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publicado dia 15 de agosto de 2017

Educação é fundamental para que os homens assumam papel de cuidadores, afirma pesquisador

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Elas brincam de boneca, eles de carrinho. Elas lavam a louça, eles jogam bola. Elas arrumam a cama, eles encontram os amigos. A divisão das tarefas ainda na infância apresenta às meninas – e somente a elas – o mundo do cuidado.

As desigualdades começam cedo, atravessam a juventude e chegam à vida adulta assumindo múltiplas formas. Dos salários 30% menores, aos riscos de violência (o Brasil registra cerca de 5 estupros por hora),  quando escolhem formar uma família, as mulheres ainda se deparam com uma divisão assimétrica e desproporcional do trabalho com a casa e com os filhos.

Mudar esse cenário é possível e o resultado pode ser benéfico para todos, é o que diz o relatório Estado de la Paternidad – América Latina y el Caribe, um levantamento sobre paternidade realizado nos países da região. Para que isso ocorra, informa o estudo divulgado em junho desse ano, é necessário promover políticas públicas que incentivem a participação dos pais em todas as etapas da vida dos filhos e nos cuidados domésticos, estratégias fundamentais para a construção de uma sociedade com mais saúde, cuidado e menos violência.

Enquanto 81,4% das meninas de 6 a 14 anos têm que arrumar a própria cama, apenas 11,6% dos meninos da mesma idade têm que fazer o mesmo. Quando o assunto é lavar a louça, 76,8% das garotas têm essa obrigação dentro de casa, em face a 12,5% dos meninos. Fonte: Pesquisa “Por Ser Menina” (Plan International, 2014)

O brasileiro Marcos Nascimento, psicólogo e pesquisador da Fiocruz na área de masculinidades integra o time de pesquisadores envolvidos na produção do documento que analisou o comportamento dos homens no exercício da paternidade.

Em sua visão, embora a sociedade venha trilhando novos caminhos em relação ao tema, ainda causa surpresa – a homens e mulheres – ver um homem assumindo a função de cuidador. “Falta pensar no cuidado como pertencente ao universo masculino, já que os homens são tão capazes de cuidar quanto as mulheres, só precisam ser educados para isso”, defende.

Nascimento conversou com a equipe do Portal Aprendiz sobre os desafios enfrentados para que o cuidado passe a integrar o repertório masculino, a importância das políticas públicas no estímulo à paternidade e o papel da cultura na criação de novos valores e comportamentos. Confira:

 Portal Aprendiz: Marcos, o que é paternidade para você e qual a importância dela para o homem?

Marcos Nascimento: Paternidade é cuidado, é cuidar do outro respeitando a singularidade dos filhos. Para a maioria dos homens isso ainda não é um processo posto e encerrado e, ver-se no lugar de cuidador, ainda causa surpresas  – para os homens e também para as mulheres, já que o cuidado foi socialmente construído como feminino e dividir essa tarefa implica em rearranjos familiares e conjugais.

Mas a presença dos homens no cuidado é super importante. Acredito que é o momento de ressignificar a masculinidade e o papel que o homem ocupa no mundo. Além disso, o vínculo parental, seja com o pai ou com a mãe, é muito importante para o desenvolvimento das crianças.

Sou contrário à ideia quase internalizada que o homem “ajuda”. Não é ajuda, é uma tarefa de cuidado. Ninguém diz que mãe ajuda. Com os homens é a mesma coisa: o cuidado não é um favor e sim parte de seu papel. Isso é tão internalizado que procuramos adjetivos para classificar a paternidade associada ao cuidado: paternidade ativa, responsável, nova paternidade. Nós nunca fizemos isso com as mulheres, mas com os homens há um estranhamento.

Pai peruano varre corredor com o filho
Plataforma de Paternidades | Perú

Portal Aprendiz: O relatório “Estado de la Paternidad – América Latina y el Caribe” cita várias iniciativas brasileiras como exemplos a serem seguidos pelos países da região. Nós estamos mais avançados em políticas de estímulo à paternidade do que os países vizinhos?

