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publicado dia 26 de agosto de 2016

Construir uma Cidade Educadora é fundamental para garantir qualidade na educação

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“O presente é tão grande, não nos afastemos”, recita o educador André Gravatá, “Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”, termina, lembrando o lema da Virada Educação deste ano, emprestado do poema “Mãos Dadas” de Carlos Drummond de Andrade. “Para mim, pensar em uma Cidade Educadora é manter essa vontade de que “não nos afastemos muito”. A nossa Virada tem esse sentido, de pensar em que expressões e poéticas podemos provocar nos espaços e territórios onde transitamos para criar ações férteis de conexão, de estimular que as pessoas se aproximem. Uma Cidade Educadora, quando fala de aprendizados não formais, quando fala de intersetorialidade, ela está falando de práticas que aproximam”.

Essas práticas que aproximam, para Gravatá, têm que começar sempre com um estranhamento sobre o que é educação e sobre o que é cidade. “A gente não legitima os aprendizados no formais e, com isso, supervalorizamos as instituições, como a escola, que fica com a responsabilidade exclusiva de educar, deixando a cidade como um lugar de passagem apenas. Por isso temos que exercitar esse estranhamento, indo para a rua, com corpo, com palavras, com sentido”, inspira Gravatá.

A fala do educador aconteceu durante o debate “Cidades Educadoras e o papel da ducação integral”, realizado como parte do ciclo de discussões ContAí, promovido pela Virada Sustentável, que acontece até 28/8 em São Paulo, e que também contou com a presença de Antônio Lovato, do Escolas Transformadoras, Ed Grandisoli, da Escola Amazônia e Natacha Costa, da Associação Cidade Escola Aprendiz.

Natacha Costa (centro) durante o debate Contai, da Virada Sustentável.
Natacha Costa (ao centro) durante o debate ContAí, da Virada Sustentável.

Bairro-escola

Surgido em Barcelona (Espanha) nos anos 1990, o conceito de Cidades Educadoras busca a participação social, inclusão e igualdade de oportunidades. A carta compromisso da Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE) já conta com cerca de 500 signatários.  Segundo Natacha, cada cidade olha para essas referências estabelecidas de uma forma, costurando os aprendizados de acordo com suas características e necessidades.

A experiência da Associação Cidade Escola Aprendiz começou há 19 anos, se contrapondo aos muros, condomínios gradeados e shoppings centers que,  de acordo com Natacha, ameaçavam o espaço público das cidades. A partir de projetos que intervinham diretamente no urbano, como o 100 muros – que reuniu a comunidade de Pinheiros e Vila Madalena para transformar os muros do bairro – , foram sendo criados territórios educativos: “As crianças que frequentavam nossas oficinas simplesmente não iam embora”, relata.

Para atender essas crianças, a organização buscou um “conjunto de oportunidades potentes” que a cidade oferece, como museus, parques, praças e centros culturais, criando percursos formativos e trilhas educativas que possibilitavam que os jovens adquirissem novas linguagens, formações e autonomias para conduzir seu aprendizado. “Muitos dos direitos que lutávamos para garantir se operavam nessa relação com a cidade, mediada, mas aberta e plural”, relata Natacha.

No entanto, com o tempo, “a instituição foi observando que não conseguia dar conta de todas as questões trazidas pelas crianças e adolescentes. Foi preciso ter uma relação próxima com a Saúde, com o Serviço Social, com as famílias e professores para construir um trabalho de rede e uma estrutura que protegesse o desenvolvimento desses indivíduos”, rememora. “Pouco adianta métodos educativos incríveis e inovadores se as crianças não enxergam direito, se estão abaladas psicologicamente, se não conseguem se relacionar de maneira saudável com a sua vida. A junção dos percursos formativos no território, com atenção integral, é a essência do Bairro-escola que hoje é nossa referência para se pensar uma educação integral.”

Valorizar saberes locais e história de sujeitos é essencial para uma educação de qualidade.
Valorizar saberes locais e história dos sujeitos é essencial para uma educação de qualidade.

Educação integral e Cidade Educadora

Antônio Lovato, do Escolas Transformadoras – iniciativa que identifica iniciativas escolares que transformem seus territórios –, respondeu, ao ser perguntado sobre como as escolas se adaptam aos novos tempos, que se um médico do século 17 entrasse em um hospital de hoje, não saberia o que fazer. Mas, se um professor da mesma época entrasse em uma sala de aula, não teria problemas em exercer seu ofício. “O desafio da educação é enorme porque repensá-la dá trabalho. As escolas são fechadas sim, mas é um desgaste enorme pedir que elas sozinhas se reinventem. É muito trabalhoso.”

Para responder à mesma pergunta, Natacha Costa fez um outro sobrevoo. Para ela, de fato a sociedade em rede, com conhecimento disponível e meninos e meninas formados desde cedo para acessá-las, deixa mais patente o anacronismo da instituição escolar. “Isso é o senso comum: precisamos entender o contexto brasileiro e daí pensar por onde começamos. O Brasil só conseguiu universalizar o acesso à educação formal nos anos 1990, a partir de um esforço enorme orientado pela Constituição de 1988.”

Para realizar essa tarefa, que compreende gerir um universo de 50 milhões de estudantes e 2 milhões de professores, foi preciso criar um modelo massificado, que ela qualifica de “políticas de primeira geração”, ou seja, aquelas que garantem o acesso. “Não tinha outro jeito de, em tão pouco tempo, colocar tanta gente na escola e consolidar o direito à educação”. Cabe agora batalhar pela “segunda geração” de políticas públicas, que irão garantir a qualidade no processo de ensino-aprendizagem.

Para construir essas políticas, são muitos os desafios, aponta Natacha, que começam pela necessidade de mudar a mentalidade das famílias, que ainda reivindicam aquela educação tradicional com “professor, giz, lição de casa, reprovação.”

“Precisamos transformar essa mentalidade e dizer que a gente pode ter outra escola. Garantir uma educação integral é a agenda da qualidade, que diz que educação a gente quer criar: uma que valorize o sujeito, que o entenda como dono de uma história e que o conecte num sentido de vida”, aponta. “Não é sentar e assistir aula. É uma concepção ampla de educação que precisa ser traduzida em políticas públicas e em mecanismos na escola. E a cidade, apostamos, é capaz de criar relações e redes potentes que irão recriar e transformar a educação”, conclui Natacha.

(A foto que ilustra essa matéria é de Adria Souza/Prefeitura de Olinda, via Flickr/Creative Commons)

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