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publicado dia 15 de junho de 2016

Saskia Sassen: financeirização do espaço urbano ameaça a vida das cidades

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Saskia Sassen é uma das vozes mais originais do campo do urbanismo. Vinda da sociologia, a holandesa cunhou o termo “cidades globais” e desenvolveu importantes estudos que auxiliam na compreensão das diferentes dinâmicas econômicas, reestruturações produtivas, tecnologias de governança e migrações que moldam as cidades modernas e suas populações. Ancorada nas “materialidades invisíveis”, a professora da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e da London School of Economics, em Londres, alia um discurso crítico e analítico com uma capacidade de enxergar, mesmo nos momentos mais proibitivos, os fios que tecem a utopia.

Nesta terça-feira (14/4), Saskia fez a palestra introdutória do Seminário Internacional Cidades e Territórios: encontros e fronteiras na busca da equidade, organizado pela Fundação Tide Setubal em parceria com a Folha de S. Paulo. Em sua dissertação, a socióloga urbana discutiu as tendências da contemporaneidade e alertou sobre os perigos da especulação imobiliária e da financeirização das cidades, que, segundo ela, podem estar matando os ambientes urbanos.

Antes do seminário, foram organizadas rodas de conversa territorializadas. Confira a cobertura realizada pelo Portal Aprendiz nestes eventos:
+Cidade Educadora: aliar educação e território é fundamental para reduzir desigualdades sociais
+“Precisamos pensar em saídas coletivas para a cidade”, afirma geógrafa

“Nós perdemos a capacidade de entender como a complexidade do espaço urbano está falando com a gente. Quando um carro potente está travado no trânsito, sendo ultrapassado por um bicicleta, isso quer dizer que a cidade falou. A cidade tem fala, tem discurso e essa capacidade dela tem o poder de nos tornar mais sujeitos”, disse.

Separamos os principais destaques da fala da socióloga urbana abaixo. Confira!

# O que é uma cidade?

A globalização tem como fatores chaves a privatização e desregulação da vida pública. O que antes estava nas mãos do Estado não desapareceu, apenas se tornou privado. Nossas cidades foram feitas por reis e rainhas, por urbanistas e prefeitos mortos, mas seus desenhos ainda influenciam nossas vidas, para o bem e para o mal. Ou seja, uma cidade é algo com história e cultura, um animal que se move e anda, que tem vizinhanças modestas e grandes centros. Se você andasse pelas colinas da Itália, você veria pequenas edificações em conjunto e aquilo era uma cidade. Hoje em dia, não basta ter áreas construídas para se ter um espaço urbano. Um mega-projeto ou um condomínio não são uma cidade, não se constrói história e cultura dessa maneira. Não basta ser denso, é preciso ter densidade. Quanto mais mega-projetos, mais nós roubamos dos pobres, mais construímos cidades que os excluem. As vizinhanças mais modestas nos informam muito sobre o que é uma cidade. E isso é importante.

"Quando investidores compram terras urbanas, eles não estão preocupados com qualquer projeto de cidade que não o lucro".
“Quando investidores compram terras urbanas, eles não estão preocupados com qualquer projeto de cidade que não o lucro”.

# Cidades financeirizadas

Quando investidores compram terras urbanas – uma tendência que vem se fortalecendo desde 2010 -, eles não estão preocupados com qualquer projeto de cidade que não o lucro. No ano passado, mais de um trilhão de dólares foram investidos na compra de propriedades urbanas nas cem principais cidades do mundo. Nunca vimos algo nessa escala. Investidores de Cingapura compraram uma parte destruída de Detroit, nos Estados Unidos (EUA). E isso gera resultados brutais que precisamos entender. Vizinhanças pobres se tornaram parte da finança global a partir de mecanismos perversos. Se você é um banqueiro e quer acumular capital, você precisa de um contrato assinado por um morador pobre, que não consegue pagar sua hipoteca, para acumular propriedades. Só entre 2006 e 2014, 30 milhões de pessoas nos EUA ficaram sem 14 milhões de casas por execuções de hipoteca. Na Alemanha, já são mais de um milhão de casas perdidas para bancos. São milhões e milhões de pessoas que ficam sem teto – algo bastante palpável – e isso é um problema muito pouco falado. É uma materialidade invisível.

