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publicado dia 2 de setembro de 2014

Cidades Sensíveis convertem pessoas em ‘sensores vivos’ do espaço urbano

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Do alto do palco da mesa de encerramento do Arq.Futuro, em Piracaciba, em 5 de agosto, o engenheiro, arquiteto e acadêmico italiano Carlo Ratti caminha de um lado para o outro enquanto gesticula as mãos num inglês entusiasmado e com um leve sotaque. Desde 2004, ele coordena o Senseable City Lab, no Massachussets Institute of Technology (MIT), uma das mais prestigiadas universidades norte-americanas.

Atrás de Carlo, uma tela enorme exibe vídeos e apresentações dos últimos projetos desenvolvidos por seu laboratório. Um deles fala sobre medições da atividade de celular em Roma durante a final da Copa de 2006, quando a Itália venceu a França, valendo-se de um mapa animado que funciona como um gráfico. No vídeo seguinte, ele mostra uma experiência feita em Taiwan com um aparelho celular que, conectado a sensores e a um óculos, traduz em cores a qualidade do ar, poluição sonora e outros indicadores, além de transmitir para os órgãos públicos essas informações. Isso é o que Ratti define como “cidade sensível”.

Nascido em Turim, na Itália, em 1971, Ratti, além de coordenar o Senseable City Lab, é fundador de um escritório de design internacional. Em 2012, foi nomeado pela revista Wired uma das 50 pessoas que irão mudar o mundo nos próximos anos. Também constou em listas de revistas de arquitetura e da Forbes.

A ideia do italiano é se contrapor de forma simbólica ao conceito de “cidades inteligentes”, ou “smart cities” que, segundo ele, “colocam a ênfase na tecnologia, quando deveriam focar nas pessoas”.  “Nós podemos ser o sensores vivos da cidade, que é um organismo vivo. A tecnologia é um meio: o importante é como usá-la para tornar nossas vidas mais significativas. Não desumanizar o cotidiano, mas colocar poesia”, projeta.

Prever é o primeiro passo para errar e o Senseable City Lab caminha nessa corda bamba. Sua missão é oferecer visões para os futuros das cidades, que em 2008 se tornaram o habitat de mais de metade da população mundial. Trabalhando com o processamento de dados e projeções, o núcleo de pesquisas já apresentou 166 publicações científicas e apresentou seus resultados em diversos eventos, bienais, espaços de design, arte, cultura e engenharia. Dentre eles, está um estudo sobre uma cidade sem faróis, onde os carros se dirigem sozinhos com perfeita sincronia. Para Ratti, até 2040, esse pode ser o nosso mundo.

O grupo também trabalha no desenvolvimento de alternativas para o transporte urbano, como táxis compartilhados por trajeto, o que seria possível em 95% dos casos, de acordo com projeções do laboratório, diminuindo danos ambientais e gastos energéticos.

Além disso, Ratti também é um dos inventores da Copenhagen Wheel, uma roda para bicicletas inteligente, que ganhou bastante destaque no último ano. Podendo ser acoplada a qualquer bicicleta, o aparelho elétrico se alimenta do esforço do usuário e ajuda a programar exercícios e o nível de esforço que você quer fazer nas subidas. Uma atualização das bicicletas elétricas, capaz de transformar o veículo em algo que pode desafiar o carro no meio urbano, além de captar dados sobre o ambiente e o esforço do ciclista.

O arquiteto, no entanto, coloca questões importantes e críticas sobre o que poderia ser esse mundo “onde nada é esquecido e tudo registrado”, inclusive suas ramificações e possíveis apropriações por regimes autoritários. Para desenvolver esses e outros temas, o Portal Aprendiz conversou com Ratti após a palestra.

Portal Aprendiz – Qual a diferença entre cidade inteligente e cidade sensível?

Carlo Ratti – Preferimos dizer cidades sensíveis ao invés de cidades inteligentes porque achamos que cidade inteligente soa muito como um computador ao ar livre, põe muita enfase na tecnologia quando gostaríamos de colocar mais enfâse nas pessoas, na cidadania. Sensível é de uma cidade que é sensível por e pelos seus habitantes.

