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publicado dia 15 de agosto de 2013

Veículo que transportava estudantes é alvejado na Bahia

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Um caminhão que levava estudantes do ensino técnico da Escola Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro, próxima à cidade de Buerarema (BA), até suas casas, foi alvejado por um ou mais pistoleiros ontem (14/8), por volta das 20h. Os tiros não atingiram nenhuma pessoa, mas estilhaços feriram dois alunos não indígenas. Lucas Araújo dos Santos, 18, e Rangel Silva Calazans, 25, sofreram pequenas escoriações e passam bem.

Caminhão que levava os estudantes com marca de tiro.

Segundo testemunhas, os tiros eram direcionados para a cabine do veículo, numa possível tentativa de atingir o proprietário, Givaldo Ferreira da Silva, conhecido como “Gil”, irmão do cacique da aldeia Serra do Padeiro, Rosivaldo “Babau” Ferreira da Silva. O motorista da ocasião, no entanto, era Luciano Tupinambá. Alguns estudantes haviam sido deixados pelo caminhão momentos antes em suas residências.

“Eles na verdade queriam atingir a Gil, pois eles acham que é ele que está comandando a luta pela retomada de nossas terras, mas na verdade quem está à frente da luta é toda a comunidade, pois definimos que não dá mais para esperar a justiça deste país, que sempre quer nos enrolar. Já são muitos anos de espera, de sofrimento, de humilhação e somos considerados invasores de nossas próprias terras, eles constantemente nos transformam em réus quando na verdade somos vítimas desta situação humilhante”, declarou em nota o cacique Babau.

A informação foi confirmada por Magnólia Jesus da Silva, diretora da escola. A Diretoria Regional de Ensino e Cultura (Direc) afirmou que as aulas serão suspensas entre hoje e amanhã para tranquilizar os estudantes e reforçou que os alunos do colégio são transportados por ônibus oficiais do estado. Para a Direc, o acontecido é resultado do confronto entre indígenas e agricultores.

Vidas demarcadas

Mapa da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.

Os Tupinambá, povo indígena do sul da Bahia, vivem um processo de reorganização e retomada de suas terras. Após perder grande parte de suas áreas, invadidas pelos não índios, começaram a se reorganizar como povo, principalmente a partir dos anos 1980, e hoje exigem do Estado o reconhecimento de seus direitos. Atualmente, cerca de 4.700 indígenas, segundo dados de 2009 da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), vivem no território, que abrange partes dos municípios de Ilhéus, Una e Buerarema. Na Serra do Padeiro, são aproximadamente mil indivíduos.

Desde 2002, o Brasil reconhece a existência dos índios na região e a demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença está em curso desde 2004. “Existem prazos para demarcação, que são sistematicamente descumpridos pelo Estado. Isso alimenta tensões na região, pois os indígenas ocupam as terras que são deles, buscando maior agilidade no processo e são confrontados por grandes fazendeiros e seus capangas, e também pela Polícia Federal”, relata a cientista social Daniela Alarcon, que desenvolveu seu mestrado sobre as retomadas de terras na Serra do Padeiro, pela Universidade de Brasília (UnB).

Tupinambás, durante ritual na área conhecida como Unacau, retomada em 2012.

Esse não é o primeiro caso de violência na região. Uma série de ações da Polícia Federal e dos fazendeiros já foi denunciada por entidades como a Anistia Internacional e pelo Ministério Público Federal. “São pessoas feridas, presas, comprovadamente torturadas pela polícia com choques elétricos. Muitas vezes, as crianças de lá, quando passa um avião, começam a chorar, ficam com medo pois lembram dos helicópteros, dos carros, dos homens que levaram seus pais”, afirma Daniela, que morou por 4 meses na região.

A área já foi delimitada, isto é, já foram realizados estudos oficiais que determinaram quais seus contornos. O mapa da Terra Indígena já existe. Mas o processo de demarcação e retirada dos ocupantes não índios da área – com seu reassentamento, quando tiverem perfil para a reforma agrária, e o recebimento de indenizações, caso tenham construído, de boa fé, benfeitorias no território Tupinambá – ainda não foi concluído.

“É um atraso dos governantes, não marca nem desmarca. Nós queremos que os fazendeiros recebam o valor da sua terra para ir para outro lugar. A gente quer que o governo pague aos agricultores que tem direito de fazer sua mobilização. O que não pode é tiro, é tirar a vida das pessoas”, pondera Magnólia.

“Os Tupinambá sabem ancestralmente de onde vieram, onde ocuparam e começaram a produzir”, afirma Daniela. Para a pesquisadora, nesse processo local há reflexos da política federal. “Estamos vivendo um cenário adverso no governo Dilma Rousseff. A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, determinou a paralisação das demarcações de Terras Indígenas no país. Além disso, iniciativas nos três poderes tentam reverter direitos garantidos pela Constituição Federal. Se, por exemplo, uma dessas modificações for aprovada, o Congresso passará a ter a palavra final nos processos de demarcação de Terras Indígenas. Com a bancada ruralista que temos, nunca mais veremos uma Terra Indígena, um quilombo serem reconhecidos”, reflete a cientista social.

Ocupar, estudar, produzir

Indígenas se reúnem em uma das salas de aula da Escola Estadual Tupinambá Serra do Padeiro.

A demora do Estado não impediu que diversas famílias indígenas se mantivessem na região e conseguissem, após muita pressão, a construção da Escola Estadual Indígena Serra do Padeiro, criada em 2005. Enquanto as famílias vivem em áreas recuperadas, a escola foi instalada em um local que funciona como centro da aldeia, em um sítio de posse do pajé. O colégio conseguiu neste ano empossar uma diretora indígena, assim como boa parte de seu corpo docente. Os alunos têm aulas de disciplinas como cultura e religião Tupinambá, língua tupi, história e direitos indígenas, além dos conteúdos estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC).

Essa conformação da escola não a impediu de absorver filhos de assentados da reforma agrária e de trabalhadores de fazendas de cacau que vivem nas proximidades, congregando hoje, segundo dados da Secretaria de Educação da Bahia, 447 estudantes, incluindo ensino profissionalizante. “Eles, que lutaram tanto para ter sua escola, não iam deixar de acolher pessoas que não têm acesso à educação”, conclui Daniela.

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