Perfil no Facebook Perfil no Instagram Perfil no Twitter Perfil no Youtube

publicado dia 18 de junho de 2018

Coletivo “Escola Sem Muros” usa arquitetura participativa para ativar territórios educativos

por

*Artigo publicado originalmente no ArchDaily com o título “Arquitetura para autonomia: ativando territórios educadores“, em 14 de junho de 2018. O autor é Romullo Baratto

Escola Sem Muros surge de um desejo por outras práticas possíveis e formas alternativas de aprender e se relacionar: com o outro, com os muros da cidade, com o potencial educador existente em cada território e sujeito. Pessoas que se juntaram por um propósito comum: ir além das barreiras físicas, sociais e políticas; abrir brechas na brutalidade urbana e nos formatos educacionais que segregam mundos.

folder do projeto colocado no meio do centro cultural
Projeto Escola Sem Muros / Crédito: Tomaz Lotufo

Sua metodologia é baseada na aproximação (valorização da identidade local), construção (o canteiro de obra como plataforma de aprendizado) e cuidado (gestão compartilhada de espaços públicos e estruturas de cuidado), propondo um processo de educação integral.

“O céu é dos pássaros, o mar é dos peixes e a terra é das pessoas. Os territórios socioculturais são sagrados: 
têm que ser respeitados e honrados como tal; não é propriedade privada, não tem dono. 
Território é onde há pertencimento, comunidade.” – Casé Angatu Xukuru Tupinambá

Um coletivo de arquitetura e permacultura urbana que busca produzir conhecimento colaborativamente a partir da realidade e democratizar ferramentas para a construção de autonomia.

O grupo acredita em uma prática de uma arquitetura processual, participativa, estética, ética e política; na qual importam os agenciamentos, o processo e os modos de produção (que não é só material, mas reflexo de quem faz, quem usa, como é feito e porque). Sua atuação se iniciou a partir do Espaço Cultural Jardim Damasceno, localizado na Brasilândia, zona Norte de São Paulo.

Aproximação

O Espaço Cultural Jardim Damasceno existe há 25 anos: moradores locais ocuparam um galpão de madeirite próximo ao córrego do Canivete, sustentando um lugar aberto e livre dentro de um bairro adensado, e provendo atividades de assistência social, articulação política e condições para o desenvolvimento integral da comunidade. Todos os dias o Espaço é utilizado por cerca de 60 crianças para atividades culturais e comunitárias, e apesar disso, tem dificuldades em se manter, com uma infra-estrutura precária e sofrendo constantes ameaças de desapropriação.

Apesar disso, é um espaço extremamente público e democrático, por essência inclusivo e coletivo: é um ponto nodal, espaço imantado no território em que está inserido – oferece atividades de educação ambiental para crianças, ações da unidade básica de saúde, almoços coletivos, oficinas de capacitação e outras atividades que acontecem de acordo com desejos e necessidades locais.

estrutura desse espaço cultural
O Espaço Cultural Jardim Damasceno / Crédito: Tomaz Lotufo

A importância de potencializar a atuação deste grupo através da melhoria das condições de sua estrutura foi visto pelo Escola Sem Muros como uma ação urgente. Para isso, após dois anos de ação junto ao coletivo PermaSampa, em 2017 foi desencadeado um movimento para a reforma do Espaço Cultural. A partir de um desenho participativo da nova estrutura, que foi entregue para a comunidade local, foi lançada uma campanha de financiamento coletivo para a compra dos materiais, e vivências de aproximação do território.

Construção

O lugar da arquitetura está em uma de suas maiores belezas: o processo. Valoriza-se neste projeto o espaço entre o desejo e o uso, o construir e habitar. Um projeto sensível, que veste a estrutura existente, reforçando-a e abrindo um eixo de conexão entre a cidade (Jardim Damasceno) e a natureza (Parque Linear do Canivete). O projeto da nova estrutura para o Espaço Cultural é visto como um meio de valorizar, através da linguagem arquitetônica, a iniciativa das pessoas que ali estão sustentando este espaço por tanto tempo, além de uma oportunidade de mobilizar a comunidade local para se reapropriar deste espaço: uma construção física como um meio para uma construção social.

