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publicado dia 27 de abril de 2016

Olimpíadas podem representar aumento da exploração infantil no país

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Por Cecília Garcia, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz

O diâmetro do confete tem quase a mesma circunferência das digitais do menino; com os dedos ele segura a bandeja onde vende balas e chiclete. Enquanto as luzes transpassam pelo suor dos jogadores de futebol, elas não alcançam as ruas que cercam o estádio, onde as garotas são exploradas sexualmente. As obras das estradas que levam os torcedores ávidos e amantes de músicas aos shows, foram construídas com concreto, aço e desesperança. Por trás da euforia e comoção dos grandes eventos que acontecem no Brasil, existe um quadro de exploração infantil que se favorece do ecossistema criado por eles.

Quando a universidade Brunel University London se propôs a estudar os impactos da realização de grandes eventos nos índices de exploração infantil, deparou-se com a falta de material bibliográfico consistente sobre o tema. A identificação de dados factíveis sobre o tema já é complexa nas situações corriqueiras, que dirá em grandes eventos, onde elas estão mais reclusas e naturalizadas.

Durante a feitura da pesquisa, foi sugerido: cenários sociais que levam a exploração – como desemprego, pobreza, desigualdade de gênero ou deslocamento forçado – durante os eventos se interconectam e se potencializam com as condições locais onde eles acontecem. Na Copa Mundial da FIFA de 2010, na África do Sul, a desigualdade econômica, o afrouxamento de vistos e a pouca experiência em sediar eventos de grande porte seriam fatores que facilitariam a exploração.

Para os pesquisadores responsáveis, tornou-se muito claro que durante grandes eventos “os riscos surgem em todos os níveis – individual, familiar, comunidade e sociedade. Esses riscos resultam de uma associação de fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais e estruturais que podem tirar o poder das crianças e enfraquecer seu ambiente de proteção”. Nasce, então, a pesquisa Exploração de Crianças e Adolescentes e a Copa do Mundo, publicada em 2013 e traduzida pela Childhood Brasil. O apanhado de informações traz dados sobre riscos em grandes eventos, seus desdobramentos tangíveis e os diretos na proteção da criança e do adolescente.

Os perigos elencados pela pesquisa, referência em estratégias de combate à exploração infantil em outros projetos internacionais, inclusive no Brasil, são: ritmo acelerado de construção, com a chegada de um contingente alto de homens separados de suas famílias, o que pode estimular a exploração sexual; alta demanda de trabalhos temporários;migração de trabalhos homens para obras de infraestruturadescolamento de crianças dos seus lares para locais temporários e desconhecidosextensão de férias escolares ou suspensão de dias letivos – por conta dos jogos – sem supervisão ou programação especialcoerção sobre crianças para atividades ilegais, como venda de drogas e roubo;níveis elevados de abuso sexual e físico por conta do aumento de atividades festivais e efeitos negativos na saúde física e mental das crianças, causadas por doenças contagiosas, caso sejam abusadas ou forçadas a usar drogas.

Dentro do aspecto do trabalho infantil, a pesquisa aponta que os casos são mais associados aos grandes eventos esportivos, e incluem incidentes de envolvimento na produção de arquivos esportivos, na construção de estádios e coação de pedir esmolas ou vender produtos na rua. O primeiro flagrante de que se tem conhecimento é do uso de mão de obra infantil indiana e paquistanesa na costura de bolas de futebol para a Copa do Mundo de 1998, sediada na França. Nas Olimpíadas de Beijing, em 2008, foram as miúdas mãos de trabalhadores chineses que se sujaram de vermelho e dourado para produzir mercadorias temáticas.

Os desdobramentos dos grandes eventos no Brasil

 

exploração infantil aumenta nos mega eventos
Ato contra exploração sexual na Arena Corinthians no dia 18 de maio de 2014

Existem atualmente 3,3 milhões de crianças e adolescentes brasileiros sujeitos ao trabalho infantil, segundo dados da Pesquisa Nacional de por Amostra de Domicílio (PNAD). De acordo com dados do Disque 100, durante o evento, foram 11.251 denúncias de abuso contra crianças e adolescentes – 69% dos casos nos 12 estados-sede, sendo que 25 denúncias de abuso contra crianças e adolescentes, segundo a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), estão diretamente relacionadas à Copa do Mundo, em sua maioria envolvendo trabalho infantil e exploração sexual.

