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publicado dia 21 de junho de 2013

Manifestações são “ideologia em estado puro”, afirma pesquisador

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As manifestações que se espalharam pelo Brasil de forma viral começaram contra o aumento das tarifas no transporte público e, com a adesão de diversos setores da população, tomaram outra proporção. Variadas bandeiras e inúmeros objetivos foram entrando na pauta dos protestos, que ontem, mesmo após a revogação do aumento das tarifas de grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, reuniram milhões de pessoas país afora.

Em São Paulo, a violência entre os próprios manifestantes se tornou evidente, e houve briga entre membros de partidos políticos e pessoas anti-partidárias. Para o cientista político Lúcio Flávio de Almeida, professor da PUC-SP, “vivemos um momento em que o sistema político não está representando grande parte da população”. Ele acredita que esse sentimento “pode ser canalizado tanto em um sentido mais libertário e democrático, como num sentido mais autoritário”.

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O professor, que também é doutor em Ciências Sociais, participou das últimas grandes mobilizações populares no Brasil, como as Diretas Já e o Fora Collor, e também esteve presente nas manifestações das últimas semanas “na condição de trabalhador e cidadão”.

A entrevista ao Portal Aprendiz foi realizada em dois momentos. O primeiro aconteceu logo após o anúncio da queda da tarifa em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro; a segunda, depois das manifestações ocorridas na quinta-feira (20/06).

Leia a seguir a primeira parte da entrevista:

Portal Aprendiz – Depois de inúmeras manifestações populares, o aumento nas tarifas do transporte público foi revogado em várias cidades. Quais foram as principais consequências políticas dessa vitória?

Lúcio Flávio de Almeida – Houve um imenso movimento que nasceu com uma presença muito forte nas ruas. Foi uma vitória contundente, até porque a posição dos governantes, curiosamente tanto do PT como do PSDB, era duramente contra a revogação do aumento e demoraram a recuar. Apenas recuaram quando perceberam que não havia nenhuma alternativa, de cara amarrada e fazendo uma advertência implícita de que não concordavam com o que estavam decidindo e sempre lembrando que haverá custos. Tivemos um recuo marcado ainda por uma grande distância política em relação ao povo que estava nas ruas.

Aprendiz – Como continuar com esse movimento eloquente e vitorioso?

Almeida – Motivos pra continuar não faltam, afinal de contas nós vivemos num país que tem a triste sina de ser um dos detentores da pior desigualdade de riqueza no mundo. O Brasil disputa isso com alguns países africanos. A grande questão é saber quais pontos serão escolhidos, e se o movimento terá o mesmo impulso. Acho que o quadro ficará mais claro hoje.

O MPL sinaliza que priorizará as bandeiras da tarifa zero e da reforma urbana. Mas é preciso saber até que ponto haverá convergência e vitalidade para continuar essas lutas com o mesmo formato e com a mesma intensidade que foram levadas até agora. Temos uma grande interrogação e alguns sinais que ficarão mais claros a partir das manifestações de hoje à tarde.

Aprendiz – O senhor participou das últimas grandes manifestações de massa no Brasil, como a campanha das Diretas Já e o Fora Collor. Quais as principais diferenças entre o movimento de hoje e o de décadas atrás? Alguns conflitos entre os próprios manifestantes já existiam?

Almeida – Eles existiam, mas eram menos percebidos, pois havia uma clara hegemonia das forças políticas tradicionais. Não houve nenhuma manifestação que transbordasse as lutas dirigidas pelos políticos nacionais, tanto que mesclavam-se nas manifestações, como naquela do Anhangabaú, valsinhas de Strauss com o hino nacional.

O que havia de menos tradicional naquele período era o PT. Depois da derrota das propostas das Diretas Já no Congresso Nacional, a luta foi canalizada precisamente para a disputa dentro do colégio eleitoral.

