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publicado dia 29 de abril de 2015

Cidades educadoras: O espaço urbano no centro da aprendizagem

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A cidade é o lugar onde a maioria de nós vive, desde 2007, quando 50% da população mundial passou a viver em ambientes urbanos. Mas o que fazemos deste espaço? O geógrafo David Harvey, citando Robert Park, nos lembra que a humanidade, ao tentar recriar o mundo de sua forma, mesmo sem clara consciência de sua tarefa, fez as cidades e assim, refez a si mesmo. Com essa lição de casa em andamento constante, convém parar para pensar: que cidade queremos?

A dimensão é gigantesca: dentre as milhares de urbes que temos, são muitos modos de viver, de organizar o espaço e a vida de seus habitantes. Mas, desde os anos noventa, uma proposta provoca, e assim, ajuda a criar, uma outra concepção urbana: e se a cidade for uma escola?

Essa é a noção que sublinha a atuação das 470 Cidades Educadoras, distribuídas em 36 países pelo mundo, organizadas em rede pela Associação das Cidades Educadoras (AICE), fundada em 1990 em um congresso em Barcelona.

A Carta das Cidades Educadoras, fruto do evento, defende que as cidades têm um potencial educativo em estado inercial, que precisa ser ativado. Que além de desenvolver atividades sociais e econômicas, também é preciso transformar o espaço comum em uma escola a céu aberto, em contato permanente com a comunidade. Que cidadania, participação social e educação caminham ao lado da democracia, solidariedade e tolerância. E que a aprendizagem é algo orgânico e inerente ao ser humano, e que nos acompanha pela vida inteira.

“Hoje mais do que nunca as cidades, grandes ou pequenas, dispõem de inúmeras possibilidades educadoras, mas podem ser igualmente sujeitas a forças e inércias deseducadoras. De uma maneira ou de outra, a cidade oferece importantes elementos para uma formação integral: é um sistema complexo e ao mesmo tempo um agente educativo permanente, plural e poliédrico, capaz de contrariar os fatores deseducativos”, descreve o preâmbulo da carta (disponível em português aqui).

Cidade das crianças

Jaúme Martínez Bonafé, professor titular do Departamento de Didática e Organização Escolar na Faculdade de Filosofia da Universidade de Valencia, retoma a proposta de uma Cidade das Crianças, criada pelo italiano Francesco Tonnuci. Segundo Boanfé, esse conceito apresenta uma cidade “pensada para todos, para os idosos, uma cidade de espaços de encontro, diálogo, passeio”. E mais do que isso: sendo uma construção humana, formada por diversas subjetividades e processos históricos, a cidade também é um currículo, repleto de aprendizagens.

“A educação tem que sair da escola”, acredita Bonafé. “A escola tem que sair de si mesma. Tem que buscar outros percursos, descobertas, a busca de algo novo, ter menos regras e colocar a possibilidade da descoberta. O século 21 precisa de uma educação que passe pela análise crítica do discurso, ou como diria [o educador Paulo] Freire, uma leitura crítica da realidade”.

De acordo com ele, não basta conectar espaços tradicionais e institucionais como museus e centros culturais com a escola: é preciso que o espaço público, comum, local de debate e convivência, tenha suas potências exploradas de maneira educativa. “O educador tem que sair da compreensão restrita do currículo e das fragmentação das disciplinas clássicas, para abrir projetos de investigação, de descoberta, do olhar interdisciplinar. Enquanto falarmos de matemática e língua de maneira separada, não se chegará a nada. A cidade já integra todas essas dimensões”, avalia.

Educação contra a desigualdade

Em sua visita por São Paulo, em outubro de 2014, o economista inglês Gareth Jones da London School of Economics (LSE), afirmou que, para diminuir desigualdades sociais, não há saída melhor que a educação. “Não podemos contar sempre com crescimento, produção e estabilidade. Nesse sentido, o melhor investimento social, e existem milhares de estudos comprovando isso, está na educação. Uma boa escola em um bairro pobre é capaz de transformar uma realidade e a vida de seus habitantes”.

Essa parece ter sido uma das lições que Rosario, a terceira maior cidade da Argentina, atrás de Córdoba e Buenos Aires, e próxima sede do Congresso Internacional de Cidades Educadoras, que acontecerá em 2016, tirou da prática de Cidade Educadora, que exercita desde 1996. Laura Alfonso, diretora do Escritório Regional da América Latina para a AICE, contou um pouco deste percurso ao Portal Aprendiz.

Segundo ela, desde que a cidade se viu como Cidade Educadora, uma série de políticas públicas acompanharam essa definição. “Começamos com uma descentralização institucional, com a ideia de que era necessário ter um governo mais próximo e amigável. Também se desenvolveram muito as políticas sociais, de maneira integrada com transportes e lazer, sempre tendo em mente a necessidade de oferecer aos mais vulneráveis oportunidades iguais”, explica Laura.

Criação de espaços culturais e de brincar, escolas de música, integração de práticas esportivas com promoção social, fortalecimento de instituições de bairro, economia social, hortas urbanas, aproximação entre educação, saúde e cultura. Para Rosario, tudo isso passou a fazer parte de uma política de educação que transcende o dia a dia da escola para refletir e impactar o cotidiano do município.

