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publicado dia 7 de outubro de 2016

“Mobilidade a pé é a matéria prima que alimenta todos os outros modais”

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Parece óbvio – o fato de que não há nada mais básico do que caminhar – mas a ausência de políticas públicas específicas para este modal pode estar na raiz de muitos dos problemas das cidades brasileiras. “Não podemos nos preocupar com mobilidade a pé apenas quando ela gera problemas”, alerta Maria Malatesta, da Comissão Técnica de Mobilidade a Pé da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), “ela precisa ser valorizada dentro da rede de mobilidade, pois ela é a matéria prima que alimenta todas as outras formas de mobilidade”.

Prova da importância reside no fato de que 36% dos deslocamentos diários em São Paulo são feitos exclusivamente a pé, segundo dados da ANTP. “Enquanto isso, o Plano de Mobilidade de São Paulo, em sua primeira versão, era bastante vago em relação a este tema, mas conseguimos emplacar uma série de diretrizes que podem impactar no desenvolvimento dessa agenda na cidade”, aponta Maria, que destacou o caráter intersetorial de políticas de mobilidade ativa (a pé ou de bicicleta).

“Uma política assim abrange segurança. Ocupar com pessoas os espaços públicos diminui taxas de violência urbana e melhora a saúde, pois combate o sedentarismo e exercita o corpo, além do lado ambiental de promover um transporte limpo. A cidade é uma esteira urbana”, brinca.

Para a urbanista Julia Magaldi, uma cidade caminhável apresenta um maior estímulo à economia local e provoca uma redução significativa nas taxas de obesidade e diabetes de uma população. “O caminhar, sendo valorizado, é um enorme passo para a sustentabilidade urbana. Quanto maior for a oferta de modais, e quanto mais qualidade tivermos, maior a possibilidade de experiências transformadoras de cidade”, aponta.

As falas das especialistas aconteceram durante o evento “Lugares Possíveis – Cidades Para o Amanhã”, da ANTP, que aconteceu entre 4 e 6/10 no Expo Center Norte, em São Paulo. O último dia de debates foram dedicados à mobilidade à pé.

Mais do que isso, é necessário começar a pensar em espaços urbanos seguros para todos e todas. Segundo dados apresentados pela também urbanista Hannah Machado, 1,25 milhões de pessoas morrem no trânsito – uma a cada 30 segundos – anualmente em todo o planeta. Em São Paulo, é a principal causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos e segunda principal causa de morte de crianças entre 5 e 14 anos.

Hannah atualmente trabalha, em conjunto com a Prefeitura de São Paulo, em São Miguel Paulista, um dos principais polos de comércio da capital de São Paulo. A região possui um índice, segundo dados da Prefeitura, de 734 acidentes com vítimas por quilômetro quadrado, uma cifra 860% superior a média da cidade, e será alvo de um processo de 28 intervenções que objetivam tornar a região mais segura para pedestres, ciclistas e usuários do transporte público. Entre as medidas que serão adotadas, está a ampliação das calçadas, travessias elevadas e ciclovias, além da destinação de ruas exclusivas para o transporte público.

“O caminhar, sendo valorizado, é um enorme passo para a sustentabilidade urbana", afirma especialista.
“O caminhar, sendo valorizado, é um enorme passo para a sustentabilidade urbana”, afirma especialista.

“É muitas vezes difícil trabalhar com esses programas de proteção à vida porque enfrentamos muitos obstáculos e preconceitos das pessoas. Uma senhora, que usa apenas transporte público, quando questionada sobre a remoção de uma faixa de veículo para ampliar o espaço para as pessoas, ficou preocupada com os carros. Parece uma lavagem cerebral”, conta a urbanista. Para ela, a solução para o bairro passa por aumentar praças e diminuir faixas, criando uma diminuição da velocidade e dos atropelamentos, reforçando o paradigma de que nenhuma morte no trânsito é aceitável.