estrutura de bambu com prego
Metaestrutura de bambu utilizada na construção / Crédito: Tomaz Lotufo

A meta-estrutura de bambu, que foi produzido em um sítio dentro da região metropolitana de São Paulo, começou a ser construída dentro de um programa pedagógico que aconteceu de 19 a 28 de janeiro de 2018, envolvendo cerca de 70 pessoas de dentro e fora da comunidade. Estudantes e moradores locais realizaram um mutirão de 10 dias para construírem juntos um espaço vazio a ser ativado pelos encontros, afetos e experiências compartilhadas. Debates, oficinas, aulas de culinária, almoços coletivos, práticas de consciência corporal, jogos populares, plantio agroecológico, ações culturais, cortejos de mobilização e construção com materiais de baixo impacto ambiental compuseram a programação da imersão.

Cuidado

Lugares como o Espaço Cultural Jardim Damasceno são pontos centrais no desenvolvimento integrado de suas comunidades e cuidado das redes do território em que estão inseridos. Como sustentar e dar permanência a estes espaços de autonomia e do comum? Como proteger tais laboratórios de cidadania ativa e estruturas de cuidado diante da instabilidade das disputas políticas? Como os usuários do espaço podem ser engajados no processo, como produtores e não somente consumidores daquilo que é público, desenvolvendo pertencimento ao lugar que habitam? Qual é o lugar da arquitetura em situações como esta? Acredita-se que a arquitetura  quando entendida como processo participativo, favorece entendimentos fundamentais para o conceito de cidadania: legitimação, pertencimento e empoderamento.

Esses são valores e questionamentos que estão balizando as ações e escolhas do Escola Sem Muros para ativar territórios educadores na cidade e produzir autonomia através da prática.

rapaz e criança trabalham com a estrutura de bambui
Criar em conjunto com a comunidade fez parte da prerrogativa do projeto / Crédito: Tomaz Lotufo

Próximos passos

Apesar da intenção de construção coletiva do Espaço Cultural, aplicando a arquitetura como instrumento de negociação de uma situação urbana sensível e antagonista, essa disputa ainda está em jogo. A obra do Espaço Cultural Jardim Damasceno está no Pavilhão do Brasil “Muros de Ar”, na 16a Bienal de Arquitetura de Veneza, mas não está lá na Brasilândia, na realidade. O projeto está parado, esperando a autorização da Prefeitura – apesar de ter uma legitimidade inegável em ocupar e realizar melhorias nas condições deste espaço, que é público.

“A questão continua sendo política. Não podemos esperar uma solução [puramente] “técnica”. (…) temos de impulsionar um processo de transições movido por novas utopias. Outro mundo será possível se for pensado e organizado comunitariamente a partir dos Direitos Humanos – políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais dos indivíduos, das famílias e dos povos – e dos Direitos da Natureza.” – Djalma Nery Ferreira Neto

Para discutir essa problemática, os aspectos pedagógicos e estratégicos desta outra prática de arquitetura, acontecerá nos dias 6, 7 e 8 de julho o Seminário “Architecture for Autonomy: activating learning territories”, como um evento colateral da Bienal de Veneza. Reunindo arquitetos, ativistas, acadêmicos, pessoas envolvidas em movimentos sociais pelo direito à cidade, o diálogo internacional irá explorar dimensões transdisciplinares sobre uma arquitetura integrada, educação como prática da liberdade e novas formas de fomentar territórios comuns e autônomos. O seminário terá transmissão online, e irá acontecer novamente em setembro de 2018 em São Paulo, dando continuidade a discussão através de novos olhares, contribuições e participantes do contexto local.

Através do programa político-pedagógico do Escola Sem Muros, busca-se articular a arquitetura e urbanismo junto aos movimentos de resistência e cidadania ativa na cidade, desafiando os limites da lógica vigente. Através do reconhecimento do contexto e integração dos elementos da escala micro à macro, o projeto arquitetônico reflete uma escolha de onde, o que, como e porque projetar. Investiga-se assim como atravessar os muros de ar, conectar mundos e utilizar da arquitetura para amplificar a luta de uma comunidade pelo direito à (outra) cidade, como força política que legitima o território junto com seus habitantes.

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.

Portal Aprendiz agora é Educação & Território.

×