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publicado dia 3 de fevereiro de 2015

Nova legislação para migrantes no Brasil é urgente e necessária, afirmam especialistas

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Migrar é, antes de tudo, uma demonstração de coragem e busca de felicidade, seja o motivo a necessidade de um novo emprego ou até mais do que isso – uma nova vida. Essa é a opinião da professora de Direito Internacional e livre-docente de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Deisy Ventura. “Mesmo diante de políticas restritivas e da construção de muros para barrar a passagem, as pessoas não param de se mover pelo mundo”, afirma a especialista em migrações.

Na noite de segunda-feira (2/2), Deisy participou do evento Como é ser migrante no Brasil?, promovido pela ONG Conectas Direitos Humanos em parceria com a Livraria Cultura e com o estúdio de jornalismo Fluxo. Além da professora, estiveram presentes o jornalista e coordenador da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto; a boliviana Veronica Yujra, da associação Si Yo Puedo (que promove orientação para jovens migrantes); e o representante da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) no Brasil, o mexicano Andrés Ramírez.

O debate sobre as políticas públicas que facilitem a vida de quem chega ao território brasileiro torna-se cada vez mais necessário à medida que o número de migrantes estrangeiros dispara no país: entre 2000 e 2010, houve um aumento de 86,7% – de 143 mil para 286 mil – apenas entre aqueles que viviam por aqui há pelo menos cinco anos e em residência fixa.

Apesar de conflitantes, as estatísticas oficiais não escondem o crescimento dessa faixa social. De acordo com a Polícia Federal, existem 940 mil migrantes no Brasil; já dados do Ministério da Justiça, estimam que o país conte com cerca de 1,5 milhão de migrantes documentados.

Bolivianos já são a segunda maior comunidade estrangeira de São Paulo - atrás apenas dos portugueses.
Bolivianos já são a segunda maior comunidade estrangeira de São Paulo – atrás apenas dos portugueses.

Trabalho precário

É um consenso entre os especialistas o atraso brasileiro no debate sobre os direitos dos migrantes. A defasagem não está somente nas políticas públicas, mas também no imaginário social. “O migrante não está sendo bem aceito em São Paulo. Muitos nos enxergam com olhares enviesados, acreditando que viemos para roubar seus empregos, suas vagas no sistema de saúde e educação. Isso põe em xeque a boa fama de recepção e hospitalidade do brasileiro”, opina Veronica, representante da imensa comunidade boliviana no Brasil – na capital paulista, por exemplo, só estão atrás numericamente dos portugueses.

“O preconceito contra o migrante interno também é grande”, relembra Sakamoto. Além de garantir a atualização da legislação sobre o estrangeiro, o jornalista acredita que é preciso “tratar bem os migrantes desse país. O paulista maltrata o nordestino que ajudou a desenvolver esse estado.”

Sakamoto problematiza esse estereótipo. “Grande parte dos migrantes que chegam ao Brasil preenchem as vagas de subemprego. Hoje, o jovem proletário urbano não quer mais costurar ou trabalhar em frigorífico, então a demanda do trabalho precarizado acaba sobrando para os migrantes recém-chegados ao país”, afirma. Por não estarem documentados, não possuírem rede de proteção, tampouco sindicato que os defenda, a exploração econômica dessas pessoas acaba sendo facilitada.

O jornalista ainda desfaz a ideia de que a chegada dos migrantes dificultaria o acesso aos já saturados sistemas de educação e saúde. “Eles vivem uma situação indigna, pois são obrigados a pagar impostos de produtos e serviços e, no fim, quem usufrui somos nós, já que quem não está regularizado não pode.”

Encontro de culturas

A ONU estima em 232 milhões o número de migrantes no mundo. Ou seja, se considerarmos o dado do Ministério da Justiça, somente 0,6% dessas pessoas escolhe o Brasil como destino. “Não dá para entender quando falam que temos uma invasão de estrangeiros. Cerca de 80% dos migrantes vivem apenas em dez países, como Estados Unidos, França, Rússia, Espanha e Reino Unido. Não há nada de assustador no que acontece no nosso país”, esclarece Deisy.