Anna Flora Wernick, coordenadora de programas da Childhood Brasil, acredita ser importante considerar que grandes eventos não estão restritos necessariamente a cerimônias desportivas, portanto, as práticas de prevenção criadas nele se constituem como práticas de cotidiano mais consciente. “É importante lembrar que toda cidade hospeda grandes eventos. No caso do Rio, o Carnaval, Réveillon, Rock in Rio e outros mexem com a cidade com uma intensidade semelhante. Os riscos para crianças e adolescentes são os mesmos e a necessidade de uma resposta da rede também.”

A fim de incidir sobre a vulnerabilidade de crianças e adolescentes que órgãos públicos e entidades privadas se articularam, em 2012, pela criação de uma Agenda de Convergência Proteja Brasil. “Foi uma iniciativa intersetorial, sob a coordenação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República”, explica Anna Flora. Por meio da articulação desses setores, criaram-se Comitês de Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em cada uma das cidades-sede. A iniciativa envolveu 2,5 mil pessoas, que se articulavam em sistemas de plantão. O enfoque das ações estava na temática de exploração sexual infantil.

Anna Flora aponta que um dos legados importantes dessa mobilização é que os comitês seguem ativos. “A mobilização da rede, através dos comitês, forçou a criação de sinergias e melhoras dos fluxos locais para encaminhamentos de diferentes violações de direitos”. Ela complementa que os comitês também facilitaram a comunicação entre setores que antes não conversavam com tanta intensidade sobre perspectivas de prevenção e proteção, como a segurança.

Organização para os próximos eventos

Manifestação contra a realização das Olimpíadas Rio 2016, realizada na praia de Copacabana em agosto de 2015.
Manifestação contra a realização das Olimpíadas Rio 2016, realizada na praia de Copacabana em agosto de 2015.

É esperado um fluxo de 500 mil a um milhão de turistas durante os Jogos Olímpicos de 2016 a serem realizados esse ano, no Rio de Janeiro. Pela televisão, a expectativa de audiência é de cerca de 4,5 bilhões de pessoas. Acumuladas as experiências tanto na Copa das Confederações quanto na Copa do Mundo, criou-se o projeto Rio 2016: Olimpíadas de Direitos da Criança e Adolescente. Realização da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), com cofinanciamento da União Europeia e outros parceiros. Diferentemente do evento anterior, essa ação abre o leque para outras formas de exploração, incluindo o trabalho infantil.

O objeto da ação é, segundo as palavras do prefeito de Cariacica (ES) e vice-presidente de Esporte da FNP, Geraldo Luzia de Oliveira Júnior, mais conhecido como Juninho: “a proteção integral da criança e do adolescente nas Olimpíadas e Paraolimpíadas 2016, com os objetivos de sensibilizar a sociedade sobre ao assunto; esclarecer a população sobre violações mais recorrentes dos direitos das crianças e adolescentes e informar qual o fluxo de atendimento e órgãos que deverão ser acionados em caso de violações”.

O projeto se divide em quatro eixos: capacitação da rede local de atendimento durante os jogoscapacitação de jovens voluntários para sensibilização direta em locais de grande circulação do público e desenvolvimento de uma campanha de comunicação de grande porte e fortalecimento e ampliação da atuação de rede de gestores municipais. Juninho fala sobre a capacitação da rede local de atendimento nas Olimpíadas – aproximadamente 480 pessoas – além da formação de voluntários brasileiros e internacional, com principal foco nos jovens cariocas por sua capacidade de articulação.

A Childhood Brasil, que apoia a ação, consolidou uma parceria com o Comitê Organizador dos jogos Rio 2016, para alimentar as intervenções com conteúdo sobre o tema. Eles irão enviar conteúdo para as Rodadas Temáticas (encontros mensais com os principais agentes da rede de proteção) para potencializar as ações preventivas e protetivas durante os jogos. Há também o engajamento com a produção de uma pesquisa sobre como melhor o monitoramento das regiões de risco.

“Uma vez que as Olimpíadas são uma grande vitrine para o mundo e até mesmo dentro do país, poder falar de proteção de crianças e adolescentes através deste canal é uma excelente oportunidade para aumentar a sensibilização sobre as violações e engajar a sociedade em ações de proteção”, finaliza Anna Flora. Com olhos e holofotes voltados para ocombate ao trabalho infantil, é de se esperar que essa vitrine não seja momentânea, e que o legado de ações como essa permaneçam para não só incidir em grandes eventos, como também suas ocorrências no cotidiano.

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