publicado dia 30 de outubro de 2012
Por Mariana Melo, da Agência USP.
As narrativas forjadas pelos participantes do jogo colaborativo on line World of Warcraft (WoW) criam interações que podem ser comparadas com a relação de governos com os seus cidadãos. Este foi um dos aspectos abordados pelo psicólogo Artur Chagas no estudo de mestrado O transbordamento do lúdico e da biopolítica em jogos Massive Multiplayer Online: um estudo sobre o World of Warcraft, apresentado na Faculdade de Educação (FE) da USP sob orientação da professora Flávia Inês Schilling.
Segundo Chagas, essa comparação é possível porque as ações de um personagem implicam em acontecimentos nas narrativas dos outros. Parâmetros de articulação são definidos, e um código ético é criado para evitar conflitos e ações inadequadas. Os jogadores obedecem um guia que define as condutas dos seus personagens e, além disso, cria-se entre os usuários uma linguagem que serve como articuladora das ações do jogo. Há ainda a construção de sociedades hierarquizadas similares às relações comportamentais e sociais tradicionais.
O WoW faz parte dos chamados Massive Multiplayer Online, jogos nos quais as pessoas podem jogar on line colaborativamente, de vários pontos no mundo. O jogo se assemelha aos clássicos role-playing games (RPG), nos quais a alta interatividade permite aos personagens/jogadores criarem histórias em conjunto. O público é formado tanto por jovens quanto adultos. No entanto, o WoW apresenta alguns diferenciais que tornam possível uma associação mais próxima com a realidade, como a necessidade dos personagens adotarem profissões, e a possibilidade de crescer hierarquicamente nestas sociedades para adquirir “reputação”.
Sociedade virtual e real
Além disso, há venda de mercadorias, úteis para a conquista de missões no jogo, o que cria um mercado paralelo. O jogo também impõe aos participantes a escolha de uma raça para interagir no universo criado e, com essa escolha, surgem as missões que devem ser conquistadas para ganho de reputação e avanço nas classes dentro da raça escolhida. Conforme o personagem ganha missões, ele ganha mais dinheiro e aumenta a sua reputação. Esse tipo de construção do jogo permite uma comparação entre a sociedade virtual e real. Segundo o pesquisador, observar esta construção “favorece a análise de que as formas de governo e de controle sobre a vida estejam cada vez mais apuradas, transbordando por todos os planos da existência.”
É possível verificar isso, segundo Chagas, na ampla gama de avatares que é possível formar ao iniciar no jogo. Mesmo com essa possibilidade, o jogador, ao entrar em algum grupo pré-formado de personagens, tem seu avatar selecionado pelos antigos jogadores, e vai jogar conforme as definições estabelecidas por estes, para preencher funções defasadas na narrativa em curso. Inclusive, o momento no qual todos devem jogar é determinado pelos líderes, e todos os jogadores devem disponibilizar e compartilhar o tempo designado para realização das tarefas.
Na observação das relações entre o público consumidor e a empresa criadora do game, Chagas percebeu que a indústria estimula a participação dos seus clientes, por meio de um diálogo on line dinâmico, que permite que os interessados enviem dicas de aprimoramento do jogo, críticas e opiniões sobre o produto. Ou seja, a empresa procura destinar um espaço para atuação de seu público de forma que este seja uma espécie de co-autor do produto e identifique nessa participação uma proximidade maior com o jogo. Recentemente, uma atualização chamada Mists of Pandaria do jogo WoW foi lançada e, em uma semana, foram vendidas aproximadamente 2,7 milhões de expansões. Além disso, o número de assinaturas do jogo ultrapassou 10 milhões de pessoas no mundo.