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publicado dia 19 de janeiro de 2018

Aumento da tarifa dos transporte impede direito à cidade, afirmam ativistas

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Em 2015, o Direito ao Transporte passou a integrar a Constituição Federal de 1988. Acelerada pelas manifestações que ocuparam as ruas do Brasil em 2013 – atos subsequentes ao aumento das tarifas nos transportes públicos em diversas cidades -, a emenda proposta pela deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) igualava o direito de ir e vir aos direitos fundamentais como educação, saúde, segurança, lazer e moradia. Ainda que consolidado na lei, o direito ao transporte público de qualidade está longe de se concretizar no dia a dia das grandes cidades brasileiras.

No início de 2018, o governo do estado e a prefeitura de São Paulo anunciaram um reajuste de 5,26% nas passagens de ônibus e nas integrações que os conectam a trens e metrôs. O valor da passagem  dos ônibus municipais, do trem e do metrô aumentou de R$3,80 para R$4,00.  O reajuste impacta também as integrações entre os transportes, os bilhetes diários e os bilhetes únicos.

A medida reacendeu o movimento de ocupação das ruas em protestos contra o aumento. O Movimento Passe Livre (MPL), organização que desde 2005 defende a gratuidade do transporte, convocou e realizou manifestações em cidades paulistas, além da capital, reivindicando o congelamento do aumento e a redução das tarifas a custo zero. Para o grupo, como expressa a Constituição, a mobilidade urbana deve ser encarada como um direito.

“Há cem anos, a população do Rio de Janeiro já virava bondinhos quando a passagem aumentava”, relata Diego Soares Thiago, representante do MPL em São Paulo. “Não se pode invisibilizar a discussão da mobilidade. São justamente os bairros mais pobres e populosos de São Paulo que sofrem com qualquer alteração de custo públicos. A cidade para todos só funciona se o acesso a ela é existente para todas as camadas da população”, arremata o ativista.

Dados coletados em 2017 pela Rede Nossa São Paulo na 11ª edição da pesquisa Mobilidade Urbana corroboram a análise de Diego. Segundo o levantamento, um dos aspectos mais incômodos aos paulistanos é o preço da tarifa: 52% dos entrevistados afirmou não ir até amigos ou familiares que moram em bairros longínquos por conta do alto custo dos transportes públicos. É igual o percentual dos que não desfrutam de parques, cinemas e outras atividades de lazer pela mesma razão. A tarifa cerceia, portanto, o direito à cidade de parte da população que vive na metrópole de São Paulo.

“Quando um governo aumenta o preço da tarifa, ele demonstra despreocupação com a ocupação da cidade”, afirma Américo Sampaio, assessor da Rede Nossa São Paulo. De acordo com ele, o aumento é fator decisivo para a manutenção de desigualdades, além de impedir o acesso à cidade: “É temerário avançarmos em um reajuste todo ano sem rever o sistema de transporte público como um todo. Temos que enfrentar seus reais problemas, que são a falta de transparência dos gastos públicos, a ausência de fiscalização e a pouca qualidade do serviço”.

Quem tem direito à
gratuidade 
do transporte?

Pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto do Idoso (2003), estudantes, idosos, pessoas com deficiência, gestantes, carteiros, policiais e outros cargos especiais tem acesso a gratuidade ou meia tarifa no transporte público. Vale lembrar que em cada município existem algumas especificidades, respeitando as asseguradas pela constituição.

Rafael Del Monaco Drummond, porta-voz do Ap?  – Estudos em Mobilidade e conselheiro do CMTT (Conselho Municipal de Trânsito e Transporte), acredita que outro equívoco desse processo é pensar o transporte público somente a partir dos trajetos como casa – trabalho ou casa – estudo. “As pessoas têm o direito de aproveitar o lazer sem a preocupação de que vai faltar dinheiro no fim do mês. O aumento de 5,26% em um período de crise, quando serviços informais aumentam e direitos trabalhistas como vale-transporte diminuem, impacta negativamente no acesso à cidade.”

Reduzir as tarifas é tornar a cidade mais inclusiva - Foto de divulgação do Ape - Estudos em Mobilidade
Reduzir as tarifas é tornar a cidade mais inclusiva – Foto de divulgação do Ape – Estudos em Mobilidade

Transparência e Participação Social: desafios da mobilidade urbana

 Em 2013, durante as manifestações contra o aumento das tarifas, a falta de diálogo e transparência das informações ligadas ao transporte das cidades foram amplamente denunciadas pelos movimentos sociais, que pediam nas ruas a “abertura das planilhas” do transporte urbano.

“O sistema de transporte público é uma caixa preta. É impossível entender seus valores. Soma-se a isso empresas que performam há décadas as mesmas licitações, com taxas de lucro altíssimas, e também a qualidade baixa do serviço. Aumentar a tarifa sem esmiuçar, junto à população, o que poderia ser feito para diminuí-la, é uma medida equivocada”, aponta Américo, para quem essa dinâmica também impede a criação de soluções criativas e colaborativas capazes de evitar o aumento anual.

