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publicado dia 28 de novembro de 2017

Mapear para não esquecer: os territórios negros da cidade de São Paulo

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Na rota de fuga para o Quilombo do Jabaquara (em Santos), os negros escravizados em São Paulo tinham um ponto seguro de parada: o entorno do Sítio da Ressaca, onde hoje se localiza o Centro de Culturas Negras do Jabaquara “Mãe Sylvia de Oxalá” (CCNJ). Lá, há cerca de 300 anos, antes da cidade se expandir para a região, eles recuperavam as forças e energias para continuar sua jornada rumo à liberdade.

O CCNJ carrega séculos de história de resistência e valorização das culturas negras. O complexo abriga o Acervo da Memória e do Viver Afro-Brasileiro Caio Egydio de Souza Aranha e a biblioteca Paulo Duarte, especializada na temática afro-brasileira. Há também o histórico Sítio da Ressaca que, embora localizado em um ponto de passagem importante para os negros do período escravocrata brasileiro, foi construído para os bandeirantes, no início do século 18.

A Casa, que hoje integra o Museu da Cidade, foi levantada por escravos que muitas vezes não viveram o suficiente para ver o fruto de seu trabalho. Mas não demorou para que mesmo a residência construída pelos opressores também se tornasse ponto de resistência: quando padres mudaram-se para o Sítio da Ressaca, não raro abrigavam negros em fuga da escravidão.

Em 1980, ao lado da casa feita de taipa de pilão, ergueu-se o prédio de vidro e concreto, tipicamente modernista, que hoje abriga o CCNJ. E nesses dois espaços tão visualmente diferentes, com quase três séculos de diferença, celebram-se diferentes aspectos da identidade negra. “Mas não nos construímos com a proposta de ser um gueto de cultura negra, e sim de oferecer formação, entretenimento e cultura para a cidade, dialogando com as culturas da região, da cidade e do país”, afirma Gérson Rodrigues, coordenador do Centro de Culturas Negras do Jabaquara.

E foi nesse centro de referências que os professores que realizam o curso “Potenciais Educativos do Território Urbano: rumo à uma Cidade Educadora” participaram de sua última formação, com o tema “Itinerários da Experiência Negra em São paulo”.

Guiados pelo coletivo Crônicas Urbanas, os professores e professoras exploraram a fundo o apagamento da identidade negra de territórios consagrados de São Paulo, como o Bixiga e a Liberdade, além de perceber a racialização contida em suas próprias vivências na cidade.

Visita à Casa do Sítio da Ressaca, construção que data do início do século XVIII
Visita à Casa do Sítio da Ressaca, construção que data do início do século XVIII

A São Paulo Negra

Os historiadores Fábio Dantas e Lilian Arantes e a publicitária Fernanda Fragoso Zanelli ouviram as histórias dos professores com a cidade de São Paulo, apontando para o fato de que são raríssimas as vezes em que o elemento étnico-racial faz parte dos relatos. Segundo eles, essa já é uma primeira forma de apagamento das vivências negras no território. Esse processo fica ainda mais evidente quando, ao perguntar as impressões e lembranças sobre determinados bairros da cidade, pouco se fala de tradições ou histórias não-brancas, já que elas são de fato pouco conhecidas.

A Liberdade, por exemplo, antes da imigração japonesa, tinha forte tradição africana. A Praça da Liberdade era chamada de Largo da Forca pois ali eram condenadas, mortas e enterradas as pessoas escravizadas que lutaram por sua libertação. A Igreja da Nossa Senhora dos Aflitos, construção hoje escondida entre depósitos e padarias da travessa Rua dos Estudantes, está erguida sobre ossos dos resistentes e é o único vestígio físico de sua existência. De maneira similar, o bairro do Bixiga era sede de diversos jornais e associações negras, como o Clarim D’Alvorada. Hoje, ambas as regiões são conhecidas por outras colonizações, mostrando que a política governamental de embranquecimento da cidade teve seu alcance.

Por isso, recuperar a história negra da cidade e colocar uma “lente étnico-racial” nas vivências e práticas pedagógicas mostram-se urgentes. E é o que o coletivo Crônicas Urbanas fez, especialmente no projeto Itinerâncias da Experiência Negra, realizado entre 2016 e 2017 e apresentado aos professores durante o curso Potenciais Educativos do Território.

Os historiadores Fábio, Lilian e a jornalista Fernanda são membros do coletivo Crônicas Urbanas, que trabalha direito à cidade com perspectiva racial
Os historiadores Fábio, Lilian e a jornalista Fernanda são membros do coletivo Crônicas Urbanas, que trabalha direito à cidade com perspectiva racial

Itinerâncias da Experiência Negra

Contemplado pelo edital Redes e Ruas de 2016, o Crônicas Urbanas iniciou a empreitada de resgatar uma história sistematicamente apagada formal e informalmente em toda a cidade, tanto no passado quanto no presente.

Dessa forma, os ativistas fizeram uma extensa pesquisa nos arquivos históricos para cartografar a São Paulo negra. Com a análise dos registros ficou perceptível, por exemplo, o encarceramento desproporcional dessa população já desde o início do século 20. Se os negros e negras eram 12% da cidade nas décadas de 10 e 20, os homens negros representavam 15% da população carcerária masculina e as mulheres negras 50%.

E se o racismo ainda não ficou no passado, é necessário também fortalecer a resistência que acontece nos dias de hoje. Por isso, outro braço do projeto foi formar uma juventude periférica para que ela se reconheça nesses territórios que lhes são historicamente negados. Para isso, o coletivo mapeou os aparelhos contemporâneos de resistência da periferia da zona oeste de São Paulo.

O resultado desse levantamento realizado pelo Crônicas Urbanas pode ser conferido no Guia dos Itinerários da Experiência Negra: Um passeio histórico por São Paulo.

Mapear os pontos de resistência negra é um dos trabalhos do coletivo Crônicas Urbanas
Mapear os pontos de resistência negra é um dos trabalhos do coletivo Crônicas Urbanas

Potenciais Educativos

O curso “Potenciais Educativos do Território Urbano: rumo à Cidade Educadora” é uma iniciativa da Associação Cidade Escola Aprendiz, por meio do Programa Cidades Educadoras, em parceria com a Diretoria Regional de Educação do Butantã e coletivos, instituições e organizações sociais de São Paulo.

O programa da formação contemplou os temas “Currículo do Território”; “Mobilidade Urbana a pé”, “Educação Ambiental”, “Tempos e Saberes da Cultura popular” “Infâncias e espaço público”, “Educação Patrimonial”, “Gênero” e “Territórios negros da cidade”.  Agora, os professores passarão por uma última oficina de elaboração de projetos.

Em sua segunda edição em São Paulo, o curso pretende fortalecer o município como Território Educativo, apoiando práticas de articulação com as comunidades nas escolas da rede pública.

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