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publicado dia 18 de abril de 2017

Da educação democrática para uma sociedade coletiva

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Cresce no mundo o número de escolas públicas cujas propostas pedagógicas se orientam para a participação ativa dos estudantes na gestão, a construção de currículos que possibilitam uma multiplicidade de itinerários formativos, a integração comunitária e planetária. A estas escolas somam-se projetos, programas e políticas de governo orientados por estes princípios. Este processo resulta do avanço dos debates e proposições em relação ao reconhecimento da crise socioambiental a que a noção moderna de progresso levou a humanidade.

Helena Singer foi a única brasileira presente nas  25ª Conferência Internacional de Educação Democrática (IDEC) e 1ª Conferência Hadera pela Educação Inovadora, realizadas em Israel. Esse é o segundo artigo que o Portal Aprendiz publica com a cobertura completa realizada pela socióloga. Leia o primeiro: Democracia: a grande inovação

Especificamente na educação, reconhece-se o fracasso do projeto de universalização de uma escola que tem sua estrutura piramidal baseada no desperdício dos conhecimentos de quem está na base e na competição para se chegar ao topo, onde se concentra todo o poder. Pesquisas no novo campo interdisciplinar das ciências da aprendizagem explicam porque este modelo não funciona e confirmam teses defendidas por educadores do início do século passado como o inglês A. S. Neill. Seu neto, Henry Readhead, hoje diretor da escola Summerhill, esteve na 25ª Conferência Internacional de Educação Democrática (IDEC) e na 1ª Conferência Hadera pela Educação Inovadora para lembrar que, há quase cem anos, a escola criada por seu avô confirma cotidianamente que uma comunidade construída com base na compreensão de como nos desenvolvemos e aprendemos a nos relacionar com os outros garante a formação de pessoas felizes, saudáveis e produtivas.

Finlândia como paradigma

Se Summerhill é fundamento das IDEC, novos atores vêm agora a ela se integrar por reconhecer nesta rede os fundamentos das mudanças necessárias para a educação do século XXI. É o caso da iniciativa Hundred da Finlândia, apresentada na Conferência por Lasse Leponiemi. A Finlândia ganha destaque nos debates sobre educação por ser a primeira colocada no ranking do PISA, o Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes. Só o nome já denuncia o vínculo do PISA com o paradigma moderno orientado por exames, homogeneização e rankings. No entanto, o destaque da Finlândia leva à corrosão de suas próprias bases, uma vez que este país alcançou o sucesso fazendo exatamente o contrário do que países como Estados Unidos, que ficam lá atrás na competição: não faz exames nacionais, orienta o currículo por projetos, fortalece a autonomia de professores e escolas, diminuiu a jornada escolar. A Hundred está em busca da centena de organizações educativas mais inovadoras do mundo. Seu objetivo é criar uma base de dados disponível gratuitamente, que possa inspirar educadores e governos do mundo. O fato de esta iniciativa ser divulgada na IDEC oferece uma pista sobre quais são os critérios de inovação aplicados.

Desafios reais

No entanto, quando se ultrapassa o nível dos discursos e da inspiração, as escolas e universidades democráticas encontram grandes dificuldades para efetivamente realizar seus projetos pedagógicos. Encontram barreiras em relação a financiamento, avaliação, formação dos educadores e demais agentes envolvidos. Ao que parece, todo o ecossistema constituído com base no projeto moderno da escola disciplinar, tecnicista e burocrática precisa ser transformado para que a educação escolar possa finalmente se transformar no sentido daquilo que se afirma nos discursos e se divulga como inspiração.

Por isso que a educação democrática vem buscando se fortalecer em redes nacionais e internacionais. Além das conferências mundiais anuais, consolidaram-se encontros regionais, apresentados em diversos workshops: na Europa, na vizinhança entre a Ásia e o Pacífico, na América do Norte e na América Latina. Espera-se que depois da IDEC de 2019, que deverá acontecer no Quênia (a de 2018 será na Índia), iniciativa semelhante possa se organizar na África.

A educação democrática também se fortalece conectando com iniciativas orientadas pela e para a democracia nos outros campos da ação social, sobretudo as iniciativas que buscam formas mais sustentáveis, coletivas e criativas de organizar a produção econômica, e as iniciativas que promovem o diálogo multicultural e a justiça social, apresentadas em seção especial da Conferência sugestivamente chamada de “Como fazer a transição da Educação Democrática para a Sociedade Coletiva?”

É nestas conexões que a educação democrática também se reinventa, escapando da tendência de se reconhecer como a solução para a educação, para continuar em busca das grandes questões.

Todos podem ser agentes de transformação

Foi neste ambiente que o movimento dos estudantes brasileiros de ocupação das escolas, que aconteceu entre 2015 e 2016, ganhou grande destaque. Anunciado desde a abertura da conferência como a notícia mais importante para esta rede mundial que há mais de duas décadas se dedica a transformar o mundo, o movimento precisou ser apresentado em duas sessões para atender ao grande interesse despertado.

Lembrando: entre novembro de 2015 e novembro de 2016, quase 1600 escolas, mais de 120 universidades, órgãos centrais de secretarias de educação e assembleis legislativas foram ocupadas e dezenas de ruas foram bloqueadas por estudantes em 21 estados da nação. Houve muita repressão, intimidação, ameaça, perseguição, mas os estudantes resistiram. A forma de luta foi a democracia radical: assembleias com plenos poderes de decisão, comissões responsáveis pelos cuidados coletivos, mobilização de apoio de amplos setores da sociedade.

Como resultados, o projeto de reorganização das escolas estaduais de São Paulo foi adiado, o secretário da educação se demitiu, as escolas técnicas passaram a oferecer merenda. No Rio, os estudantes conquistaram a eleição para diretores. No Rio Grande do Sul, foram liberados os recursos que não chegavam às escolas, professores foram contratados, a merenda foi melhorada, a proposta de privatização da gestão das escolas foi adiada.

A repressão se intensificou e a ocupação das escolas contra as medidas do governo federal de reforma do ensino médio e de cortes dos investimentos sociais (chamados de gastos públicos) não conseguiu impedir a sua aprovação no Congresso. No entanto, não parece improvável que o movimento seja retomado à medida em que estas reformas comecem a ser implementadas, se os estudantes não forem incluídos nos debates.

Este relato causou grande comoção na Conferência e o empenho dos participantes dos vários países para superar as barreiras da língua e buscar fazer contato com os brasileiros, para manifestar seu apoio e admiração e disseminar pelo mundo esta forma de os estudantes finalmente serem os protagonistas da educação. Este foi o principal tema do fechamento da Conferência.

 

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