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publicado dia 30 de janeiro de 2014

Pesquisadora debate potenciais educativos do audiovisual

por

De Ana Basílio, do Centro de Referências em Educação Integral

“Toda experiência audiovisual é educativa para o bem ou para o mal”. A fala de Cláudia Mogadouro, pesquisadora do Núcleo de Educação e Comunicação da Universidade de São Paulo (USP), dava o tom do que seria a conversa sobre cinema e educação. A especialista foi convidada pela equipe do Centro de Referências a debater os potenciais educativos do cinema e também a olhar para a condução dos trabalhos feitos por escolas e professores com seus alunos. No bate-papo, Cláudia aponta a falta de uma cultura audiovisual nos processos pedagógicos e a necessidade de se adotar uma postura de mediação quando a ideia é inserir um filme no contexto educacional. “Para trabalhar o cinema é preciso intencionalidade”, reforça a pesquisadora. Confira a entrevista na íntegra.

Centro de Referências em Educação Integral: Em que medida o cinema é educação?

Cláudia Mogadouro: Para responder a essa questão, recorro a um pensamento de Marília Franco, uma das pesquisadoras de cinema e educação mais antiga no Brasil: toda experiência audiovisual é educativa para o bem ou para o mal. Tudo o que influencia, transforma, é educativo. O que acontece é que muitos produtos audiovisuais seguem a lógica de mercado, que é diferente da lógica da educação. Por exemplo, o Big Brother é educativo? Sim, porque cria valores (não que eu concorde com eles!), hábitos, promove reflexão. Entreter também é educar. A questão é que é preciso oferecer um contraponto a essa fórmula de mercado, que raramente apresenta muitos desafios. Uma criança de três anos já tem uma cultura audiovisual formada, quer a escola queira ou não. Então, quanto mais a instituição dialogar com isso, melhor.

CR: Como estabelecer esse diálogo?

Cláudia Mogadouro: Tradicionalmente, a escola sempre deixou em segundo plano o audiovisual. Isso revela muito também do despreparo dos professores com sua falta de repertório. Todos nós somos influenciados pela televisão, mas não temos uma formação em linguagem audiovisual. A escola ainda reproduz um método autoritário que propõe assistir ao filme e produzir uma redação. Aí se estragou uma experiência. Isso porque se perde a fruição. A ideia é que a atividade seja prazerosa e conte com uma mediação.

É fundamental que o professor faça alguma introdução do assunto para que o aluno chegue a suas interpretações. Também é importante que se leve em conta que o cinema é polissêmico, ou seja, permite muitos significados em torno dele. E, portanto, alunos e professores terão olhares diferenciados para os títulos, baseados em suas experiências, o que também deve ser valorizado em uma dinâmica de cultura do debate.

Isso convida a uma quebra do paradigma educacional de que o professor sabe tudo. Para trabalhar com cinema é preciso se despir dessa ótica de que o professor está lá para transmitir conhecimento. Isso vem da educação jesuítica e ainda está muito arraigado na cultura escolar, favorecendo a cultura passiva do aluno que tem medo do erro. Não há certo e errado. O cinema se propõe ao não linear, ao interdisciplinar, desconcertando essa lógica. O papel do professor, no caso, é o de estimular o diálogo em cima de uma experiência audiovisual.

CR: Onde as escolas erram com as experiências audiovisuais?

Cláudia Mogadouro: Propõem um trabalho pautado na cultura letrada. O cinema é adaptado para isso e aí se tem a valorização do seu conteúdo, somente, o que pode ser uma grande armadilha. Por exemplo, já vi casos de professores quererem usar o filme O Gladiador para fazer referência à Antiguidade. A questão é que o filme é uma representação contemporânea da antiguidade. Alguns professores usam filmes históricos como “túnel do tempo”, isto é, como se a história tivesse sido exatamente daquele jeito. O professor tem que se dar conta, e passar isso aos seus alunos, que o filme é uma leitura contemporânea de um período histórico, que também se apoia numa narrativa histórica construída. Claro que já vi professores fazerem trabalhos belíssimos, mas fica evidente que por mais que hoje tenhamos mais acesso ao audiovisual, não há uma cultura, uma formação dos professores, que dê esse respaldo. Aí se cai na ideia errônea de que o filme por si só vai tornar a aula mais interessante. Para trabalhar o cinema é preciso intencionalidade. Sem isso, há a banalização dos títulos. É preferível trabalhar três filmes por ano com qualidade do que passar um filme por semana e fazer um trabalho raso.

CR: Acha que o trabalho dos educadores sociais pode apoiar na aproximação dos filmes com as escolas?

Cláudia Mogadouro: As minhas pesquisas são focadas em educação formal regular. Sou da educomunicação. Mas tenho muitos alunos em ONGs e o que vejo é que a escola tem muito a aprender com a educação não formal, justamente por ela não estar amarrada a um currículo. Claro que a formação do educador deve ser levada em conta de qualquer maneira, seu repertório artístico, estético e sua habilidade para diálogos.

Hoje o filme é quase como a caneta. As crianças filmam com o celular. O que me preocupa são os projetos que estimulam a produção de vídeos, mas não consideram a cultura audiovisual. Para você escrever uma resenha você tem que ler o livro, certo? Então é preciso que haja um referencial. Como produzir um vídeo sem saber da história do cinema e da cultura audiovisual? E isso é desprezado pelas escolas. O filme acaba ilustrando as aulas, sem sustentar discussões como obra de arte que é. Por isso, o papel da mediação. Porque aí o filme passa a ser percebido, muda cabeças.

CR: Como você avalia os documentários?

Cláudia Mogadouro: O trabalho com documentários no Brasil está maravilhoso e temos um leque de produções criativas. Ainda assim, o trabalho das escolas para com o gênero ainda é limitado e o erro está em encarar o documentário como uma verdade. Essas produções trazem recortes daquele assunto na visão do diretor, não são verdades absolutas. No entanto, além de inspirar, os documentários convidam a produções autorais, dos próprios alunos. Outro ponto é a possibilidade de se trabalhar a alteridade, a chance de olhar para o que geralmente não enxergamos. Dependendo da condução do trabalho, você pode sensibilizar para causas importantes. O cinema permite que eu vista a pele do outro e os documentários acabam abrindo janelas para a alma.

Leia mais:Educomunicação e escola: o cinema como mediação possível (desafios, práticas e proposta), de Cláudia Mogadouro.

Como reconhecer e utilizar os potenciais educativos do cinema

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