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publicado dia 30 de setembro de 2015

Em São Paulo, sarau contra a violência de Estado ocupa Terminal Santo Amaro

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Muito além das exaltações, homenagens e odes, uma arte milenar como a poesia nunca deixará de retratar os males e as dores que acometem a experiência humana no mundo. Também é inegável que, atualmente, a violência perpetrada por agentes de segurança pública gera dor e o sofrimento a pessoas de diferentes cantos do planeta.

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.

Mais do que luto, porém, uma das armas destes injustiçados para fazer frente à opressão militar é a revolta, a indignação, a raiva – soltar aquele grito preso na garganta.

Não importa que a Justiça continue lenta e vagarosa: a organização popular ao redor deste tema vem apenas crescendo, seja no Brasil, onde chacinas parecem já fazer parte do cotidiano; no México, onde recentemente completou-se um ano do desaparecimento de 43 estudantes normalistas em Ayotzinapa; nos Estados Unidos, onde a questão racial voltou à tona com o assassinato de jovens negros por policias brancos; na Europa, com a nova onda imigratória. Exemplos não faltam.

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.

Para se ter uma noção de quão atual é este drama nas cidades do Brasil e do mundo, no último final de semana foram registradas 14 mortes na Grande Natal, muitas delas em confrontos entre policiais e supostos criminosos. No Peru, o governo decretou estado de emergência após protestos contra um projeto de mineração de cobre terminarem com quatro mortes e 22 pessoas feridas em embates com as forças de segurança.

Nesse contexto de seguidas violações aos direitos humanos, a poesia constitui-se como poderoso instrumento de revolta popular. Ao invés de armas, palavras. No lugar de tiros, rimas. Foi pensando assim que a Nenhum (a) Menos – Semana de Lutas Contra a Violência do Estado, evento que acontece até sábado (3/10) em São Paulo, organizou um sarau sobre o tema, realizado em parceria com o Slam do 13 e diversos coletivos artísticos e sociais do país.

(…)
Mais dinheiro pra armamento
Do que pro básico da merenda
A escola é um presídio
Ponto de indignação
Nem professor ganha dinheiro
Nem aluno presta atenção
Então vão todos para as ruas
Exigir um pouco do seu direito
E são recebidos por homens fardados
Com armas apontadas para o seu peito
(…)

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.

Diferente dos saraus, o slam propõe uma batalha de poesias autorais, desde que apresentadas sem auxílio musical, figurino ou objeto cênico. O poeta será avaliado por um júri popular formado por cinco pessoas, escolhidas entre os presentes na plateia. O vencedor costuma levar prêmios como livros, CDs e camisetas. O Slam do 13 acontece toda última segunda-feira do mês, na plataforma do Terminal Santo Amaro próxima à entrada da estação Largo Treze do metrô.

Na noite de segunda-feira, a poesia ocupou uma plataforma do Terminal Santo Amaro, um dos terminais de ônibus mais movimentados da extensa zona sul paulistana. Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da sempre violenta – e muitas vezes mortal – repressão policial. Temas como redução da maioridade penal, violência policial, chacina, preconceito social, criminalização da pobreza, machismo e racismo marcaram presença durante quase quatro horas de Slam.

“Na verdade, seria ideal se a gente não precisasse de um evento como esse. Mas é necessário alertar as pessoas sobre a violência estatal, e é importante estar aqui no Terminal Santo Amaro, vendo muita gente parando para ouvir e se informar”, declarou Jeferson Santana, um dos poetas presentes na noite. “Acho fundamental a gente criar focos de discussão dentro dos espaços públicos e culturais, ampliando essa discussão para a população.”

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.

Jeferson faz parte do coletivo Poetas Ambulantes, que circula por trens, metrôs e ônibus declamando poemas. Ele e Michele Santos, poeta que também participou do Slam, organizam o sarau Sobrenome Liberdade, que acontece toda primeira quinta-feira do mês, no Grajaú.

(…)
A justiça segue
vendada
A política segue
vendida
E a paz
A paz não invadiu nada
A paz foi invadida
Atirada e morta
E o pior, quando vier, enfim
A paz baterá à porta e talvez
Alguém não abra
Mais uma chacina
Quantas mais?
Até que a própria esperança
Amanheça
Morta

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.

“É tão notório que estamos vivendo tempos reacionários e retrocessos, tanto políticos como na convivência pessoal. A tomada de um espaço público ajuda a alertar muitas pessoas – diferente de um seminário universitário, um simpósio, que vai ficar dentro daquele universo”, acredita Michele. “Quando se põe na rua, é o contrário: quantas pessoas passaram no meio da gente, parando um pouquinho por curiosidade? Um trabalhador com a sua marmita, a moça que acabou de sair do trabalho. É importante elas terem acesso a esse tipo de movimentação.”

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.

Ambos são professores da rede estadual de ensino em São Paulo. Jeferson dá aulas de português na EE Oscar Pereira Machado, no Jardim Nakamura. Michele é docente da EE Mademoiselle Perillier, no Jardim Imbuias, e também na EMEI Professora Aldina Anália, da rede municipal.

Jeferson acredita no poder que a poesia exerce naqueles que a escutam. “Levar a poesia para espaços abertos e públicos é dar espaços para quem está ali se manifestar. Já vi vários saraus e slams abertos para os moradores de rua entrarem e participarem para dar suas ideias. São pessoas invisíveis dentro da sociedade, e quando veem uma roda de poesia se sentem atraídos para falar.”

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.

(…)
Não pode ser herói
Quem um dia foi general
Porque o passado volta
Quando não se aprende
A cruzar os braços
E cerrar os dentes
Não queremos paz!
Temos outra palavra
Revolta
E organização popular
Isso não é só uma preza para os mortos
É um canto de guerra
Uma arma subterrânea
Que na vida sitiada
Entre catracas, enquadros e balas de borracha
Rasga
Na superfície do dia-a-dia
Entre versos e feridas
Uma bomba subatômica
Uma armadura divina
Uma certeza revolucionária
Chamada poesia
Apesar de todos os poderosos
Apesar de cada lei
De cada esculacho
Seguimos
Fazemos com nossos gestos
Com nossos versos
Resistência ativa
Deixem os discursos para os palanques
Nossa trajetória fazemos com luta
E não com tanques

A Semana, que para além do sarau já organizou ações diretas, aula pública sobre desmilitarização e exibição de filmes, prossegue com um debate sobre mulheres encarceradas nesta quarta-feira, um ato em memória aos 23 anos do massacre do Carandiru, na sexta-feira, a partir das 17h, no Largo São Francisco, e um festival de hip hop no sábado, em Cidade Tiradentes.

Os milhares de passageiros que ali circulavam não deixaram de escutar as vozes daqueles que, diariamente, são alvos da violência policial.Os trechos de poemas desta matéria foram declamados durante o Slam do 13 + Sarau Contra a Violência do Estado. Todas as fotos são de Danilo Mekari.

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