Debatedores foram unânimes: legislação do Brasil no tema é muito defasada.
Debatedores foram unânimes: legislação do Brasil no tema é muito defasada.

“Para mim, uma das grandes riquezas do Brasil é o fato de ser construído pelas migrações. São Paulo, por exemplo, era uma aldeia pequenina no século 19, e começou a tornar-se a megalópole que é por causa dos migrantes”, ressalta Andrés. “Esse encontro de culturas tem que ser agradecido e bem-vindo.”

Representante de um órgão da ONU para refugiados, Andrés acredita que o país deve fazer mais esforço por seus migrantes. “Diferente do migrante, o refugiado faz um deslocamento forçado, sem escolha. Eles procuram salvar suas vidas”, diz. Mesmo afastando dos principais conflitos internacionais, cresce o número de refugiados no Brasil: se em 2011 chegaram mil, em 2014 foram cerca de 9.300 novos refugiados.

Entulho autoritário

Assinada em 1980 por João Figueiredo, último mandatário da Ditadura Militar (1964-1985), o Estatuto do Estrangeiro ainda vigora. “Trata-se de um entulho autoritário”, definiu Deisy, que trabalha na elaboração de uma reforma na legislação. A lei proíbe a participação política do migrante e veta qualquer tipo de manifestação por direitos.

“O Brasil deporta e expulsa migrantes e seus semelhantes não podem protestar porque os compromete”, observa. A lei ainda proíbe a regularização migratória daqueles que entram no país irregularmente e define “absurdos como a não participação de migrantes em conselhos editoriais de veículos da imprensa. É totalmente sem nexo com a democracia.” Além disso, a constituição brasileira não permite voto aos migrantes. “É a partir do voto que a pessoa começa a estabelecer um diálogo com a classe política.”

Boliviano se diverte na zona norte de São Paulo.
Boliviano se diverte na zona norte de São Paulo.

Ao lembrar que vários países latino-americanos já possuem secretarias de migração, Veronica reclama da regularização no Brasil ser feita na Polícia Federal. “Está claro que a lei não nos protege e, pelo contrário, nos vulnerabiliza. O pior de tudo é que não podemos pressionar civilmente para isso mudar. Esse entrave dificulta muito as nossas vidas”, lamenta.

A professora da USP questiona o mito sobre o volume de migrantes que chegariam ao Brasil caso o acesso fosse facilitado. “Isso faz parte de um imaginário. Nosso país é desigual, machista, racista – não conseguimos corrigir essa indecência que vivemos diariamente. Nem prover água e energia nas regiões mais ricas estamos conseguindo. Será mesmo que milhares de pessoas virão para esse eldorado emergente?”, provocou.

Direitos dos migrantes

O Brasil é o único país do Mercosul que não assinou a Convenção sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família, elaborado em 2003 pela ONU. Deisy enfatiza a necessidade de se construir apoio aos direitos dos migrantes no Brasil. “A legislação brasileira infelizmente sustenta o preconceito da população aos migrantes e embasa seus ataques”, argumenta. “Uma nova legislação quer facilitar a regularização. Afinal, quem ganha com a dificuldade das pessoas entrarem aqui, pagando até cinco mil dólares aos coyotes? Não é o Estado, com certeza.”

Veronica acredita que migrantes regularizados ajudariam os brasileiros a lutar para que todos os direitos humanos fossem respeitados. “Queremos melhorar os serviços públicos, não apenas para o migrante ser tratado melhor, mas para que todos sejam.” E desabafa: “O Brasil perde muito ao não resolver essa questão. Há inúmeros migrantes na área de confecções, por exemplo, e o país ganharia muito ao transformar isso em trabalho digno.”

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