Aprendiz – Você falou muito sobre como cada pessoa pode ser um vetor de informação, transmitir dados, enfim, ajudar a gerar informação sobre a cidade. Não existiria aí um perigo para a privacidade e um possível incremento em possibilidades de vigilância sobre cidadãos? Como isso poderia ser apropriado por regimes autoritários?

Ratti – Bom, sabe, toda tecnologia pode ser usada de modos diferentes. Depende de nós definir como usá-la. Mas eu acho que as novas tecnologias ajudam a colocar o poder na mão dos cidadãos e, assim, a construir uma sociedade mais aberta, livre e transparente.

Gráfico mostra o uso de celular em Singapura. "Como isso poderia nos ser útil para pensar os usos do urbano", questiona.
Gráfico mostra o uso de celular em Singapura. “Como isso poderia nos ser útil para pensar os usos do urbano”, questiona.

Aprendiz – E você considera que uma sociedade transparente é algo que devemos almejar?

Ratti – Eu acho que sim, devemos buscar uma sociedade na qual o povo tenha mais informação sobre o ambiente, sobre a cidade e consigam tomar decisões melhores. Claro que depende da preparação das pessoas para processar os dados, mas o simples fato de ter acesso à informações é um primeiro passo para tomar as decisões certas. E outra coisa é que essas tecnologias permitem que as pessoas se aproximem e se encontrem de novas maneiras, basta pensar no Occupy Wall Street, na Primavera Árabe, tudo isso seria muito diferente sem algo que permitisse a troca de mídia em tempo real. Então eu acredito que as novas tecnologias são  capazes de empoderar as pessoas para fazer coisas que antes não conseguiriam.

Aprendiz – Você mencionou na palestra que a habilidade de esquecer é uma necessidade humana básica. O que isso quer dizer na contemporaneidade e no contexto de uma cidade sensível? Estamos preparados para essa onipresença da informação?

Ratti – Informação, per se, é bom. Não acho que qualquer pessoa argumentaria que uma sociedade autoritária e fechada, onde a informação é usada para controle, é boa. Então abrir informação, torná-la acessível, é bom, mas ainda assim permanecem assuntos de salvamento e apagamento de dados, quem controla, quem acessa, são questões importantes, por isso acho essencial que toda sociedade se engaje nessas discussões.

Aprendiz – Aproveitando que você está aqui no Brasil, gostaria de saber como você acha que uma cidade sensível poderia ajudar a resolver problemas de sociedades em desenvolvimento, com problemas estruturais de desigualdade?

Ratti – Olha, muitas dessas tecnologias que discutimos anteriormente podem ser aplicadas em muito contextos, em Nova Iorque ou na África do Sul, no Brasil ou em Cingapura, em cidades pequenas ou grandes metrópoles.  Elas são muitos flexíveis. Um exemplo lindo é o que você vê no Sri Lanka onde as pessoas usam dados de celular para criar um mercado melhor para o comércio de peixes. Na África do Sul, pagamentos eletrônicos são mais sofisticados que nos EUA.  Você tem ótimos exemplos de leapfrogging [termo do jargão econômico que designa quando uma pequena empresa, por meio da inovação, salta à frente de uma mega-corporação] o que é muito encorajador. No Brasil, eu não saberia apontar que problemas existem e quais as soluções, mas posso te dizer que algumas dessas tecnologias podem impactar realidades, sejam elas rurais ou urbanas, ricas ou pobres, grandes ou pequenas.

Aprendiz – O que seria sua cidade do futuro?

Ratti – Eu não posso te falar de cidade do futuro, mas a minha cidade ideal seria uma mistura de muitas cidades diferentes. Georgesa Perec, o escritor francês, uma vez foi perguntado: “Onde você gostaria de viver em Paris?”. E ele disse: “Eu não quero só um apartamento. Eu quero que meu apartamento seja dividido entre vários bairros”. No meu caso, eu te diria que minha cidade ideal teria o clima de Napóles, a topografia de Praga, a gastronomia fusion de São Francisco e a vida noturna do Rio de Janeiro.

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