Além disso, a cidade adotou o modelo de orçamento participativo, já experimentado em muitas cidades brasileiras, que tem representado uma oportunidade de participação e aprendizado para todos os envolvidos. “Construímos também um Conselhos das Crianças, nas quais nossos jovens são instados a pensar que cidade querem e a oferecer ideias para o poder público”, revela Laura.

Conceber a cidade como um espaço educador, então, pode ser uma forma de reduzir desigualdades e aprofundar a democracia? Laura não têm dúvidas: “Uma cidade educadora tem tudo a ver com mecanismos de participação. É importante que nos sintamos responsáveis pelo nosso entorno, pela nossa vida política e cidadania. E uma Cidade Educadora tem que ser inclusiva, para que todos tenham seu direito à cidade garantido, para que cresçamos juntos”, finaliza.

No Brasil

Belo Horizonte (MG), Caxias do Sul, Santiago e Porto Alegre (RS), Jequié (BA), Vitória (ES), Itapetininga, Santo André, Santos, São Bernardo do Campo, Sao Carlos, São Paulo, São Pedro e Sorocaba (SP), são as quatorze cidades brasileiras que se declaram educadoras, segundo a AICE. Cada uma delas se propôs a dedicar esforços na tarefa de transformar suas cidades.

Para Venuzia Fernandes, Secretária de Educação de Santos, no litoral paulista, educação tem que ser uma prioridade na formação de um cidadão atuante sobre deveres e direitos na cidade, trabalho que deve ser feito de forma integrada com as demais secretarias e a com comunidade em geral. “Queremos que a educação vá além dos muros da escola. Para nós, uma cidade educadora se preocupa com todos seus habitantes”.

Para garantir esse processo, a Secretaria investe em políticas públicas que fortaleçam a ligação da comunidade com a escola, como “Santos da Gente”, que visa apresentar a cidade, seu patrimônio histórico e cultural, para os estudantes. Se aproveitando do fato de que cerca de 19% da população da cidade é composta por idosos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi pensado o projeto “Vovô Sabe Tudo”, que leva idosos para participar da educação como condutores de bondes, contadores de história e cuidadores de hortas comunitárias.

O município do litoral paulista também incentiva a formação de grêmios escolares desde o Ciclo I do Ensino Básico e oferece uma Câmara Jovem, onde as crianças e adolescentes podem debater o futuro da cidade e entender os trâmites da democracia. Ao final deste mês, haverá uma Semana do Brincar, que pretende instaurar o lúdico nos ambientes públicos da cidade, esperando também aproximar a família da educação das crianças.

“É um grande desafio trazer a família para participar da educação dos filhos, mas tentamos incentivar de diversas maneiras. Uma delas passa por oferecer bibliotecas e programas de acompanhamento que incentivam a escolha e leitura conjunta de livros entre pais e filhos. Também tentamos abrir a escola para a comunidade, fazendo ela um ponto para serviços de saúde, prestação de serviços e emissão de documentos”, aposta Venuzia.

Para além das instituições

Mas não é apenas a partir da iniciativa de governos e secretarias, que a cidade pode se converter em um território educativo. Propostas como a Virada Educação (SP), o Ecomuseu de Maranguape (PE) e o Bairro-escola Rio Vermelho (BA), revelam como é possível romper com o modelo tradicional de educação e de urbanidade que temos, potencializando aprendizagens e transformando a realidade local de uma comunidade.

Outra reconfiguração necessária abrange o papel dos educadores nesse processo de uma cidade que educa. Micaela Altamirano, professora de Artes da rede pública e particular de ensino paulistana, se confronta diariamente com esse desafio: ela resolveu adotar a cidade como um espaço de reconhecimento histórico e cultural e reorientou seu trabalho com os jovens para as diferentes estéticas urbanas.

ednilson maia

A atividade proposta por ela teve início com a leitura de um livro de um autor indígena, Daniel Munduruku, que narra a histórias dos nomes dos bairros de São Paulo. Partindo disso, e associada a professoras de outras disciplinas, Micaela levou os estudantes para conhecer as cinco zonas de São Paulo. Em sua opinião, era fundamental revelar a história da cidade, vinculando a trajetória das regiões às vidas dos estudantes.

“Por muito tempo o espaço público foi abandonado pelo poder público e tem sido visto como um espaço de guerra, de violência, de aridez. Isso incentiva as pessoas a quererem se isolar, a se desumanizarem, a deixarem de fazer parte”, pondera a educadora, que aponta a ocupação da cidade como uma das formas de reverter essa lógica.

“Não dá para, como professor, achar que a experiência está pronta, que você vai passar um conteúdo em sala e aí está. Eu vejo tantos educadores brigando com celular, disputando a atenção do aluno, sem pensar nas oportunidades educativas na cidade. Eu acho que é impossível que a experiência educacional aconteça fechada, em um lugar inóspito, militarizado, fechado a tudo que seu entorno oferece”, analisa.

Micaela observou, a partir de sua prática, que o estudante que vivencia o espaço acaba por transformar aquilo em conteúdo. Citando uma situação tensa que vivenciou, quando embarcou no trem das seis com seus estudantes, a educadora chama atenção para as oportunidades educativas que a vida na cidade oferece.

“O imprevisto dá leitura: para a questão do transporte público, para a dinâmica da cidade, para a questão de centro e periferia. A cidade tem todos os conteúdos e, se você usa, é menor a luta para chamar a atenção do jovem e maior a apropriação do espaço por ele, a compreensão de sua presença ali, e de como ele pode devolver o que aprendeu para o mundo”, conclui.

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