publicado dia 27 de agosto de 2015
Especulação imobiliária é o maior desafio para ocupação do espaço público em São Paulo, apontam ativistas
por Danilo Mekari
publicado dia 27 de agosto de 2015
por Danilo Mekari
Um debate sobre ativismos na cidade, realizado na noite de segunda-feira (24/8), em São Paulo, como parte do ciclo de debates Inquietudes Urbanas, não poderia ter outro protagonista senão o trabalho de coletivos que estão repensando a cidade e incentivando a ocupação de espaços públicos.
Por outro lado, como a discussão englobou os atritos existentes entre os interesses público e privado, também foi apontado o antagonista desse processo: a especulação imobiliária. Nas palavras do professor da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da USP, Guilherme Wisnik, “um mercado predatório que simplesmente faz tudo em função do lucro e derruba o que vem pela frente”.
Ele cita o verso imortalizado por Caetano Veloso, a força da grana que ergue e destrói coisas belas, para ilustrar uma zona urbana onde o processo coordenado pela geração de lucro é avassalador. “Isso não é recente. Porém, de algum tempo para cá, a nossa economia é gerida na financeirização, e isso é especulação na essência. Por isso, seu impacto ficou muito maior.”
Frear esse processo é fundamental para a construção de cidades humanizadas e educadoras. “As pessoas querem usar a cidade e se identificar com ela, sentindo-se parte e criando um vínculo de cuidado”, afirma a urbanista Laura Sobral, integrante do coletivo A Batata Precisa de Você, que propõe a ocupação do Largo da Batata (zona oeste de SP).
Laura aponta uma das principais fricções que enxerga entre o público e o privado. “A especulação imobiliária move a produção da cidade, dividindo a população entre pessoas que querem lucrar com aquele terreno e pessoas que querem utilizá-lo.” Ao ganhar força e legitimidade perante o poder público, acrescenta ela, a especulação permite a proliferação de outros processos devastadores para uma cidade que se quer democrática, como a gentrificação, a verticalização desenfreada e a periferização.
Para Laura, apesar de existirem divergências, os movimentos de ocupação do espaço público que atuam em São Paulo têm muitos pontos em comum, entre os quais a busca por justiça sócio-espacial, por uma cidade que respeite a diversidade, pela qualidade dos espaços urbanos e por um processo inclusivo de “fazer cidade”.
Thiago Carrapatoso acredita que a novidade nos dias atuais está na “divulgação gigantesca” do que já vem acontecendo em São Paulo. Ele cita os trabalhos do Coletivo Bijari e da Casa da Lapa como precursores dessa movimentação que tomou as ruas da cidade.
Retoma ainda as origens do Movimento Baixo Centro, no qual é colaborador. O grupo surgiu em 2011 como uma resposta direta para os projetos urbanísticos que pretendiam “revitalizar” e “requalificar” o centro de São Paulo, como o Nova Luz. “Nenhum deles considerou o modo que as pessoas utilizavam aqueles espaços”, relata.
Thiago aponta a necessidade de trabalhar o espaço público de uma forma ordenada, esclarecendo para a sociedade como ela deve atuar. “Hoje, associações de moradores se articulam com conselhos de segurança para coibir o uso de espaços públicos. Isso acontece na Praça Roosevelt e no Minhocão e é sim uma forma de privatização”, avalia. “Como construir uma cidade não tão rígida nem burocrática é o que precisamos descobrir.”
Desde a colonização, passando pelo período de escravidão e chegando às chacinas dos dias atuais, a formação nacional brasileira é marcada por violações. “Nos formamos como sociedade mantendo traços estruturais do patriarcalismo colonial”, observa Wisnik. Essa característica se desdobra no patrimonialismo, que confunde as noções de público e privado e trata questões coletivas na base do tratamento pessoal e do favor.
“Isso continua muito vivo no nosso cotidiano. E acarretou na perda do espaço público. Afinal, como ter esse espaço se não sabemos nem o que é esfera pública?”, questiona o professor, citando antigos redutos públicos que foram apropriados das mais diversas formas (com grades, muros, horários de permanência) e hoje se tornaram irreconhecíveis.
Porém, ao viver a ressaca de um projeto político que falhou – como Wisnik se refere às conquistas não cumpridas pelos governos petistas –, eclodem nas grandes cidades movimentos que, “detentores de um regime de urgência e impaciência”, desistem da política institucional e resolvem fazer política com as próprias mãos. “Vivemos um momento em que as coisas começam a mudar, com pessoas querendo fazer valer o espaço público”, alerta.
Os benefícios desse processo não são poucos. “O principal atributo do espaço público é a noção de conflito. Isso é fundamental. Um espaço público abandonado é pacificado; quando é utilizado de verdade, traz conflitos, pois a sociedade é conflituosa e está disputando esses lugares”, acredita Wisnik, citando as desavenças entre moradores e frequentadores da Praça Roosevelt.
Opinião semelhante tem o secretário-adjunto de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Rogério Sotilli, que acredita na cidade como um espaço de disputa de valores. “Precisamos fazer com que o espaço público nos ajude a avançar na solidariedade, na liberdade, no exercício da cidadania”, aponta.
Também é necessário entender que a capital paulista é uma cidade que produz violações. Caso contrário, “teremos dificuldades de entender que São Paulo também produz soluções inovadoras e promove encontros de coletivos, produzindo uma nova visão de cidade”, finaliza Sotilli.
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