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publicado dia 11 de agosto de 2014

Escola pode criar “war over” se adotar o “game over”

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Este artigo foi escrito em parceria com Gilson Schwartz.

Para Rubem Alves, in memoriam

Há poucos adolescentes alheios à tribo dos adoradores de games. A sociedade do espetáculo audiovisual vem dando exemplos de gamificação na cultura, na política e na economia. Quando acumulamos pontos para troca de passagens aéreas ou livros num programa de fidelidade, estamos utilizando recursos que combinam os games aos princípios da criação de moedas. O jogo e a brincadeira são atividades sérias. A internet promove a convergência entre o “homo economicus” e o “homo ludens”.

A escola, no seu usual papel tradicionalista, é por excelência o espaço onde estudar/trabalhar está separado no tempo e no espaço de brincar, demarcada pelo acesso ao pátio na hora do recreio. Do lado de fora, nos lares e nos bolsos de crianças e adolescentes, pulsa uma atividade interativa e imersiva em que os games constituem uma indústria que, nos Estados Unidos, já movimenta mais recursos que Hollywood.

Governos já se deram conta disso – o Ministério das Comunicações acaba de anunciar uma chamada de projetos para “jogos sérios”. No mundo inteiro a educação com tecnologia torna-se uma fronteira pautada pela indústria dos games e do entretenimento digital.

A comunidade acadêmica internacional já produz milhares de artigos para descrever resultados de pesquisas com a criação e uso de todas as possibilidades que os jogos (eletrônicos, físicos ou híbridos), aliados às tecnologias de mobilidade, têm sobre a prática educacional formal e informal.

Alexandre Sayad é jornalista, educador e fundador do MEL (Media Education Lab). Gilson Schwartz é professor do departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP e diretor para a América Latina da Games for Change.

Potencial transformador

Essa emergência do lúdico na reestruturação das formas de aprendizagem reverbera, com ou sem tecnologia, a lição maior de Rubem Alves. Os games desafiam não apenas professores, mas diretores, coordenadores pedagógicos e técnicos de informática, funcionários e até a equipe da faxina ou da merenda em atividades que alteram profundamente as relações entre professor, aluno, gestor e funcionário, família e amigos no processo de educação para a vida toda.

O horizonte que se abre desafia o currículo a se tornar multidisciplinar, coletivo e criativo, mobilizando com mais intensidade os alunos (comparada à dinâmica de sentar para memorizar e anotar).

O potencial dos games que transformam a prática pedagógica é especialmente relevante no caso dos jogos que lidam diretamente com as questões da atualidade, em especial a violência, o preconceito, as migrações humanas e as guerras, guerrilhas e terrorismo.

Mais que os já tradicionais games sobre a Segunda Guerra ou fantasias em conflitos intergalácticos, uma nova geração de games sobre o mundo real chega às escolas em todo o mundo. A educação para a mídia integra-se com a gamificação da aprendizagem.

Desconstrução

O ponto comum entre os games e a educomunicação é essa possibilidade de abordar as atualidades e fazer a leitura e a desconstrução/reconstrução da própria mídia como elemento na formação. Do mural digital ao game que transforma o processo de aprendizagem há interfaces, mídias e softwares em comum.

A ênfase no potencial criativo e transformador dos games na educação e na sociedade marcam a agenda promovida pela rede internacional Games for Change, uma rede aberta e não-governamental que atua no Brasil há três anos a partir do grupo de pesquisa “Cidade do Conhecimento”, na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

Jogos como “Conflitos Globais”, cuja tradução foi patrocinada pela FINEP (Ministério de Ciência e Tecnologia), colocam o professor e o aluno na cena de um posto de controle na Palestina: o jogador, entretanto, não tem armas, pois seu avatar é de jornalista.

Ao “brincar” de jornalista, o aluno ganha uma perspectiva imersiva no conflito, mas precisa traduzir a interação num conteúdo e deve, por si mesmo, concentrar sua atenção na amarração de sentidos. O jogo sugere e o professor acompanha.

A missão final é produzir uma reportagem, que será publicada no blog da escola ou em sua página numa rede social. As fronteiras entre a sala de aula, o mundo real e as outras mídias tornam-se parte de um mesmo jogo de construção de sentido numa realidade fragmentada e violenta.

Mil caminhos

Formar uma opinião a partir do contraditório: eis uma competência que as escolas podem fortalecer por meio de games e tecnologias. Entrevistar, fotografar e coletar dados para a publicação de uma reportagem sobre o conflito palestino-israelense torna-se uma atividade pertinente em aulas de história, geografia ou redação.

Simulando uma intervenção num conflito real, em que é necessário olhar para os muitos lados envolvidos (seja no Oriente Médio, na América Latina ou na África), o game pode levar a mais estudos de história, pesquisas na internet e mesmo a entrevistar personagens.

O resultado final do jogo é um “game over” que a rigor não é o fim, mas o começo de mil caminhos para a publicação da reportagem, que é compartilhada e debatida online com outras produzidas por alunos/jogadores/jornalistas no Brasil ou em outros países.

O jogo retrata o conflito não para banalizar a violência ou justificar ideologias, mas para promover nas escolas um exercício de diálogo, conhecimento, tolerância e cultura de paz. Não há armas, bombas ou tiros – apenas palavras e imagens para discussão pública.

Estímulo

A leitura, a redação e outras tantas competências na criação e gestão de ícones, textos, fotos e outros objetos audiovisuais são estimuladas pelo game. As reportagens da mídia “oficial” também entram em tela de juízo.

O jogo é um exercício crítico sobre o fluxo de informação que inunda diariamente os dispositivos e memórias de curto prazo,  abrindo assim novas perspectivas de leitura do mundo.

A Games for Change está mobilizando escolas e professores para participar dessa transformação pelos games. Promovendo o “game over”, aumentam as chances de se chegar ao “war over” com o apoio de escolas na Palestina, Jordânia, Israel, Líbano e outros países do Oriente Médio, assim como no Brasil e na América Latina.

O subtexto mais difícil para que governos possam adotar games em escolas públicas diz respeito a um “perigo”  que eles podem representar: são muito sérios, porém extremamente lúdicos.

A universidade, o poder público e a maioria das escolas não está pronta para desatar o nó tecnológico dessa contradição ilusória. Infelizmente, é o mesmo nó que tem colocado a educação pública brasileira como uma das recordistas em evasão de alunos na América Latina. Ao brincar de aproximar a escola e a realidade, o aprendizado será participativo, colocando a responsabilidade de cada um em jogo.

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