Colorindo as ruas de São Paulo há quase duas décadas, o grafiteiro Marcus Vinícius Enivo passou por uma situação inédita no início de 2017: enquanto exercia seu trabalho nos arredores da Avenida Eusébio Matoso, na zona oeste da cidade, uma equipe de segurança privada abordou o grupo que o acompanhava, ameaçando os artistas e até mesmo dando tiros de revólver para o alto.
Se pintar as paredes, muros e construções da cidade nunca foi tarefa fácil, o cerco aos artistas de rua promete crescer durante a gestão de João Dória Jr. (PSDB) à frente da Prefeitura Municipal de São Paulo. Em menos de 20 dias de mandato, o empresário eleito na capital demonstrou que a intenção de tornar a cidade monocromática não ficará apenas no papel. Em ações do programa Cidade Linda, pintou paredes de bege, apagou grafites com o próprio punho e declarou guerra à pichação.
“Acredito que o problema não está em apagar o grafite e nem a pichação, pois são expressões efêmeras que a cidade recicla naturalmente”, afirma Enivo. “O que me incomoda é a forma como a gestão se refere aos grafiteiros e pichadores. Acho que ao prefeito faltou informação, estudo e pesquisa sobre arte urbana e contracultura. O seu discurso está muito ofensivo e repercute diretamente na população.”
Em vídeo de divulgação do Cidade Linda, Dória convoca os cidadãos para se tornarem “fiscais” da pichação e do grafite, estimulando-os a delatar artistas de rua para a Guarda Civil Metropolitana e para a Polícia Militar. Também prometeu criar um “grafitódromo” na Mooca.
Enivo relata que, para além do episódio do tiro para o céu, pedestres e motoristas vêm hostilizando seu trabalho. “Como artista urbano, estou com medo e receio de trabalhar na rua. Nunca me enxerguei como um vândalo. Esse discurso está gerando mais guerra e conflito do que paz e entendimento.”
O Portal Aprendiz conversou com Enivo e outros três artistas de rua para entender como analisam o cenário instaurado na arte urbana de São Paulo.
Cidade como plataforma de conhecimento, por Tim (ou Wellington Neri), do Imargem
“Vejo que o novo prefeito não tem conhecimento sobre a cidade e suas questões. Está bancando um posicionamento midiático e publicitário para maquiar a cidade com a sua visão de beleza. Em uma metrópole com tantos problemas, por que ele quer se debruçar sobre isso?
A postura de guerra não é saudável para ninguém. A gestão se equivoca quando não tenta compreender esses fenômenos e entender o que já acontecia na cidade, que é um polo potente de arte urbana – e isso vai muito além da estética. Trata-se de uma cultura de arte, educação e música que surge nos guetos modernos que são as periferias.
Ele poderia construir a cidade com as pessoas. O pichador tem um olhar específico para a cidade, com um acúmulo que vem da negação de direitos e isso culmina em intervenções estéticas. Ignorar essa produção cultural é um erro, e certamente haverá resistência, pois a rua vai cobrar.
A cidade é uma plataforma de conhecimento
A cidade é uma plataforma de conhecimento, e esse potencial não pode ser descartado. Dentro do Imargem, temos alguns trabalhos que envolvem percursos educadores e trilhas urbanas, pois São Paulo é muito mais do que uma cidade cinza.”
Muros para mulheres, por Itzá (ou Carolina Teixeira), grafiteira
“O grafite em São Paulo tem uma história bem complexa, com muitas vertentes e formas de pensar e fazer arte urbana. Atualmente, o processo de ocupação das ruas pelas mulheres está mudando o grafite, resgatando outras histórias e propondo outros caminhos.
A rede de mulheres está se fortalecendo, então hoje em dia é um contexto melhor para pintar, para colocar nossa estética e nossas questões. Acho que a relação com a forma como estamos aprendendo também está mudando, uma aprendendo com a outra, uma mulher puxando a outra. A hostilidade que antes impediu muita menina de se expressar está diminuindo.
A arte urbana oxigena a cidade, bota as contradições na rua, escancara a desigualdade. As declarações agressivas do novo prefeito são um reflexo do que a gestão trará para a discussão sobre o espaço público: meritocracia, higienização e privatização.”
Guerra de tintas e cores, por Marcus Vinícius Enivo, artista de rua independente
“Tenho certeza que essas medidas não acabarão nem com o grafite nem com o pixo. Eles vão se modificar – os trabalhos vão ter que ser feitos cada vez mais rápido e esteticamente ficarão mais feios, pois a repressão está forte. Não é apagando o grafite e maquiando a cidade que o prefeito vai sanar os seus problemas.
O ‘pixo’, aliás, é uma denúncia de todos os problemas que vivemos aqui. É um protesto, nosso grito mudo e calado. Nossa expressão. Inclusive, a arte urbana de São Paulo é valorizada em todo o mundo e um exemplo de como o fazer artístico pode transformar vidas.
As pessoas vão continuar fazendo grafite do mesmo jeito. O prefeito vai seguir gastando dinheiro público com tinta para apagar, enquanto nossos artistas urbanos e alpinistas também gastarão suas tintas para combater o cinza e colocar cor na cidade.
Nossa vontade de expressão tem relação direta com a cidade e com as pessoas que estão na rua. A cidade não é feita de funcionários – não se pode encarar a cidade como uma empresa, pois ela é feita de seres humanos que precisam se expressar de alguma forma.
A cidade também é nossa. São Paulo tem uma linguagem única e original por conta de seu exército de artistas urbanos. O prefeito não tem a dimensão de com quantas pessoas ele está mexendo. Sou pacífico, mas estamos prontos para a guerra de tintas e de cores.”
Vigiar e punir, por Subtu, grafiteiro e idealizador do projeto Revivarte
“Acredito que o prefeito está tomando medidas para maquiar a cidade. Ele sabe que esta é uma guerra perdida, pois não é um problema em si, mas sim uma cultura ‘underground’, considerada ilegal. A guerra do spray não vai ter fim.
A arte urbana é uma forma de ocupar espaços à deriva e de chamar a atenção para os problemas de uma metrópole. Apagar grafites e ‘pixos’ não é novidade – o pior mesmo é o discurso do ódio, convocando a população para participar ativamente nisso, dando permissão para ela se tornar polícia e denunciar os artistas de rua.”
(A foto que abre esta matéria é de autoria de Lu, via Flickr/CreativeCommons)
Ótimo artigo …
Parabéns Danilo …
Belíssimo artigo. Mostra como a ignorância de um prefeito desavisado, que não entende a cidade que deveria estar governando, estraga a beleza estética do grafite, que embeleza cidades inteiras na Europa, por exemplo. Será que está senhor não tem mais nada pra fazer??
Só pesso que meus amigos da Cultura Hip Hop , tome cuidado , guerras tende a ser violentas e machucar , ou pior , não por vcs mas pelo lado do Estado Cinza sem vida … Tomem cuidado . Exelente materia parabéns