publicado dia 28 de abril de 2014
Violência contra crianças é recorrente, mas denúncias ainda são poucas
por Redação
publicado dia 28 de abril de 2014
por Redação
Juliana Sada, com colaboração de Yuri Kiddo, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
Há 20 dias, o garoto Bernardo, de 11 anos, foi assassinado no Rio Grande do Sul, entre os suspeitos estão o pai e a madrasta. Em fevereiro, o menino Alex, de oito anos, morreu após ser espancado seguidas vezes pelo pai. Há seis anos, a pequena Isabella Nardoni, na época com 5 anos, foi jogada do sexto andar de um edifício pelo pai e a madrasta. Esses casos de violência contra crianças chocaram a opinião pública. Apesar da notoriedade que ganharam, esses são apenas alguns poucos casos de um universo de violência contra crianças e adolescentes.
No ano passado, o serviço de Disque Denúncia da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República registrou 162 mil relatos de violência física, psicológica e sexual contra crianças e adolescentes. Apesar de crescente, o número de denúncias ainda é pequeno em comparação com a realidade. Dados da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância estimam que a violência doméstica atinja 18 mil crianças por dia no Brasil.
São vários os motivos que explicam a dificuldade de mensurar a ocorrência da violência, seja por meio de denúncias ou atendimentos na rede de saúde. Entre eles está o fato de nem todos os casos serem denunciados, nem sempre a vítima procurar ajuda e nem sempre alguns atos serem considerados violência. Chantagem, humilhação, ameaças, beliscões e xingamentos são alguns tipos de violência recorrentes, muitas vezes vistos como normais.
Outro fator que leva à dificuldade de se conhecer o fenômeno é que, na maioria das vezes, o autor da violência é alguém da família ou de confiança da criança. Segundo dados da SDH, 70% das violações de direitos das crianças e adolescentes são cometidas por algum familiar. O número traz, além de casos de violência, registros de discriminação, trabalho infantil e negligência. Outro levantamento mostra que metade dos atendimentos realizados por conselhos tutelares têm os pais como autores da violação de direitos.
“A violência é um fenômeno histórico-social complexo e está presente em nossa história desde o processo da colonização, passando pela escravidão e pela sociedade patriarcal, em que a disciplina e o poder eram estabelecidos pelo autoritarismo, pela força e pela violência física”, explica a coordenadora da Campanha Nacional “Não Bata, Eduque”, Marcia Oliveira. Para ela, o uso da violência por familiares como forma de impor a autoridade ainda é culturalmente aceitável. “Muitos adultos não consideram esses tipos de punições como ‘violência’”, afirma.
Uma das violências contra a criança e adolescente que também tem apresentado números alarmantes é a de caráter sexual, como abuso, exploração (com fins comerciais), aliciamento e pornografia envolvendo crianças, entre outras práticas. Segundo um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), metade dos casos de estupro de crianças e adolescentes tem como autor pais, padrastos, amigos ou conhecidos da vítima. O estudo, realizado a partir de dados coletados pelo Ministério da Saúde, revela ainda que 70% das vítimas de estupro em 2011 tinham menos de 18 anos. O número é mais grave quando se observa que metade das vítimas tinha até 13 anos.
De acordo com a secretária executiva do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Karina Figueiredo, a questão cultural é importante para esse quadro. “A lógica machista é muito presente em nossa sociedade, e ela diz sobre a dominação do homem sobre mulher, que ela deve ser subserviente e pressupõe que é obrigada a ter relações com o homem, quando ele quiser.”
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Para Karina, além da questão cultural, a impunidade e a vulnerabilidade são fatores importantes. “Não vemos quase ninguém sendo preso por isso, muitas vezes é solto logo ou fica respondendo o processo em liberdade. Quando atendemos um caso de violência sexual, vemos que a família em geral está enfrentando uma situação de vulnerabilidade. Não apenas econômica, mas também de vínculos e de afeto”, explica.
Vítimas marcadas para sempre
Segundo o estudo do IPEA, a predominância de crianças e adolescentes entre as vítimas de estupro é “absolutamente alarmante, uma vez que as consequências, em termos psicológicos, para esses garotos e garotas são devastadoras”. A publicação explica que “o processo de formação da autoestima – que se dá exatamente nessa fase – estará comprometido, ocasionando inúmeras vicissitudes nos relacionamentos sociais desses indivíduos”.
Karina ressalta que as consequências da violência sexual são inúmeras. “Quando a questão não é tratada, há impactos na autoestima, nas relações interpessoais, no desenvolvimento da sexualidade e no aprendizado.” A secretária executiva relata que o atendimento às crianças vítimas de violência ainda não é satisfatório. “É necessário uma estrutura de serviços especializados, porque hoje o atendimento está diluído dentro da saúde e da assistência social e esses serviços não têm dado conta das especificidades, já que lidam com diferentes temas também.”
Outras formas de violência contra criança – como castigos físicos, ameaças e xingamentos no ambiente doméstico – têm entre as consequências a reprodução do ciclo da violência. Marcia Oliveira ressalta que a maioria dos adultos foram criados com o uso de práticas violentas (tapas, surras, beliscões, gritos, xingamentos etc.); e é a forma que eles conhecem e reproduzem. “Combater a banalização e aceitação desse tipo de violência tem sido nosso maior desafio. Estamos discutindo uma mudança cultural de longo prazo que contribua para que as pessoas passem a perceber o uso dos castigos físicos e tratamento humilhante como ‘não natural’ e busquem alternativas educativas não violentas”, pontua a coordenadora da Campanha Nacional “Não Bata, Eduque”.
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