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publicado dia 12 de janeiro de 2015

Projeto Infâncias documenta o cotidiano e o imaginário das crianças brasileiras

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por Carolina Pezzoni, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz

A infância é invisível ao universo adulto. Esta foi uma das descobertas que mais surpreenderam Gabriela Romeu, jornalista especializada em produção cultural para a infância, em suas andanças pelos rincões brasileiros, em zonas urbanas ou rurais – “até mesmo em lugares onde só se chega depois de dias viajando de barco”, como ela própria fez questão de realçar –, ao pesquisar a vida de meninos e meninas em diferentes cantos do país.

Com ares de adversidade, a revelação, porém, fortaleceu a proposta do Infâncias, um projeto idealizado por Gabriela e sua sócia, a jornalista Marlene Peret, especializada em terceiro setor e empreendedorismo social. A iniciativa se dedica a registrar e documentar o cotidiano e o imaginário das crianças brasileiras – as urbanas, as ribeirinhas, as quilombolas, as indígenas, entre outras. “A ideia é sensibilizar os adultos sobre as infâncias que os rodeiam e sublinhar que as crianças têm muitos saberes”, expõe Gabriela.

Grupo de reisado mirim de Cariri (CE).
Grupo de reisado mirim de Cariri (CE).

Trilhas

Amazônia, Vale do Jequitinhonha, Vale do Rio São Francisco, Cariri cearense, interior de Goiás, norte do Rio Grande do Sul, periferia de Osasco (SP), Chapada Diamantina (BA), Pantanal… São muitos os lugares já visitados pela trupe do Infâncias, que, além de Gabriela e Marlene, conta com a parceria do fotógrafo Samuel Macedo, um “menino crescido”, como define Gabriela, que desde muito novo brinca de filmar e fotografar na Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri.

Bagagem afetiva

No início do projeto, que nasceu em fevereiro de 2012, a bagagem da trupe era recheada de brinquedos e objetos das infâncias que conheciam Brasil afora. Mas, como eles recordam hoje, ela foi ficando pesada para algumas situações. “Era muita coisa para carregar em viagens a lugares por vezes inóspitos”, pensou Gabriela. Então, eles decidiram levar as recordações somente em forma de histórias, de modo a compartilhá-las com as crianças e toda a comunidade nas conversas que abrem cada trabalho nos quintais de uma nova infância.

Segundo descreve a jornalista, a formulação dos roteiros considera tanto desdobramentos das visitas anteriores quanto chamados de organizações locais ou “de seus corações”. “O Cariri cearense, por exemplo, é terra do fotógrafo Samuel Macedo e um lugar que sempre nos fascinou. Minas Gerais, que chamo de Minas de Meninos, é terra de Marlene Peret e também de minha mãe e minhas tias. Como não visitar as Gerais e conhecer seus meninos?”, divide Gabriela, revelando o componente afetivo que permeia suas trilhas.

“Atendemos também a outros chamados: na região do Médio Xingu, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, fomos atraídas pela urgência de tratar de quintais em intensa transformação. Percorremos ainda rotas no Pantanal, no Rio Grande do Sul, no interior de Goiás, nas periferias de São Paulo, na Chapada Diamantina… E por aí vamos”, diz ela.

Futebol de rua em Juazeiro do Norte (CE).
Futebol de rua em Juazeiro do Norte (CE).

Quintais, espaços de descobertas

Uma vez definido o próximo destino, os integrantes do projeto estabelecem relações com ONGs, associações ou lideranças locais que tenham interesse em recebê-lo. Ao chegarem à cidade, comunidade ou vilarejo, apresentam a proposta de trabalho para adultos e crianças e então começam a observação, seguida pelo registro, das experiências de infâncias. “Geralmente somos bem recebidos, as comunidades viram grandes parceiras”, conta Gabriela.

O epicentro do trabalho são os quintais, já definidos pela jornalista como “uma grande escola dos meninos e meninas do Brasil”, representados pelo espaço atrás da casa, pela rua, pelo rio, pela floresta ou pelo próprio vilarejo. Como ela descreveu em um texto publicado no livro “Caindo no Brasil”, de Caio Dib, estes são ambientes de “descobertas, conflitos, invencionices”, onde as crianças “exercitam seus jeitos de perceber, sentir e reagir aos outros e ao mundo”.

“O Infâncias é uma viagem aos quintais do Brasil, dificilmente visitamos as escolas”, destaca a pesquisadora. “É bastante diferente a relação com a criança em seu quintal daquela no espaço escolar, com todas as regras e pressões.”

Meninos fazem papagaio no Vale do Jequitinhonha (MG).
Meninos fazem papagaio no Vale do Jequitinhonha (MG).

Ao pensar o alcance de um quintal ou outro na experiência da criança, Gabriela acredita que este espaço influencie no seu jeito de viver: “Nas comunidades rurais do país, as crianças não vivem tempos tão fragmentados, compartilham mais seu cotidiano com os adultos – pais, tios ou avós –, aprendem mais afazeres com eles, convivem com crianças e têm mais oportunidades de brincar livremente, criança com criança”. Ela ressalta, porém, que isso não significa uma infância perfeita, sem desafios.

Na opinião da jornalista, a criança tem a mesma força criadora e transformadora em todos os lugares. “A todo momento reinventam seu cotidiano e dão soluções incríveis para coisas que talvez nós não soubéssemos resolver”, argumenta Gabriela. Ela cita um pensamento do educador Paulo Freire (1921-1997), adaptado pela antropóloga Clarice Cohn, segundo o qual as crianças não sabem nem mais nem menos, elas sabem diferente.

Crianças assistem aos documentários do projeto na exposição Infâncias, no FIL (Festival Internacional de Intercâmbio de Linguagens), no Rio de Janeiro.
Crianças assistem aos documentários do projeto na exposição Infâncias, no FIL (Festival Internacional de Intercâmbio de Linguagens), no Rio de Janeiro.

Desdobramentos

Além do site do projeto, onde é possível acompanhar os registros captados ao longo dessas viagens (em forma de foto, vídeo, texto e áudio), os quintais dessas crianças se materializam em dois livros – “Terra de Cabinha” (sobre a infância no Cariri) e “Quintais do Brasil” –, ambos com lançamento previsto para 2015, e no filme “Meninos e Reis”, que está em processo de finalização. “Como somos independentes, caminhamos passo a passo”, explica a fundadora do Infâncias. “Precisamos de aprovação em editais ou verbas de leis de incentivo para concluir os processos.”

No ano passado, a trupe montou uma exposição itinerante com o mesmo nome do projeto e pretende que ela circule mais – neste momento, a exposição está no Instituto Gandarela, em Ouro Preto (MG). Como se não bastasse, uma série de reportagens intitulada “Quintais” tem sido publicada no caderno Folhinha, suplemento infantil do jornal “Folha de S.Paulo”, onde Gabriela trabalhou como editora. “Queremos inaugurar uma outra fase do projeto e abrir novos campos de trabalho para olhar as infâncias no Brasil e também em outros países”, adianta Gabriela, reforçando ser este um projeto de longa data.

Enquanto descobre infâncias com distintos contornos Brasil afora, deixando que meninos e meninas apresentem seus percursos diários, mostrem os frutos de seus terreiros e compartilhem técnicas para construir seus brinquedos, “costurados com pedaços de natureza”, como descreve Gabriela, uma conclusão se apresenta para ela, a qual generosamente compartilha: “Boa mesma é a infância que se viveu”.

Confira um dos vídeos do projeto Infâncias, no qual meninos do Cariri mostram as manobras que fazem com o pião, brinquedo popular na região:

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