Top 100

As cidades classificadas por Sassen como as “Top 100” concetram 10% da população mundial, 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e 76% do investimento em propriedade.

# Mecanismos de privatização

Esses processos acontecem em um momento em que estamos perdendo habitat no mundo. Por onde quer que você olhe, existem enormes monoculturas, rios poluídos e mineração. Neste contexto, os investidores perceberam que a melhor forma de se armazenar dinheiro é investindo em terra urbana e isso é uma ameaça para todo mundo. Legalmente, é muito mais difícil comprar terra do que comprar algo já construído. Os investidores apostaram nisso e começaram a comprar terras urbanas na forma de casas e prédios. Se você está em Londres ou Nova Iorque, você verá que os centros estão desertos. Esses prédios vazios e privatizados mudam a lógica de extração de lucros nas cidades: não se compra para construir uma vizinhança e sim para extrair lucro da maneira como for. Os apartamentos de luxo se tornaram poupança dos mais ricos e os pobres não tem onde morar. Nós, o povo, estamos subsidiando o governo através de impostos , que paga generosos dividendos para as corporações, que nos proíbem de viver na cidade.

Sasken mostra as propriedades compradas no centro de Londres por uma única família chinesa.
Sasken mostra as propriedades compradas no centro de Londres por uma única família chinesa.

# Discurso da cidade

Nós perdemos a capacidade de entender como a complexidade do espaço urbano está falando com a gente. Por exemplo, quando um carro potente está travado no trânsito, sendo ultrapassado por uma bicicleta, isso quer dizer que a cidade falou. A cidade tem fala, tem discurso e essa capacidade dela tem o poder de nos tornar mais sujeitos. Mesmo que por um momento, ao andar pelas cidades, nos tornamos um outro: há momentos na vida urbana em que todos somos sujeitos. Ela nos oferece algo indeterminado que, ao contrário de um shopping center, nos permite dizer: “isso aqui é o meu espaço”. Isso não só é lindo, como não se dá em uma comunidade cercada, proibida. A cidade consegue “hackear”, ou seja, perturbar o desenho original de algo, consegue se superar e se transformar, apesar de tudo. No entanto, nós estamos perdendo essa batalha. A cidade não consegue hackear o atual processo de financeirização e sua complexidade está ameaçada. Super estradas, dificuldades de habitação, grandes corporações, perda de empregos: tudo isso impacta a diversidade do espaço urbano.

Quanto mais mega-projetos, mas nós roubamos dos pobres, mais construímos cidades que os excluem.
“Quanto mais mega-projetos, mais nós roubamos dos pobres, mais construímos cidades que os excluem”.

# Nova subjetividade

O que eu gostaria de perguntar é: nós precisamos de uma megacorporação para tomar café? Cada franquia da Starbucks leva uma parcela da capacidade de consumo local para sua sede, para os bancos. E talvez caiba a nós relocalizar isso em nossas cidades. Eu falo para meus alunos: “Não vá a uma grande loja para comprar seus móveis. Contrate um imigrante que vive perto para fazer isso”. E esse tipo de atitude está em franca explosão. Há uma nova subjetividade – não sou a única a pensar assim – que se conforma desde agricultura urbana até economias locais. Trata-se não de redes sociais, mas de criar tecidos, ou seja, de se associar em comunidade.

# Cidade inteligente é a que escuta

Gostei muito dessa provocação sobre o lugar da cidade das crianças. Quando estou falando em congressos de cidades inteligentes eu digo que não podemos ter uma cidade inteligente se não conseguirmos escutar o conhecimento de todos que habitam ali. A vovó que passa o dia sentada, olhando o bairro, sabe de algo que ninguém mais sabe. As crianças também. Não só por estarem mais perto do solo, mas elas têm outra maneira de ver o mundo que pode nos ser muito benéfica. Nós precisamos disso para nos transformar, para melhorar a vida de todos, especialmente daqueles que não têm abrigo. Eu acho que temos que ativar as capacidades digitais, os códigos abertos, para que, munidos desses abecedários específicos, voltemos a construir cidades como um espaço estratégico para nossas vidas.

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