Marcos Nascimento: Eu não diria que estamos à frente, mas nós demos passos importantes. Um deles é a possibilidade de participação do homem no parto, por conta da Lei do Acompanhante de 2005, que prevê a presença de uma pessoa junto à mulher, não necessariamente o homem (embora, em geral, seja o parceiro). O momento do nascimento é muito importante para a mulher, para o bebê e para a família como um todo.

Nós debatemos muito a licença-maternidade como direito da mulher, mas debatemos pouco a questão da paternidade e a importância do pai presente na vida dos filhos desde o nascimento, mas essas discussões estão aumentando. A Constituição de 1988 prevê cinco dias consecutivos de licença e deixa uma referência para votação de lei específica no futuro. Passados quase 30 anos, temos conquistas: há funcionários públicos de alguns estados com maior licença e as empresas que aderiram ao Empresa Cidadã, cuja licença é de 20 dias.

Outro avanço importante é o marco da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, que pontua a participação do homem desde o pré-natal até o parto e o puerpério. Mas ainda há muito o que se fazer. Um desafio importante é garantir que essas políticas cheguem a todos. Muitas vezes ficamos muito focados nos grandes centros urbanos, mas como a paternidade se dá nas zonas rurais? Como garantir a participação mais efetiva dos homens na questão do cuidado? Sabemos que há muitos hospitais que ainda restringem a participação dos homens, mesmo com a lei. A capacitação de profissionais de saúde e educação – na verdade, da sociedade como um todo – é muito importante.

Portal Aprendiz: As mudanças têm partido das políticas públicas ou são uma resposta a uma demanda social por uma paternidade mais efetiva?

Marcos Nascimento:  Eu não acho que as políticas são as precursoras. Elas são feitas a partir das demandas da sociedade, que no caso entende a importância da presença do pai no cenário de cuidado, e as políticas respondem a isso. Mas é interessante porque percebeu-se que a saúde do homem era uma porta de entrada importante para falar da paternidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, o mês de agosto é o mês da valorização do cuidado paterno, e as unidades de saúde fazem uma série de atividades voltadas para a inclusão dos homens nessa área de cuidado, como um estímulo para que levem seus filhos para a vacinação, acompanhar as consultas médicas, acompanhar o pré-natal e mesmo cuidar da própria saúde, entre outras ações.

Filhos sem pai

De acordo com o IBGE, a falta do nome do pai no registro de nascimento ainda é uma realidade para quatro milhões de crianças brasileiras. 

Portal Aprendiz:  E o que podemos fazer para que os pais se envolvam mais? Como fazer essa mudança?

Marcos Nascimento: Os países nórdicos têm a licença parental, que é uma licença para o casal e que dá autonomia para que eles manejem o tempo de acordo com sua realidade. É uma iniciativa muito interessante e que seria válida para o Brasil. Outro aspecto é fomentar a discussão sobre gênero, sexualidade e direitos reprodutivos. É importante que os jovens possam decidir se querem ter filhos, quantos e quando. Isso tanto para homens quanto para mulheres, porque ainda hoje a questão da reprodução recai muito sobre os ombros das mulheres.

Precisamos também pensar como estimular a cultura do cuidado com os homens, já que é muito delegado às mulheres, como se fosse da natureza feminina. Na verdade, as mulheres são educadas para o cuidado desde a mais tenra infância, aspecto que só aparece na vida dos homens muito mais tarde. Falta pensar no cuidado como pertencente ao universo masculino, já que os homens são tão capazes de cuidar quanto as mulheres, só precisam ser educados para isso.

Desnaturalizar o cuidado como um atributo apenas feminino é um processo social e cultural que leva tempo, mas que nós já estamos avançando, sobretudo nas novas gerações. Um ponto importante é que hoje temos uma enorme diversidade de paternidades nos cenários culturais brasileiros. Há, por exemplo, casais de homens gays que resolvem ter filhos, a adoção, e a questão da gravidez na adolescência, sempre vista majoritariamente sob a ótica da menina, quando na maioria dos casos o pai também é um adolescente. Precisamos falar com todos eles.

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