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publicado dia 30 de novembro de 2015

Mário de Andrade: Parques Infantis e o sonho antigo de uma infância livre

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Há duas semanas, em São Paulo, o ator Pascoal da Conceição, apareceu na ocupação da Escola Estadual Fernão Dias para apoiar os estudantes. Entre brincadeiras e discursos, Conceição estava caracterizado à moda do escritor, pesquisador, educador e poeta Mário Andrade. Ele lembrou, em seu discurso, que Mário foi chefe do Departamento de Cultura de São Paulo e tinha um grande apreço pelos jovens e pela educação. O modernista, inclusive, foi o criador dos Parques Infantis, uma proposta de educação fora da escola que apostava em uma infância livre para assegurar o desenvolvimento integral de meninos e meninas.

Em tempos de ocupações e reinvenção das escolas pelos estudantes, parece propício lembrar que São Paulo já abrigou locais de livre brincar, onde a exploração de diferentes linguagens e a valorização da cultura estavam na ordem do dia. Em suma, uma experiência que há 80 anos já enxergava que educação, cultura e saúde são indissociáveis.

Crianças praticam o livre brincar nos parques infantis
Os parques infantis voltavam-se para os filhos dos trabalhadores.

Entre 1935 e 1938, o escritor assumiu com avidez uma tarefa difícil. Convidado pelo então prefeito Fábio Prado, assumiu a criação e condução do Departamento de Cultura, um órgão análogo a uma Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Mário via nessa tarefa a possibilidade de transformar em algo concreto suas pesquisas sobre cultura e folclore nacional. E garantir, na São Paulo que crescia desvairadamente, locais para aprendizagem e expressão da cultura nacional. A socióloga Silvana Rubino, na completa publicação do Itaú Cultural sobre os Parques Infantis, é assertiva sobre a importância do trabalho de Mário. “Tratava-se de educar uma cidade”. Assim ela relata o cenário da cidade na construção dos Parques:

“Nessa ‘Pauliceia desvairada’, a novidade era uma classe operária de origem estrangeira, que tinha outros costumes, mobilizava outros conhecimentos, falava outras línguas e reivindicava seus direitos. Olhada com preconceito por diversos setores das elites paulistanas e com temor – afinal, entre os costumes que trouxe incluía-se a greve! Mas quem eram essas pessoas? O Departamento de Cultura coordenou diversos inquéritos para saber quem eram, como viviam, que idioma falavam, o que comiam. (…) Os Parques Infantis voltavam-se para os filhos dos trabalhadores. A proposta era que pais e mães pudessem trabalhar com sossego sabendo que suas crianças estavam assistidas por meio do esporte, do canto, da alimentação, do tratamento odontológico e de diversas atividades. Não era um espaço escolar, pois atendia crianças a partir de 3 anos. Era um espaço complementar à educação formal, e as crianças nem sequer eram separadas em classes por idade. Era um espaço para brincar, para estar, tomar sol, fazer bagunça na piscina e mesmo “ficar à toa”. E de atividades artísticas. Mário tinha profundo apreço pelo desenho infantil: mandava comprar bons materiais para as crianças, dava instruções às professoras, guardava os desenhos com zelo. Em alguns, vislumbrava futuros artistas.”

Para entrar nos Parques, que inicialmente foram construídos no Ipiranga, na Lapa e no Parque Dom Pedro I, não precisava de nada, apenas ser criança e ter entre 3 e 12 anos. Se alguma família desejasse, poderia realizar o cadastro das crianças para acompanhamento das atividades de assistência de saúde e odontológica. Afinal, havia na proposta a criação de espaços de brincadeira, aprendizado e recreio, de maneira conjugada com a incipiente assistência social da época.

Crianças desenham nos parques na década de 30
O livre brincar se misturava com o fazer artístico.

Ana Lúcia Goulart de Faria, em seu artigo “A contribuição dos parques infantis de Mário de Andrade para a construção de uma pedagogia da educação infantil”, defende que os parques infantis “podem ser considerados como a origem da rede de educação infantil paulistana”. Não à toa, muitos parques acabaram virando Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs).

Essa é a história da EMEI Gabriel Prestes, que resiste e existe em um casarão da rua da Consolação, na zona central de São Paulo, há 63 anos. Quer dizer, aconteceram interrupções. Em 99, o então prefeito Celso Pitta fechou a escola para ceder o terreno para a Faculdade Presbiteriana Mackenzie. Foi na gestão gestão de Marta Suplicy que a instituição foi reaberta, dessa vez sem vestígios de toda sua documentação. Hoje, a escola luta para retomar os aprendizados de Mário de Andrade como se, assim, refizesse o seu DNA. A história das batalhas da Gabriel Prestes,  a escola que quer devolver a cidade para as crianças, já foi retratada aqui no Portal Aprendiz.

Crianças brincam em Parque Infantil
Muitos parques depois viraram EMEIs

“A gente tem procurado retomar as propostas de Mário em nosso trabalho”, afirma Naime Silva, coordenadora pedagógica da EMEI Gabriel Prestes. “Nos afastamos das EMEIs que se escolarizaram demais e esqueceram de resgatar a criança como produtora de cultura, da criança coletiva, que convive, que se liga às questões, por exemplo, dos povos indígenas, das africanidades”, relata Naime.

Por quatro vezes, em 2015, os alunos da EMEI saíram pela cidade em cortejo, transformando o espaço urbano em um parque infantil. “A gente não tem esse foco obsessivo na alfabetização. Achamos que importa a poesia, cordéis, repentes, a cultura, as rodas de conversa, as brincadeiras, o desenvolvimento. As crianças não ficam confinadas em sala. Boa parte do tempo é ao ar livre ou até fora da escola”, aponta, defendendo  uma pedagogia cada vez mais “macunaímica” e em busca de sua descolonização.

Esse ano também celebrou, a partir da fundação dos Parques Infantis, os 80 anos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, em um evento no Parque do Ibirapuera. Educadores e estudantes puderam expor, em um dos espaços públicos mais valorizados da metrópole, seus projetos envolvendo a cultura da infância e a busca por uma aprendizagem que valoriza a diversidade étnica e cultural do país.

Como preconizava o educador Mário de Andrade, “o passado é lição para se meditar, não para se reproduzir”, por isso, São Paulo tem como desafio traduzir as histórias e aprendizados destes jardins da infância brasileira em novos caminhos para a educação e a cidade.

Mário de Andrade era um ávido colecionador das obras produzidas pelas crianças nos parques e acreditava na expressividade infantil.
Mário de Andrade era um ávido colecionador das obras produzidas pelas crianças nos parques e acreditava na expressividade infantil.

A contribuição dos parques infantis de Mário de Andrade para a construção de uma pedagogia da educação infantil, de Ana Lúcia Goulart de Faria.

Sobre o aniversário de 80 anos da educação infantil municipal em São Paulo, por Danilo Mekari, do Portal Aprendiz

Parques infantis de Mário de Andrade, artigo de Elizabeth Abdanur

“Escola de São Paulo quer devolver a cidade para as crianças”, matéria de Danilo Mekari sobre a EMEI Gabriel Prestes Mário de Andrade e os Parques Infantis, publicação proveniente da Ocupação Mário de Andrade, do Itaú Cultural.

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