín é uma cidade que está a mais de 1000 metros de altitude e que está cercada pela Cordilheira dos Andes. É importante saber disso porque a lógica europeia de construção de cidades sempre foi para cidades planas, e em Medellín houve uma ruptura muito grande entre a geográfica e a ocupação. O rio Medellín, por exemplo, se transformou em uma fronteira, mesmo sendo um elemento natural e tão estruturante. E a partir dos anos 50 e 60 essas áreas altas e montanhosas começaram a ser ocupadas por causa da urbanização, o que aprofundou a segregação dentro da cidade. Nos anos 90 Medellín foi eleita a mais violenta do mundo e havia muito medo de viver a cidade.

Nesse contexto, já nos anos 2000 começa haver intervenções pontuais, imaginando uma nova cidade. Transformações a partir de trabalhos técnicos, diálogo com as comunidades e uma nova política de cidade. O contexto da diminuição de violência permitiu começar a propor atividades. Entre 2004 e 2007 é o momento em que há mais projetos acontecendo, pensados de maneira intersetorial em relação às intervenções físicas, culturais e sociais e sempre conversando com as comunidades envolvidas.

Foram muitas as transformações, mas destaco o papel do transporte público, que foi pensado como central para a transformação social e física da cidade. Inauguramos o primeiro teleférico em uma das zonas mais populosas da cidade e ligando à regiões mais centrais, um símbolo dessa reconexão entre as partes da cidade. Além disso, revitalizamos ruas, criamos espaços de descanso e ocupação e diversos equipamentos culturais foram levados a estes bairros mais periféricos, o que fez florescer artistas que foram por muito tempo negligenciados junto à sua região.

Aprendiz: Na sua opinião, quais foram os principais impactos dessa nova abordagem?

Natália: O impacto das transformações é sentir-se parte da cidade, são pessoas sentindo-se parte de uma sociedade que as inclui e que se desenha para que possam se envolver e desenvolver. Acho que as cidades têm que permitir que cada um possa buscar seu próprio sonho: se eu quero ser músico, tenho que poder ser músico e em qualquer lugar. E que, na mesma medida, seja possível encontrar oportunidades e não se sentir marginal nos processos da sociedade. A maior busca é que nos sintamos todos parte de um sistema que permite muitos intercâmbios, o que não acontece para muitas pessoas no dia a dia.

É necessário comunicar, construir relações e romper barreiras, que muitas vezes são físicas e outras vezes sociais. Quantas pessoas conhecem o Jardim Ângela em São Paulo? Eu imagino que não muitas, e isso também se passa em Medellín. Há muitos bairros marginais em desenvolvimento, mas o que a transformação da década passada buscou foi incorporá-los, reconectá-los com programas sociais.

 Aprendiz: E como a Cidade fez para não deixar isso se perder com a troca de gestão?

Natália: Olha, você não consegue mudar profundamente a relação com a cidade sem a ação do poder público, mas ele não é o único ator. É necessário motivar institutos e organizações, ter uma sociedade participativa e que não deixe que as ações se percam por politicagem ou ganâncias pessoais ou partidárias. Mas ele [governo] continua sendo necessário: é preciso saber escutar, apresentar novas ideias.

Essa mentalidade é uma aprendizagem, não tem fórmula e também não estou dizendo que nós já temos isso resolvido. Em Medellín, cada novo governante suprime algumas ações, mas também cria outras. A continuidade não é fácil, é uma busca constante. O que é necessário é seguir consciente das aprendizagens, do que já foi feito e do que ainda é necessário fortalecer.

 

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