Antigamente, o movimento era mais homogêneo e havia uma direção consolidada. Não é o caso desse movimento de hoje, mudou a dinâmica. Naquela época havia grandes comícios, muitos sindicatos, eram pessoas maduras, hoje são predominantemente jovens, sem nenhum sindicato por trás.

Aprendiz – Seria ousado definir este momento como “primavera” brasileira?

Almeida – Guardadas as proporções, ocorre no Brasil hoje parte dessa onda por democracia que envolve vários países do mundo. Mas diferentemente do que acontece no Oriente Médio, aqui não há a presença direta de grande potencial militar. Lá houve míssil, ataque aéreo, confrontos militares; nada disso ocorre aqui. Outro ponto de diferença é que este movimento daqui é mais focalizado, a pauta é muito mais específica, centrada numa questão de transporte coletivo. É claro que a partir daí uma quantidade imensa desses protestos começou a ter outras bandeiras.

Muitos desses movimentos de fora, principalmente na Europa e nos EUA, usaram de maneira eficiente as redes sociais. No Brasil, é o primeiro uso no confronto com governantes feito pelas redes.

Até agora, as manifestações brasileiras escaparam daquela dilema direita-esquerda-centro, onde você vota sempre de acordo com quem está no governo. O movimento conseguiu uma vitória, uma mudança que, poucas horas antes, havia sido chamada de uma “medida populista” pelo prefeito Fernando Haddad. Ou seja, é um movimento que faz parte dessa onda chamada primavera.

A seguir, a segunda parte da entrevista:

Aprendiz – Quais as suas impressões sobre a manifestação de ontem [quinta-feira, 20/06] em São Paulo?

Almeida – A manifestação de ontem foi um laboratório, estava muito fácil de ver as diversas forças que se dividiam pelas cores e de acordo com a parte da avenida Paulista que ocupavam – uma avenida de fácil observação, era só passar de um lado para o outro para perceber as diferenças. Grupos se separavam claramente, havia os manifestantes que ainda reivindicavam pela melhoria do transporte coletivo, e outros grupos enfatizando o problema da corrupção e muitas outras bandeiras, progressistas ou não.

A quem acha que as ideologias acabaram, esse momento foi de ideologia em estado puro. Havia a mistura de várias posições, pessoas com bandeiras de partidos políticos e outras contra qualquer tipo de partido. Houve situações em que essas pessoas contra os partidos cantavam o hino nacional. Isso aponta para uma realidade perigosa, pois você está se posicionando contra o partido, mas a favor do Estado, que ele seja forte e se relacione com o povo sem a mediação das agremiações políticas. Isso pode ser perigoso para a democracia.

Vivemos um momento em que o sistema político não está representando grande parte da população. Isso pode ser canalizado tanto em um sentido mais libertário e democrático, como num sentido mais autoritário. Precisamos estar atentos para como essa questão se desloca.

A diferença de número entre os manifestantes era tão grande que o grupo mais conservador simplesmente ocupou mais espaços, queimando bandeiras e expulsando os partidos do local.

Aprendiz – O MPL (Movimento Passe Livre) decidiu que não fará novas manifestações. Esse recuo é estratégico?

Almeida – O movimento transbordou e criou uma heterogeneidade muito grande. Esse pessoal que estava na reivindicação original do movimento foi engolido por uma manifestação em paralelo. Ontem eles perderam a direção. Acho um recuo saudável para poder analisar melhor o que aconteceu em São Paulo e o que acontece no Brasil todo. Eu intuo que o que está acontecendo em São Paulo é diferente do resto do país, mas somente pelas coisas que a gente está conseguindo ver pela televisão.

Levando em conta o discurso do MPL até então, ele tinha um engajamento na realidade muito forte. Ontem, esse engajamento foi no mínimo trincado. Houve uma virada muito significativa no movimento – se você pegar a imprensa dessa semana, ela é a favor do movimento, agora com outras bandeiras, e contra a repressão, sendo que na semana passada a mesma imprensa era contra o movimento e a favor da repressão.

Confira as matérias do especial “A Rua Ensina”:

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