Considerada fundamental para o desenho de uma política de mobilidade urbana de qualidade, a participação social é o caminho apontado pelos entrevistados pelo Portal Aprendiz para reverter o cenário dos aumentos.

Como exemplo, Rafael relembra que, desde o dia 21 de dezembro de 2017, há uma consulta pública para as licitações que operarão as frotas paulistanas nos próximos quinze anos. Até o dia 3 de fevereiro, o cidadão pode acessar o documento e enviar críticas e sugestões relacionadas ao processo de escolha das licitações, mudanças de itinerários e linhas de ônibus, entre outras propostas de mudança.

O direito ao transporte é o direito à frequentar espaços de cultura - Foto por Rodrigo Motta, via facebook do Slam da Guilhermina
O direito ao transporte é o direito à frequentar espaços de cultura – Foto por Rodrigo Motta, via facebook do Slam da Guilhermina

A remuneração das empresas proposta pelo novo documento, que tem previsão de início das operações para o segundo semestre de 2018, é um dos principais pontos a serem considerados por quem pretende participar da consulta, avalia Rafael:  “Atualmente, a remuneração é baseada no valor por passageiro, ou seja, não importa se o usuário está pagando a tarifa, se está pegando um segundo ônibus com direito a integração ou se possui gratuidade. A prefeitura repassa um valor às empresas por cada vez que ele passa pela catraca”.

O texto da nova proposta indica que, independentemente da demanda ou do lucro de uma determinada linha, a remuneração será baseada no custo operacional da empresa. Isso aumentará o controle sobre os gastos públicos e poderá ajudar a encontrar alternativas para diminuição da passagem, complementa o conselheiro.

Quem cuida do transporte
de São Paulo?

O ônibus – meio de transporte mais utilizado por 47% da população de São Paulo – é de responsabilidade do município, segundo a Constituição. Porém, é possível ofertar esse serviço, contratando empresas em um processo de licitação. Nesse procedimento, uma empresa é contratada para desempenhar um serviço público, e no caso dos ônibus, ela assume a frota, a quantidade de automóveis e qualidade do serviço prestado.

O reajuste de impostos também seria uma alternativa para diminuir os ajustes anuais da tarifa. Américo explica: “O aumento da tarifa tem relação com o projeto de cidade que um município possuiu. Por exemplo: a cada quatros anos, a prefeitura pode reajustar o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Em 2018, não houve reajuste para além da inflação, que foi de 3%. Ou seja, a elite paulistana, que mora nas áreas nobres, foi anistiada sem nenhum aumento no imposto. Na outra ponta, a população mais pobre  tem o aumento da tarifa de ônibus. Se o sistema de mobilidade fosse todo revisto, com aplicação de impostos em regiões privilegiadas, poderíamos garantir uma redução da tarifa”.

A taxação de impostos mais alta para quem com ela pode arcar é também uma das propostas apoiadas pelo MPL. “A tarifa zero é uma ferramenta de reforma tributária. Em um país em que os mais ricos pagam menos impostos, uma tributação justa pode significar um transporte gratuito de qualidade para todos”, ressalta Diego.

“Abrir o caixa, entender como se dá o processo do transporte público, reduzir a margem de lucro da empresas, fiscalizar serviços e reforma tributária. Essas são algumas das ações rumo à redução da tarifa. Reduzindo, você garante uma cidade mais humana”, finaliza Américo.

Movimento Passe Livre (MPL) luta pela tarifa zero e pela reforma tributária - Foto do facebook do movimento.
Movimento Passe Livre (MPL) luta pela tarifa zero e pela reforma tributária – Foto do facebook do movimento.

Dificuldade em acessar o documento sobre as licitações? 

Rafael alerta que o documento das licitações do ônibus é de difícil acesso, o que inviabiliza a participação popular. A consulta também é pouca intuitiva, com uma linguagem confusa até para quem estuda o tema, aponta o Conselheiro. Para participar, é preciso acessar um planilha de Excel escondida no anexo 9, em um documento de mais seis mil páginas”.

Atuação do MPL

Tendo encontrado auges midiáticos e de atuação nas manifestações de 2013, o MPL continua organizando marchas e protestos contra aumentos tarifários, mas também alarga discussões de direitos até regiões periféricas da cidade. “Hoje incidimos em espaços públicos,  escolas, e também manifestações culturais como os slams  ou sarais poéticos para criar aulas públicas sobre a cidade e o transporte que queremos”.

No dia 11 de janeiro, São Paulo recebeu a primeira manifestação que busca barrar o aumento. A organização do ato estimou cerca de 10 mil participantes. Nessa semana, aconteceram novamente protestos na capital paulista, em Osasco, Florianópolis, Joinville e em outras cidades cuja tarifa aumentou.

 

 

 

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