Caminhar: meio de transporte

Imagine se você pudesse transformar 25% dos deslocamentos de automóveis em São Paulo em caminhadas? Atualmente, essa é a porcentagem, segundo dados oficiais, de viagens de carro na cidade que não passam de três quilômetros de distância. Caminhando por essa ideia, Andrew Oliveira apresentou o Corrida Amiga, que, através de campanhas e ativismo, defende, diariamente, a mobilidade a pé.

O Corrida se organiza através de uma rede de voluntários que encontra caminhos na cidade para quem quiser se transportar a pé pela cidade, nos trajetos entre faculdade, trabalho, escola e casa. “É libertador”, afirma Oliveira, que faz o percurso entre sua casa, nos arredores da rodovia Raposo Tavares, até o trabalho a pé ou correndo. Além disso, também se engajam na reivindicação e incidência em políticas públicas sobre mobilidade ativa.

“Acreditamos que ao caminhar, é possível enxergar as pessoas, as belezas e problemas da cidade. Isso também nos provoca a querer solucioná-los coletivamente, exercitando o corpo e a cidadania”, propõe Oliveira, que lembrou que a organização elaborou o Guia de Deslocamento Ativo, que traz dicas para quem quer gastar apenas a sola do pé ao se locomover pela cidade.

“É a mobilidade mais sustentável econômica e ambientalmente. O indivíduo deixa de gastar suntuosos recursos com carro e investe em saúde e felicidade. Mas também estamos falando de uma cidade com espaço para estar, para permanecer e para se relacionar. De uma cidade mais humana e para as pessoas, que saem das cápsulas e se relacionam, dialogam e exigem ainda mais esse tipo de postura, que vivem a cidade de maneira plena e integral”, se entusiasma.

Medo de carro

A falta de permeabilidade e as grandes avenidas que cortam os bairros são desafios para a mobilidade nas periferias.
A falta de permeabilidade e as grandes avenidas que cortam os bairros são desafios para a mobilidade nas periferias.

Entre 2011 e 2013, enquanto trabalhava com habitação em Paraisópolis, bairro na zona sul de São Paulo, a espanhola Irene Quintáns procurava referências de mobilidade infantil, mas apenas as encontrava na Europa ou na América do Norte. Onde estava a infância e a cidade na América Latina? Foi assim que surgiu a Red Ocara e suas sólidas pesquisas sobre as infâncias nas periferias da cidade.

“Muitas vezes o adulto não leva a sério, mas a criança tem um olhar crítico excelente sobre o espaço urbano. Através de desenhos e conversas levantamos muitos dos principais problemas da cidade a partir dos olhares, opiniões e desenhos das crianças”, relata Irene.

“Perguntamos para as crianças do Jardim Ângela do que mais elas sentem medo. 80% afirmou que tinha medo de ser atropelada. Agora pense que, em 1996, o bairro foi considerado pelas Nações Unidas como o mais perigoso do mundo. Hoje, não é mais. E me parece que o trânsito é muito mais fácil de resolver que a violência, não?”, questiona, ressaltando que a necessidade de espaços seguros é uma prioridade para a infância urbana.

A falta de infraestrutura e o desenvolvimento desordenado de vias, aponta Irene, criou diversos dilemas a cada travessia nas bordas da cidade. “São territórios sem permeabilidade. Uma criança muitas vezes tem que usar transporte escolar porque não consegue atravessar uma avenida como a do M’boi Mirim, que em determinado ponto tem seis cruzamentos no mesmo lugar. Aí é óbvio que os pais não deixam ir a pé”, lamenta.

“Discutir mobilidade das crianças na cidade hoje é imprescindível. Pela primeira vez na história, nossos filhos podem viver menos que nós. As crianças hoje estão obesas, com diabetes e vários problemas de saúde. Isso são doenças de idoso. É uma questão de saúde pública. A infância tem que ser prioridade na luta por uma mobilidade ativa”, conclui.

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