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publicado dia 14 de julho de 2016

“Em contexto de crise, a educação tem que ser pensada como um investimento”

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Nos últimos anos, uma série de políticas públicas, como Bolsa Família, ações afirmativas na universidade e aumento das vagas na educação infantil, conseguiram diminuir as desigualdades sociais e educativas no país – ainda que numa taxa insatisfatória. Com a crise econômica e política, no entanto, esses avanços estão ameaçados.

Essa é a conclusão apresentada por Sérgio Haddad, economista e doutor em Educação, que coordenou a pesquisa “Educação e Desigualdade no Brasil”, realizado em parceria entre a Ação Educativa e a Oxfam Brasil e lançada na noite desta terça-feira (13/7), durante a Semana de Formação em Direitos Humanos e Educação Popular. O relatório apresenta a situação do atendimento escolar no Brasil, pensado comparativamente com o contexto sociopolítico e econômico do país nas últimas décadas, e de que maneira as políticas públicas impactaram as condições de acesso, permanência e conclusão do ensino básico e superior.

Segundo o estudo, o Brasil, sétima maior economia do mundo, ainda apresenta dados alarmantes: 0,9% dos mais ricos detém 60% da renda do país e 10 milhões de brasileiros ainda vivem na miséria. “Somente em 1930 a malha de escolas públicas se espalhou pelo país e desde então, colhemos o aumento da média de anos da população na escola, a universalização do direito à educação infantil, mas os efeitos da desigualdade ainda fazem se sentir fortemente”, afirma Haddad, que apontou a herança colonial e escravocrata como forte responsável pelo cenário. “A estrutura hierárquica brasileira faz com que o que é direito seja percebido como privilégio.”

“A estrutura hierárquica brasileira faz com que o que é direito seja percebido como privilégio”

A pesquisa mostrou que houve praticamente uma universalização da educação entre os sete e 14 anos, com 98,4% dos estudantes incluídos no sistema educativo. “Ainda que 1,6% de jovens fora da escola pareça pouco, representam quase 460 mil jovens, a ampla maioria de negros, e 25% deste total estão entre os 10% mais pobres”, alerta Haddad.

Gargalos

Mesmo com a quase universalização da educação dos sete aos 14, ainda há um enorme contingente que não consegue terminar o ensino fundamental e há problemas graves na oferta – apenas 43% das crianças no terceiro ano do fundamental apresenta aprendizagem adequada em matemática e 65,5% em escrita. A inclusão na creche, de zero a três anos, ainda é baixa: se em 2001 era de 13,8%, em 2015, 29,6% das crianças estão incluídas. A boa notícia está na educação infantil, que de 2001 para 2014 subiu de 66,4% para 89,1% no atendimento, grande parte na escola pública.

Mas o maior gargalo segue sendo no ensino superior. Com 87,5% de suas vagas na iniciativa privada, apenas 12,6% da população com mais de 25 anos concluiu sua graduação universitária.  As pessoas com 25 anos ou mais localizadas entre os 20% com maior renda possuem o dobro de anos (10,8 no total) de estudos daquelas pertencentes aos 20% mais pobres (5,5).

Apesar de estar perto da universalização, educação fundamental ainda deixa de atender quase meio milhão de estudantes.
Apesar de estar perto da universalização, educação fundamental ainda deixa de atender quase meio milhão de estudantes.

“Apesar das melhorias nos últimos anos, o estudo mostra que as desigualdades de região, entre o eixo norte e sul, raça e gênero, geram diversos cruzamentos que reforçam uma estrutura desigual em nossa sociedade”, analisa. Segundo o pesquisador, o aumento do salário mínimo, a inclusão pelo trabalho, o Bolsa Família, as ações afirmativas e o crescimento de vagas nas universidade públicas produziram uma diminuição das discrepâncias, mas esse legado está sob forte ameaça.

“Há um retrocesso na ideia da universalização do direito à educação, um avanço de concepções fundamentalistas e conservadoras que impactam na laicidade do ensino, críticas sem fundamento à educação que busca combater desigualdades de gênero e raça, desmonte de estruturas como a Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, extinta pelo atual governo interino) e a PEC 241, que ameaça o recurso vinculado à educação. Tudo isso sem dúvida irá impactar os mais pobres”, adverte Haddad.

O espanhol José Maria Vera, da Oxfam, afirmou que em seu país, que tem um sistema educativo considerado forte, a crise financeira ocasionou um corte de 13% das verbas da educação. “Imaginávamos que o impacto não seria tão forte, mas houve um grande baque na educação não universitária, reduziram-se os números de professores, de livros, as verbas para merenda e isso recai sobre as parcelas mais vulneráveis da população, que ficam sem a possibilidade de respaldo público”, lamentou.

“Em um contexto de crise, a educação tem que ser pensada como um investimento. Se tem alguma coisa em que deve haver investimento sem cortes é no processo de educação, não só da formação para o trabalho e para o mercado, como uma parte da sociedade e do mercado preconiza, mas sim na formação do cidadão, que é algo oposto ao que prega a Escola Sem Partido, que vê o professor como conteúdo e ensino como avaliação, com materiais higienizados e sem sentido em uma conjuntura que pede que juntemos a sociedade para pensar soluções para o país”, concluiu Haddad.

Confira aqui a íntegra da pesquisa Educação e Desigualdade.

(A foto que ilustra essa matéria é do Instituto Natura, via Flickr/Creative Commons)

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